Associações judaicas condenam iniciativa, apontando para caráter antidemocrático e xenófobo da AfD e sua relativização do Holocausto. Mas medo dos muçulmanos parece ser maior entre os integrantes da nova plataforma.
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A criação de uma plataforma judaica dentro do partido populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD) – a exemplo da Cristãos na AfD – tem despertado grande atenção muita crítica das associações judaicas no país.
Em sua apresentação pública, neste domingo (07/10), ficou claro que os membros da Judeus na AfD (JAfD) ainda não pensaram numa eventual bênção por um rabino, mas seu vice-presidente, Wolfgang Fuhl, nada teria contra esse tipo de aval.
Fuhl foi presidente do conselho superior da Comunidade Religiosa Israelita de Baden. Com visível satisfação, ele anunciou em Erbenheim, um distrito de Wiesbaden, capital do estado de Hessen, a formação do novo grupo, contando 19 integrantes, a maioria descendentes de Russlanddeutsche (russos de origem alemã).
"Queremos dar um sinal", pontificou um dos cofundadores, que prefere se manter anônimo e se recusa a falar à "imprensa das mentiras". "Eu, como judeu estrangeiro, sou membro da supostamente xenófoba AfD. Alguma coisa aqui não fecha. Ou somos nós os malucos, ou a Merkel!"
O debate sobre quem está maluco ou não vai continuar existindo depois da fundação do JAfD, assim como o estranhamento entre os judeus de fora e os de dentro da legenda de extrema direita. Antes mesmo do evento em Erbenheim, 17 organizações e associações judaicas criticaram severamente a iniciativa, em declaração conjunta.
"A AfD é um partido em que o ódio aos judeus e a relativização da Shoah, até mesmo sua negação, estão em casa. A AfD é antidemocrática, desumana e, em grande parte, radical de direita. O partido é um caso para o serviço de vigilância da Constituição, mas não para os judeus na Alemanha", consta da declaração assinada pelo Conselho Central dos Judeus da Alemanha, a Associação dos Judeus Tradicionais e a Conferência Geral dos Rabinos, entre outros.
Fuhl rebate as críticas com acusações de "dependência": "O Conselho Central dos Judeus está em oposição diametral a nós. As comunidades judaicas precisam de subsídios estatais na Alemanha, e nós rejeitamos isso." Segundo a maioria dos cofundadores da JAfD, a chanceler federal alemã, Angela Merkel, além de tantos outros males, é responsável também por dividir os judeus do país.
O vice-presidente da facção judaica da AfD passa até mesmo por cima de um ponto polêmico no programa do partido, que exige, por razões supostamente humanitárias, o banimento do abate ritual de animais de corte segundo os preceitos semitas. "A proibição do abate ritual é um problema. Mas, na Suíça, as comunidades judaicas sobreviveram apesar dele. Na Alemanha, foram exterminadas", argumentou.
O estilo marcial da cerimônia de fundação se fez sentir tanto dentro como fora da prefeitura de Erbenheim: enquanto na rua 18 vans da polícia mantinham vigilância, o salão fervilhava de seguranças e agentes à paisana, de fones no ouvido e óculos escuros.
De resto, o medo, sobretudo de migrantes muçulmanos, desempenhou papel importante no evento de fundação da facção JAfD. O cofundador Artur Abramovych rejeitou a visão de que as experiências dos judeus na diáspora pudessem levantar a uma maior compreensão com os refugiados ou apoio à migração.
"Essa imagem é equivocada, e esse é justamente o motivo por que estava mais do que na hora de se fundar a plataforma Judeus na AfD", declarou o judeu cujos pais imigraram da Ucrânia para a Alemanha quando ele tinha 2 anos.
O ativista judeu Sacha Stawski, criador do portal de internet Honestly Concerned, confirma serem sobretudo os judeus imigrados de idioma russo a simpatizar com a AfD. Isso se observa entre parte dos Russlanddeutsche, convencidos de que os refugiados islâmicos recebem muito mais ajuda para a integração do que os imigrantes judeus de dez ou 20 anos atrás.
Judeus contra judeus, cristãos contra cristãos: as facções religiosas dentro da Alternativa para a Alemanha são vistas com ceticismo pelos observadores externos ao partido. Recentemente, a Convenção Evangélica Alemã anunciou que não mais convidará representantes dos Cristãos na AfD para palestrar.
O deputado da AfD Volker Münz, porta-voz da facção cristã, diz não entender essa decisão. Ele defende que o programa do partido é compatível não só com o cristianismo, mas que o mesmo vale para a fé judaica: "A AfD é a força política de proteção aos judeus da Alemanha", afirma Münz.
