Jean-Philip Struck, de Curitiba16 de dezembro de 2015
Procurador-geral da República justifica pedido ao STF afirmando que o líder da Casa está usando o cargo para intimidar parlamentares e cometer crimes. Em petição, procurador pede por urgência para evitar novas manobras.
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O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu nesta quinta-feira (16/12) ao Supremo Tribunal Federal (STF) que o presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) seja afastado do seu mandato de deputado – e consequentemente da chefia da Casa.
De acordo com a medida cautelar protocolada na Corte, Janot acusa Cunha de usar seu mandato de deputado e o cargo de presidente da Câmara para interesse próprio e com "fins ilícitos". Além disso, Janot disse que Cunha também age para "constranger e intimidar parlamentares, réus colaboradores, advogados e agentes públicos, com o objetivo de embaraçar e retardar investigações contra si". O pedido foi protocolado no gabinete do ministro Teori Zavascki, o relator da Operação Lava Jato no Supremo.
Ainda segundo o procurador, os documentos apreendidos pela Polícia Federal (PF) durante o cumprimento de um mandado de busca e apreensão na casa do deputado "reforçaram as provas já reunidas" pela Procuradoria-Geral da República. A operação da Polícia Federal ocorreu na terça-feira. Agentes da PF cercaram a residência oficial do presidente em Brasília e apreenderam seu celular. Além de Cunha, dois ministros do PMDB e diversos políticos do partido foram alvos da operação.
Ao todo, Janot elencou 11 condutas de Cunha para justificar o pedido. O procurador também lembrou dois inquéritos que tramitam contra o deputado no STF, que investigam suspeitas de corrupção, lavagem de dinheiro e manutenção de valores não declarados em contas no exterior.
Janot afirmou ainda que "os fatos retratados na petição são anormais e graves e exigem tratamento rigoroso conforme o ordenamento jurídico" e que o afastamento é necessário para garantir a ordem pública, a regularidade de procedimentos criminais em curso perante o STF e a normalidade das apurações submetidas ao Conselho de Ética.
Denúncias de corrupção
Cunha foi denunciado em agosto pelo Ministério Público Federal (MPF) por causa do seu envolvimento na Lava Jato – o lobista Julio Camargo, um dos delatores que está colaborando com o MPF, afirmou que Cunha cobrou propina de 5 milhões de reais num negócio da Petrobras com a Samsung que envolvia o aluguel de sondas marítimas.
Nos últimos meses, foram divulgados vários documentos, entre cópias de passaportes, gastos de cartões de crédito e extratos que apontavam a ligação de Cunha e sua mulher, a jornalista Cláudia Cruz, com quatro contas não declaradas na Suíça. As autoridades do país europeu bloquearam mais de 9 milhões de reais depositados nessas contas.
Apesar das denúncias, Cunha vem se mantendo no cargo desde então. Além dos inquéritos no STF, o deputado também é alvo de um processo de cassação que tramita no Conselho de Ética da Câmara por quebra de decoro parlamentar. Os deputados que protocolaram o pedido argumentam que Cunha mentiu durante uma audiência da CPI da Petrobras quando declarou não possuir contas no exterior.
O processo vem se arrastando há meses por causa de manobras de aliados de Cunha que compõem o conselho. Cunha nega qualquer irregularidade e afirmou repetidas vezes que não pretende deixar a presidência da Câmara.
Na segunda-feira, um parecer preliminar pela continuidade das investigações foi finalmente aprovado, mas a votação está sendo alvo de contestações por parte de deputados do círculo de Cunha, e qualquer decisão sobre o futuro do deputado no conselho ainda deve demorar meses.
Também em agosto, Janot já havia apontando a suspeita de que Cunha estava utilizando a estrutura da Advocacia-Geral da União (AGU) em sua defesa pessoal, mas, na ocasião, o procurador-geral não pediu o afastamento do deputado.
O pedido de afastamento protocolado por Janot foi entregue ao STF em um momento delicado. Nesta quinta-feira, a Corte está reunida para discutir o rito do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Cunha é o principal articulador do processo.
Após a divulgação do pedido de Janot, Cunha declarou nesta quarta-feira que a ação da PGR é uma "cortina de fumaça". "É tentativa de desviar o foco da discussão de hoje. Tentar desviar a repercussão do julgamento. Aquilo que chamaram de golpe, de manipulação, aquilo tudo está confirmado pelo voto do ministro relator", declarou. "Cadê as manipulações, as manobras, os golpes de que estou sendo acusado?"
O afastamento de Cunha deve ser discutido pelo plenário do STF, já que o deputado é presidente da Câmara. Como o Supremo está ocupado com a discussão do impeachment, a expectativa é que o pedido seja analisado apenas na sexta-feira, quando o Plenário da Corte tem sua última sessão antes do início do recesso do Judiciário.
