Em palestra para brasileiros nos EUA, ele afirma que não havia mais condição de "varrer a corrupção para debaixo do tapete", cobra que empresários não aceitem pagar propina e garante não gostar da popularidade.
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Durante uma palestra para estudantes brasileiros na noite desta sexta-feira (08/04), em Chicago, nos EUA, o juiz federal Sérgio Moro reconheceu que a operação Lava Jato vem gerando “instabilidade política” no Brasil, mas ressaltou que justiça é diferente de política, e um juiz tem que tomar tomar decisões com base em fatos, “sem pensar no impacto político”.
Além disso, segundo ele, o Brasil não tinha mais condição de “varrer esses problemas para baixo do tapete”.
“A única alternativa era enfrentar esses problemas agora, senão teríamos que encontrá-los novamente daqui a alguns anos e numa escala maior”, disse Moro, recebido sob fortes aplausos por 300 estudantes brasileiros que vivem em diversas partes dos Estados Unidos.
Ao comentar sobre a operação Mãos Limpas da Itália, que nos anos 1990 denunciou um grande esquema de corrupção no país, Moro lamentou que por lá o trabalho da polícia e da justiça não tenha proporcionado “ganhos institucionais duradouros”, pois, logo depois, parlamentares italianos aprovaram leis que dificultam o combate à corrupção.
“No Brasil, a grande questão é, diante do que a Lava Jato revelou, diante dos crimes que estão sendo processados, vamos ter ganhos institucionais duradouros, ou não?”, questionou. “Isso depende dos políticos, dos eleitores. É necessário que não haja uma reação política [contrária], ou se houver, que nossa democracia seja forte o suficiente para evitar que esses casos levados à Justiça também não sejam desconstruídos em decorrência da reação do sistema político”.
“Não acerto todas”
Moro admitiu, ainda, que “não acerta todas”, mas mesmo nos erros sempre age com a “pretensão de estar decidindo conforme a lei”.
No mês passado, a decisão tomada por ele de retirar o sigilo de uma conversa telefônica interceptada entre a presidente Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva, às vésperas da posse do ex-presidente na Casa Civil, colocou mais lenha na fogueira do impeachment e aumentou a tensão no país. Diante dos questionamentos jurídicos sobre a decisão, o juiz federal enviou um pedido de desculpas ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Questionado sobre sua posição a respeito do foro privilegiado de políticos, Moro afirmou "ter dúvidas" sobre as justificativas que garantem a condição a representantes públicos, já que numa democracia todos os indivíduos são iguais. Ele sublinhou, porém, que ter o processo encaminhado ao STF não é sinônimo de impunidade – porém, dada a quantidade de casos que vão parar no Supremo, o julgamento acaba sendo mais lento, segundo ele.
“Basta não pagar propina”
Além da mobilização da sociedade, para que os casos de corrupção agora revelados não voltem a acontecer, Moro ainda cobrou lisura da parte de empresários, já que, para o juiz, a iniciativa privada também tem sua parcela de responsabilidade nos casos de corrupção. “Tem que cobrar do governo o fim dessas práticas corruptas. Tenho dito a eles: ‘basta não pagar a propina'”.
Moro ainda arrancou risos do público ao comentar que as obras da Refinaria Abreu e Lima, inicialmente orçada em 2,5 bilhões de dólares, tiveram o custo reavaliado para 18,5 bilhões de reais 11 anos depois, em 2015. “É uma refinaria muito cara, né?!”, ironizou, sob risos dos estudantes. "O pior é que não é engraçado."
O juiz lembrou ainda que, segundo funcionários da Petrobras ouvidos pela Lava Jato, a refinaria corre o risco de gerar um prejuízo de 3 milhões de dólares, mesmo que funcione bem durante toda sua vida útil.
De juiz a ídolo
No encontro, promovido pela Associação de Estudantes Brasileiros nos EUA, Moro foi questionado se sua condição de ídolo pode afetar a imparcialidade nos casos da Lava Jato. Ao afirmar ser apenas “um juiz de primeira instância” e destacar os trabalhos do Ministério Público e da polícia, Moro reclamou que existe "um foco excessivo" sobre ele. "Não acho isso positivo”, disse. “É preciso tomar cuidado quando se vira esse foco de atenção".
Por fim, o juiz que se transformou em um dos símbolos da Lava Jato afirmou que, ao fim ainda não definido dos trabalhos, pretende tirar longas férias.
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
Foto: imago/Fotoarena
As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/H. Alves
As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.