Entre os 94 parlamentares eleitos para o Parlamento alemão pelo partido populista de direita há vários nomes que chamara a atenção por declarações polêmicas.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Stratenschulte
Alice Weidel
Antes de ser escolhida para encabeçar a lista de candidatos da AfD, em abril de 2017, esta consultora de empresas de 38 anos era praticamente desconhecida no cenário político alemão. Ela é natural de Gütersloh e vive com a parceira e os dois filhos desta na Alemanha e na Suíça. Weidel trabalhou como analista para gestão de patrimônio no banco Goldman Sachs, em Frankfurt.
Foto: Reuters/A. Schmidt
Alexander Gauland
Até 2013, o jurista Alexander Gauland, de 76 anos, foi membro da CDU. Natural de Chemnitz, este conservador-nacionalista ficou conhecido por comentários xenófobos. Ele disse que ninguém gostaria de ter alguém como o jogador negro Jérôme Boateng como vizinho e sugeriu que a encarregada do governo para assuntos de integração, Aydan Özoguz, perdesse a cidadania alemã e fosse "descartada" na Anatólia.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Gambarini
Beatrix von Storch
Beatrix Amelie Ehrengard Eilika von Storch é uma advogada de 46 anos e nasceu numa família nobre, a Casa de Oldenburg, em Lübeck, no norte da Alemanha. Ela é uma das poucas mulheres da AfD no Bundestag. Esta fundamentalista cristã é contra o aborto e causou polêmica com a sugestão de atirar contra refugiados, inclusive mulheres e crianças, que tentarem cruzar a fronteira da Alemanha.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Murat
Wilhelm von Gottberg
Este ex-policial de 77 anos chegou a ser prefeito pela CDU no leste da Alemanha, mas deixou o partido em 2011. Ele foi por muito tempo vice-presidente da associação dos alemães que, com o fim da Segunda Guerra, foram expulsos dos antigos territórios alemães no Leste Europeu e chamou o Holocausto de "instrumento eficaz para a criminalização dos alemães e de sua história".
Foto: picture-alliance/dpa/T. Brakemeier
Petr Bystron
Este consultor de empresas de 44 anos é natural da antiga Tchecoslováquia e, até 2013, integrava o Partido Liberal Democrático. Embora seja considerado um moderado, ele é, até onde se sabe, o único político da AfD que é vigiado pelo serviço secreto interno da Alemanha. O motivo: sua proximidade com o Movimento Identitário, que defende a preservação das "identidades nacionais europeias".
Foto: picture-alliance/dpa/A. Weigel
Mariana Harder-Kühnel
Em seu site, esta advogada de Hessen defende a "proteção do cidadão, o fortalecimento da família e a restauração do Estado de Direito". Na página do escritório de advocacia de seu marido, onde ela trabalha, o currículo dela não menciona a militância na AfD.
Foto: picture-alliance/dpa/B. Roessler
Leif-Erik Holm
Este ex-radialista (ao centro na foto) de 47 anos é natural de Schwerin, no nordeste da Alemanha, e considerado um moderado. Ele já foi o assessor da agora também deputada federal pela AfD Beatrix von Storch. Até esta eleição, ele foi o líder da bancada da AfD em Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, onde o partido é a principal força de oposição ao governo estadual.
Foto: picture-alliance/dpa/D. Bockwoldt
Martin Hohmann
Este político de 69 anos, natural de Fulda, é o único deputado da AfD que já ocupou um mandato no Bundestag, na época pela CDU. Em 2003, no Dia da Unidade Alemã, ele fez um discurso que foi considerado antissemita. Como consequência, acabou excluído da bancada da CDU no Parlamento alemão e, mais tarde, do partido. Ele é frequentemente associado à ala ultradireitista da AfD.
Foto: Imago/Hartenfelser
Jens Maier
Este juiz do Tribunal Regional de Dresden tem 55 anos. Referindo-se ao polêmico deputado estadual Björn Höcke, líder da AfD da Turíngia, ele mesmo se considera "o pequeno Höcke". Maier defende o fim do que chama de "culto da culpa" dos alemães e adverte contra a "criação de povos misturados", pelo que foi repreendido pela corte onde trabalha.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Kahnert
Armin-Paul Hampel
Este político de 60 anos foi jornalista da emissora pública ARD. É amigo de Alexander Gauland e, na condição de membro da cúpula nacional da AfD, votou contra a exclusão de Björn Höcke por sua crítica ao Memorial do Holocausto, em Berlim. Ele mantém ligações com organizações de ultradireita na Alemanha, como uma que é vigiada pelo serviço secreto interno.
Foto: Reuters/W. Rattay
Frauke Petry
A co-presidente e rosto mais conhecido da AfD anunciou, logo após a eleição, que não integrará a bancada dos populistas no Bundestag e, um dia depois, que deixará o partido, mas sem definir data. Esta química de formação foi casada com um pastor evangélico, com quem tem quatro filhos e de quem se separou em 2015. Ela casou de novo e teve um quinto filho. Petry é associada à ala moderada da AfD.