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Jargões nazistas: receita perfeita para o fracasso político

Deanne Corbett (av)24 de julho de 2005

Os políticos alemães sabem que usar palavras marcadas pela ideologia nazista ou fazer comparações com pessoas e coisas daquela época é um mau negócio e possível fim de suas carreiras. Por que eles não conseguem parar?

Comparação infeliz: slogan da CDU e DachauFoto: AP

No início de julho, Ludwig Stiegler, membro do Partido Social Democrata (SPD), do governo alemão, comparou uma frase utilizada pela União Democrata Cristã (CDU) em sua campanha eleitoral a um notório slogan nazista.

Embora notório por seu estilo impulsivo, ao equiparar "o que cria trabalho é bom para a sociedade", da oposição conservadora, a "o trabalho liberta", que emoldurava a entrada de campos de extermínio nazistas como Auschwitz e Dachau, Stiegler decididamente foi longe demais.

O resultado foi condenação em larga escala, e não só partindo da CDU. O próprio presidente do SPD, Franz Müntefering, criticou: "Partidos democráticos não competem usando slogans da extrema direita ou dos nazistas. Essa não é a nossa linguagem".

Fim de carreira

Aqui a discrepância entre "o que não se deve" e "o que não se faz" é grande, e o deslize de Stiegler está longe de ser um caso isolado. Poucas semanas antes, Oskar Lafontaine, político veterano e fundador do novo partido de esquerda WASG, provocara indignação ao empregar, num discurso sobre o desemprego, o termo Fremdarbeiter (trabalhadores estrangeiros), igualmente cunhado pelo regime nazista.

Examinando a política pós-guerra da Alemanha, não é difícil recolher todo um catálogo de gafes e analogias com o nazismo, intencionais ou não. Em muitos casos, as conseqüências foram sérias para o político em questão.

Ex-ministra da Justiça Herta Däubler-GmelinFoto: AP

Um dos exemplos mais citados é o da ex-ministra da Justiça Herta Däubler-Gmelin (SPD). Durante a campanha eleitoral de 2002, ela comparou a tática do presidente norte-americano, George W. Bush, no Iraque às de Adolf Hitler, efetivamente dando fim à própria carreira.

Arma e advertência

A longa lista de "escorregões" do gênero é de espantar, quando se conhece a hipersensibilidade e o grau de consciência dos alemães quando tocam no passado nazista do país. Por que os políticos não extirpam simplesmente de seu vocabulário todas as referências ao funesto regime? Por que escolhem pisar em terreno tão arriscado?

Segundo Martin Wengeler, professor de Lingüística da Universidade Heinrich Heine de Düsseldorf e co-autor de um livro sobre a história dos termos controversos no idioma germânico, há duas razões principais:

"A primeira é conquistar atenção na política, sobretudo durante as campanhas eleitorais, quando o fenômeno ocorre com mais freqüência. É um modo de golpear os oponentes, de difamá-los." E Wengeler acrescenta: "A segunda é que o passado nazista ainda representa papel relevante no discurso político de nossos dias. A retórica política envolve muitas vezes voltar o olhar para o passado, usá-lo como advertência, talvez. A época nazista é um modo bastante dramático de radicalizar um debate."

Herança de 1968

O presidente do Conselho Central dos Judeus na Alemanha, Paul Spiegel, atribuiu certa vez a freqüência com que termos e comparações com o nazismo aparecem no discurso político ao enfraquecimento do tabu que envolve o tema: "Cheguei à conclusão de que agora reduziram-se as inibições na propagação de idéias que pensávamos não fazerem mais parte do cotidiano da Alemanha. As pessoas agora estão mais aptas a expressar coisas nocivas do que no passado", declarou Spiegel.

Uma afirmação que as pesquisas de Wengeler não confirmam. No período imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, faziam-se analogias com o nazismo e empregavam-se certas palavras sem o conteúdo de condenação que representam hoje em dia.

A reviravolta, segundo Wengeler, foi o movimento estudantil de 1968, que marcou uma mudança na forma como os alemães lidavam com o passado. Após 1968, as suscetibilidades em torno do passado nazista acentuaram-se muito mais, e passou a haver certas coisas que não se podiam mais dizer, o que era um bom sinal", resume o lingüista.

O resultado foi uma nova era de correção política, a qual atualmente inspira certos políticos – em especial da extrema direita – a se rebelar. Recentemente, durante o 60º jubileu do bombardeio de Dresden pelos Aliados, numerosos radicais de direita alemães insistiram em referir-se a esse episódio do final da guerra como "holocausto de bombas". Assim tentavam apossar-se de um termo associado em todo o mundo exclusivamente com o extermínio dos judeus pelo regime nazista.

Deslize é inaceitável

Após a guerra, filólogos empenhados na "desnazificação" do idioma germânico desencadearam incontáveis debates sobre quais palavras deveriam ser eliminadas do uso popular e quais ainda eram permissíveis.

"Palavras do dia-a-dia, como 'Betreuung' (cuidados, assistência), foram discutidas, pois os nazistas as utilizavam para referir-se ao tratamento dispensado aos prisioneiros nos campos de concentração", recorda Wengeler. "A maioria dos lingüistas concorda que tais palavras podem voltar a ser utilizadas. Por outro lado, há outras fortemente associadas aos crimes nazistas – por exemplo entartete Kunst (arte degenerada), como os nazistas descreviam a arte que baniam –, e que não é certo empregar no discurso político hoje em dia."

Muitos dos políticos que apelam para termos de cunho nazista, com o fim de reforçar seus argumentos ou calar o antagonista costumam defender-se a posteriori, afirmando que as palavras lhe escaparam no calor do momento. Para Wengeler, uma desculpa inaceitável: "Faz parte de nossa cultura política nacional tais coisas não 'escaparem', simplesmente."

Certeza reconfortante

Dado o longo histórico de gafes nazistas na política alemã do pós-guerra, pode-se partir do princípio de que se trata apenas de uma questão de tempo, até o novo escândalo ocupar as manchetes. Porém até tal certeza traz um elemento positivo, crê Wengeler:

"O fato de se fazer tanto alvoroço quando algo assim ocorre mostra que não se encoraja uma política de difamação na Alemanha. É sinal de uma cultura democrática em bom funcionamento", conclui o professor de Lingüística.

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