Novas acusações de propina
O pedido de afastamento também ocorre no mesmo dia em que surgem indícios de um novo caso de propina envolvendo Eduardo Cunha. Segundo uma reportagem publicada pela revista Época – e confirmada por outros veículos da imprensa – a Procuradoria-Geral da República afirma ter reunido provas de que Cunha recebeu 52 milhões de reais em propina em contas na Suíça e em Israel. Segundo a revista, os pagamentos foram realizados pela empresa Carioca Engenharia e divididos em 36 prestações.
Segundo o inquérito, a propina foi paga para que a empresa recebesse 3,5 bilhões de reais do FGTS-FI, o fundo de investimento que usa recursos do Fundo de Garantia. Até o dia 10 de dezembro, Fábio Cleto, um aliado de Cunha era responsável por comandar a área do FGTS e de loterias na Caixa Econômica Federal.
O caso foi revelado pelos donos da empresa, que fizeram um acordo de delação premiada com a Justiça. A Carioca é uma das empresas que atuam na revitalização da zona portuária do Rio de Janeiro. Em 2011, um fundo administrado pela Caixa com recursos do FGTS comprou títulos imobiliários na região.
Altos e baixos da trajetória política de Dilma Rousseff
Ela foi a primeira mulher a ocupar a Presidência da República. Antes disso, lutou contra a ditadura militar e foi ministra de Lula. Eleita, o adversário passou a ser a crise econômica e a pressão pelo impeachment.
Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Contra a ditadura
Dilma Rousseff começou a vida política ainda jovem. No final dos anos 60, integrou organizações de combate à ditadura, até ser presa em janeiro de 1970 e torturada por mais de 20 dias. Quando deixou a prisão, no final de 1972, abandonou a luta armada e se mudou para o Rio Grande do Sul – onde se formou em Economia e ajudou a fundar o Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Foto: AP/Arquivo Público do Estado de São Paulo
Ao lado de Lula
Dilma se filiou ao Partido dos Trabalhadores (PT) em 2001, enquanto era secretária de Minas e Energia do Rio Grande do Sul. Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, foi nomeada ministra de Minas e Energia. Em 2005, ela assumiu a chefia da Casa Civil no lugar de José Dirceu, após o escândalo do mensalão. A mudança marcou o início de uma reforma ministerial em meio à crise política.
Foto: Ricardo Stuckert/PR
"Ministra linha dura"
Enquanto era ministra-chefe da Casa Civil, Dilma anunciou a criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007 – que acabou não se desenvolvento tanto quanto o esperado –, e assumiu a direção de iniciativas como o programa Minha Casa, Minha Vida. Em 2009, apresentou o marco regulatório do pré-sal, definindo as regras para a exploração das recém-descobertas reservas de petróleo.
Foto: A. Nascimento/ABr
Luta contra o câncer
Em abril de 2009, a então ministra foi diagnosticada com câncer linfático. Após cirurgia para retirada do tumor e meses de radioterapia, Dilma anunciou estar curada em setembro do mesmo ano, já como pré-candidata do PT à sucessão de Lula. Na ocasião, falou à DW sobre o câncer: "Se você se desarmar diante da doença, ela vence. Mas, se não, percebe que a vida não acabou e que pode até ficar melhor".
Foto: AP
De coadjuvante a presidente
Em outubro de 2010, Dilma deixou se der coadjuvante no cenário político para se tornar sucessora das políticas do ex-presidente. Contra o tucano José Serra no segundo turno, ganhou a disputa com cerca de 55 milhões de votos válidos, e se tornou a primeira presidente mulher da história brasileira. Dilma assumiu o posto em 1º de janeiro de 2011.
Foto: AFP/Getty Images/Evaristo Sa
Primeiro discurso na ONU
"Pela primeira vez, na história das Nações Unidas, uma voz feminina inaugura o debate geral. É a voz da democracia e da igualdade se ampliando nesta tribuna", disse Dilma na abertura da 66ª Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2011. Em seu discurso, exaltou o papel feminino na sociedade e na política, lamentou a ausência palestina e defendeu a reforma do Conselho de Segurança da ONU.
Foto: picture-alliance/dpa
Demissão de ministros
Dos 39 ministros que integravam a equipe da presidente eleita, oito deixaram seus cargos nos primeiros 14 meses de mandato, após escândalos deflagrados principalmente pela imprensa. Sete deles vinham do governo Lula, com exceção do ministro do Turismo, Pedro Novais. Dos oito que caíram, apenas Nelson Jobim, então ministro da Defesa, não estava envolvido em denúncias de corrupção.
Foto: AP
Inclusão social
Ao longo do primeiro mandato, Dilma deu continuidade a programas sociais do governo Lula, como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida, e realizou o leilão do Campo de Libra, no pré-sal, destinando recursos para educação e saúde. Novos programas também foram criados, como Pronatec e Mais Médicos, este último alvo de duras críticas das entidades médicas, que responderam com protestos e paralisações.
