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Revoluções árabes

15 de janeiro de 2012

A forma de lidar com os ditadores depostos após a Primavera Árabe foi distinta em cada país. Especialistas creem que os processos contra ex-caudilhos influenciam diretamente a formação dos regimes democráticos na região.

Mubarak responde processo no EgitoFoto: dapd

Durante décadas, eles dominaram seus respectivos países, até que um dia foram derrubados pelo povo: Zine El Abidine Ben Ali, ex-presidente da Tunísia; Hosni Mubarak, ex-presidente egípcio; Muammar Kadafi, que se autointitulava líder revolucionário líbio; e o ex-presidente iemenita Ali Abdullah Saleh. Se à primeira vista as histórias parecem semelhantes, o que ocorreu em cada país após a queda dos respectivos ditadores distingue-se de maneira gritante.

Diferentes formas de lidar com ex-ditadores

Ben Ali, o primeiro a ser surpreendido pelos protestos do que se chamou de Primavera Árabe, fugiu já em janeiro de 2011 para a Arábia Saudita, onde não precisa temer nenhuma espécie de persecução penal. Mubarak, por sua vez, embora tenha antevisto a perda de poder, resolveu permanecer no Egito, onde terá que responder a um processo judicial.

Kadafi fez valer suas palavras e lutou até o último minuto, morrendo nas mãos de rebeldes líbios após ter sido apanhado. As contingências de sua morte ainda não foram até hoje esclarecidas. Já para fazer com que Saleh renunciasse, enfim, ao cargo no Iêmen, foi concedida a ele total imunidade. É possível que o ditador iemenita nunca tenha que responder judicialmente a qualquer processo no país.

Ditador tunisiano Ben Ali: fuga para a Arábia SauditaFoto: dapd

Há meses, discute-se como um povo e suas novas lideranças políticas lidam de maneira adequada (ou não) com um ditador deposto. Certo é que não há uma receita padrão para tais casos, uma vez que as circunstâncias em cada país divergem umas das outras, havendo  visões distintas também sobre a natureza das instituições estatais de cada nação.

Consenso há, contudo, a respeito da constatação de que todos os quatro governantes árabes depostos violaram os direitos humanos em seus respectivos países – uma visão compartilhada tanto dentro quanto fora do mundo árabe. Isso não responde, todavia, à questão: perante qual tribunal um ditador deposto deveria ser processado? Seria a Justiça de cada país responsável pela elaboração de seu próprio passado, ou os ditadores depostos deveriam ser julgados pelo Tribunal Penal Internacional, em Haia?

Direito nacional ou internacional?

Para Reinhard Merkel, professor de Direito Penal e Filosofia do Direito da Universidade de Hamburgo, uma coisa é certa: "Em casos nos quais ocorreram crimes graves, não se pode abdicar do Direito Penal". A decisão de aplicar o Direito nacional ou internacional varia de caso para caso. "Ambas as possibilidades acarretam problemas graves, mas têm também algumas vantagens", completa Merkel.

Muito iemenitas se revoltaram contra imunidade concedida a SalehFoto: picture-alliance/dpa

Esses prós e contras precisam ser analisados. "Quando não há de forma alguma recursos jurídicos internos para garantir um processo justo, então a melhor solução é uma transferência do caso para o Tribunal Pena Internacional", recomenda o jurista.

Entretanto, o valor simbólico de um processo penal aos olhos da população não podem ser subestimados, diz Merkel. Pois, afinal, trata-se de uma instância que instaura a justiça e demonstra a existência de um Estado de Direito. Um fator importante, principalmente em se tratando dos países árabes, que tentam recompor suas imagens. "O Direito Penal é a expressão mais forte da soberania de um governo e de um Estado. Muitos desses novos governos querem documentar, para o exterior, esta soberania", analisa o especialista.

Fundamentos do Estado de Direito, processo questionável

Para os novos governos há ainda outra razão para conduzir os processos contra os ex-ditadores dentro do próprio país: a retaliação. "Este motivo é questionável de qualquer forma e não assegura a paz para o futuro", acentua Merkel. Um dos exemplos disso é o Iraque: o ditador deposto, Saddam Hussein, foi levado a julgamento dentro do próprio país. Embora o processo tenha sido iniciado com base em princípios do Estado de Direito, ele foi conduzido de maneira bastante questionável.

Presidente sírio Assad agarra-se com todas as forças ao poderFoto: picture-alliance/dpa

"Não foram eliminadas determinadas visões parciais do todo, o réu não teve espaço para se defender em diversos casos e Saddam Hussein foi executado diretamente depois da sentença de morte, embora, do ponto de vista jurídico,  ainda houvesse um último recurso à disposição para a defesa", resume Merkel o processo, que foi também criticado por ONGs como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch. Isso surtiu efeitos negativos sobre a democratização do país, até hoje marcado pela guerra civil, opina o professor.

André Bank, especialista em Oriente Médio do Instituto Alemão para Estudos Globais e Locais (GIGA), sediado em Hamburgo, teme que a vizinha Síria possa passar por situação semelhante, onde o regime combate violentamente, há dez meses, os manifestantes.

Muitos adversários do governo passaram a exigir a morte do presidente Bashar al-Assad no lugar de um processo judicial baseado no Estado de Direito. "Há cada vez mais manifestantes abertos ao uso da violência", diz Bank. O especialista acha provável que a Síria viva um cenário semelhante ao do Iraque, caso o regime seja derrubado, Assad deposto e preso. Afinal, a sociedade já está dando agora vazão a seus sentimentos de vingança.

Dilema para os governos ocidentais

E exatamente isso poderá se tornar um problema para uma Síria democrática, alerta Michael Bothe, professor emérito de Direito Internacional da Universidade de Frankfurt. "Mortes como a de Kadafi continuam, mesmo depois, sendo um peso", diz ele, lembrando que a elaboração do passado é essencial para garantir a paz.

"Superar as injustiças de um regime é um passo fundamental para a democratização", aponta também Arndt Sinn, professor de Direito Penal Alemão, Europeu e Internacional da Universidade de Osnabrück. Para isso, lembra ele, é preciso haver condições favoráveis: um processo precisa respeitar os padrões de defesa dos direitos humanos. Só aí uma sociedade estará a caminho da democracia", acentua Sinn.

André Bank reconhece aí um dilema para os países ocidentais e europeus. Embora o presidente Assad seja possivelmente responsabilizado pela morte de milhares de sírios e muitos membros da oposição exijam sua morte, os governos ocidentais deveriam defender um processo jurídico baseado no Estado de Direito para julgá-lo – sem, com isso, querer dar lições nos sírios que defendem a morte do ditador.

Autora: Anne Allmeling (sv)
Revisão: Marcio Damasceno

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