Foto: picture alliance/AE
Corrupção na Petrobras
Em março de 2014, a Polícia Federal deflagou a Operação Lava Jato, que investiga um megaesquema de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e dezenas de políticos – entre eles, os ex-ministros Edison Lobão e Antonio Palocci. O escândalo na estatal serviu de munição aos candidatos de oposição contra Dilma durante a campanha eleitoral daquele ano.
Foto: AFP/Getty Images/K. Betancur
Eleições acirradas
Dilma foi reeleita presidente em 26 de outubro de 2014, com 54,5 milhões de votos no segundo turno. Foi uma das eleições mais disputadas da história, com diferença de apenas 3,5 milhões de votos para o segundo colocado, Aécio Neves (PSDB). A campanha eleitoral foi marcada por ataques, escândalos e a morte de um dos presidenciáveis, Eduardo Campos (PSB), substituído por Marina Silva.
Foto: picture-alliance/dpa/Sebastião Moreira
Protestos e reprovação recorde
As manifestações de junho de 2013 apenas respingaram em Dilma. Em 2015, por outro lado, centenas de milhares de pessoas foram às ruas em todo Brasil para protestar especificamente contra o governo da presidente e os escândalos de corrupção. A gestão Dilma Rousseff, que chegou a ser aprovada por 73% dos brasileiros em pesquisa de 2011, viu essa taxa cair para 8% quatro anos mais tarde.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Orçamento com déficit
Em agosto de 2015, em guerra com o Congresso, o governo apresentou uma proposta de Orçamento para 2016 com previsão de déficit de 30,5 bilhões de reais, algo inédito. A decisão levou a agência de classificação de risco Standard & Poor's a retirar o grau de investimento do Brasil. Duas semanas depois, o governo anunciou o ajuste fiscal, aprovado pelo Congresso somente em dezembro.
Foto: picture-alliance/epa/F. Bizerra jr.
Pedaladas fiscais
No início de outubro, o Tribunal de Contas da União recomendou a rejeição das contas de 2014 do governo, devido às chamadas "pedaladas fiscais". A decisão é usada pela oposição para fundamentar um pedido de impeachment. Para reduzir despesas, Dilma anunciou o corte de oito ministérios, a extinção de 30 secretarias em todas as pastas e a redução em 10% do salário dos ministros e do seu próprio.
Foto: Reuters/U.Marcelino
Cunha: peça-chave do jogo político
Apesar de ser membro do PMDB, partido da base aliada, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, rompeu com o governo quando passou a ser investigado no escândalo da Petrobras. Em meio a denúncias de corrupção e ao aumento da pressão pela cassação de seu mandato, Cunha autorizou, em dezembro, o pedido de abertura de um processo de impeachment de Dilma. "Não me cabia outra decisão", afirmou ele.
Foto: reuters
Afastamento da presidência
Após cinco meses de debates acalorados e prolongadas sessões no Congresso – incluindo uma votação tumultuada na Câmara –, o processo de impeachment tem sua abertura aprovada pelo Senado em 12/05, marcando o ápice da mais grave crise política brasileira dos últimos tempos. Com isso, Dilma foi afastada da presidência por até 180 dias, enquanto enfrentaria julgamento por crime de responsabilidade.
Foto: Reuters/A. Machado
O impeachment
A etapa final do processo de impeachment – o julgamento no Senado – durou cinco dias, incluindo oitiva de testemunhas, a defesa pessoal de Dilma aos senadores e a votação final, que culminou no afastamento definitivo da petista da Presidência da República. Foram 61 votos favoráveis à cassação, ante 20 contrários. O Senado, porém, decidiu por manter o direito de Dilma de exercer cargos públicos.
Foto: Reuters/J. Marcelino
Discurso de despedida
"É o segundo golpe de estado que enfrento na vida. O primeiro, o golpe militar, apoiado na truculência das armas, da repressão e da tortura, me atingiu quando era uma jovem militante. O segundo, o golpe parlamentar desfechado hoje por meio de uma farsa jurídica, me derruba do cargo para o qual fui eleita pelo povo", disse Dilma, ao se despedir do cargo, em 31 de agosto de 2016.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Tentativa de se eleger ao Senado
Com os direitos políticos mantidos após o impeachment, Dilma concorreu ao Senado por Minas Gerais nas eleições de 2018. Ela recebeu 15,29% dos votos válidos, número insuficiente para se eleger, ficando em quarto lugar.
Foto: Reuters/W. Alves
Volta ao Congresso após o impeachment
Três anos após seu afastamento do cargo, voltou pela primeira vez ao Congresso em 4 de setembro de 2019, para o lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional, que tem entre as principais bandeiras a luta contra as privatizações de estatais.