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Juristas divergem sobre Moro e apontam crimes de Bolsonaro

24 de abril de 2020

Especialistas discordam sobre possível omissão de Moro ao não denunciar suposta pressão do presidente sobre a PF. Se comprovadas alegações, Bolsonaro teria cometido crime de obstrução e responsabilidade, dizem.

Sergio Moro e Jair Bolsonaro
Bolsonaro e Moro trocaram acusações após exoneração de diretor-geral da PFFoto: Getty Images/L. Uebel

O ex-juiz da Operação Lava Jato Sergio Moro deixou o cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública nesta sexta-feira (24/04), alegando que o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir na Polícia Federal (PF) para ter acesso a informações de inquéritos. Moro também acusou o presidente de ingerir politicamente na PF ao exonerar seu diretor-geral Maurício Leite Valeixo, que havia sido indicado pelo ministro. 

Horas depois, Bolsonaro rebateu as acusações em pronunciamento, fazendo duras críticas a Moro, se dizendo "decepcionado e surpreso" e afirmando que o ministro havia imposto sua indicação ao cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) como condição para a troca de Valeixo.

Em meio ao embate entre Bolsonaro e Moro, abriu-se nas redes sociais e entre políticos e juristas um debate sobre os crimes que ambos podem ter cometido. O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu autorização ao STF para abrir um inquérito sobre as alegações feitas por Moro. 

Não há um consenso entre os especialistas ouvidos pela DW Brasil sobre um possível crime de prevaricação –  que ocorre quando um agente público deixa de fazer algo que seria seu dever por função, retarda a prática de ato ou pratica ato público em proveito próprio  – cometido por Moro ao não denunciar a suposta pressão do presidente sobre a PF. 

Já a respeito de Bolsonaro, os especialistas são unânimes ao dizer que, se comprovadas as alegações de Moro, o presidente teria cometido os crimes de obstrução de Justiça e de responsabilidade. 

"Do ponto de vista jurídico e democrático, é preocupante que alguém com conhecimento de fatos graves, só no momento que foi contrariado pessoalmente tenha falado a respeito", diz José Mário Wanderley, doutor em Ciência Política e professor da pós-graduação em Direito da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). 

Mesmo assim, segundo Wanderley, não é possível afirmar que Moro cometeu crime de prevaricação ao não denunciar as supostas pressões sofridas, isso porque a mera intenção de Bolsonaro interferir na PF não caracterizaria crime – e, em teoria, Moro deixou o cargo assim que soube da troca do comando, ou seja, quando a intenção se materializou.

"Moro sabe que não pode acusar ninguém de crime sem ter provas, então, ele insinuou o suficiente para um julgamento político, para caracterizar infrações que poderiam fortalecer um pedido de impeachment [do presidente Jair Bolsonaro]", avalia Wanderley. Para o professor de direito da FGV-SP Rubens Glezer, também não houve crime por parte de Moro no episódio. 

Já na visão de um procurador da República ouvido pela DW Brasil em condição de anonimato, o crime de prevaricação é amplo e abrange mesmo as tentativas de obstruir investigação. "Já foi imputada obstrução de Justiça, por exemplo, para pessoas que foram atrás de um fulano sugerindo que ele não delatasse, no caso do ex-deputado Delcídio do Amaral", aponta. "Do ponto de vista técnico, não é só a efetiva obtenção da informação que conta."

Para o procurador, também é preciso levar em consideração a questão hierárquica entre Moro e Bolsonaro: "Um desejo de um chefe para um subordinado não é só um desejo, e esse desejo é absolutamente impróprio", diz. 

Ao mesmo tempo, o procurador classifica de "muito ruim" quando "qualquer servidor que sabe de algo e guarda para si para afirmar ou contar quando aquilo lhe convier". "Naturalizar informações desse tipo que vêm a público agora, tratar informações sobre irregularidades dessa forma, que se detêm, ao que tudo indica, há quase um ano, isso não é um juízo adequado", diz, criticando a suposta omissão de Moro.

Bolsonaro pode ter cometido crime comum e de responsabilidade

Por outro lado, há consenso entre os especialistas ouvidos pela DW Brasil de que, se comprovadas as alegações de Moro, Bolsonaro teria cometido ao menos dois crimes, de obstrução de Justiça e de responsabilidade. Este último, vale dizer, a despeito do nome, a rigor, não é crime e se caracteriza mais como uma infração, que pode levar à perda do cargo político. 

Wanderley destaca que pela lei, o presidente da República pode escolher quem ocupará os cargos da esfera federal conforme seus próprios critérios de afinidade, é um ato discricionário. "Mas as reclamações que Moro recebeu [de Bolsonaro] ao longo da sua permanência como ministro foram relativas ao fato de que a Polícia Federal estava fazendo seu trabalho, e hoje ele denunciou que sofria pressões para alterar pessoas, inclusive o diretor-geral", aponta.

"A ilegalidade [se cometida por Bolsonaro] vem dessa motivação [para alterar o diretor-geral]", considera o especialista. Nesse sentido, o presidente pode ter cometido crime de obstrução de Justiça e também de prevaricação, aponta.

Para o professor de Direito Constitucional da Universidade de São Paulo (USP) Conrado Hübner Mendes, se Bolsonaro realmente trocou o comando da PF no contexto mencionado por Moro, o presidente cometeu crime comum, de obstrução de Justiça, e crime de responsabilidade.

Outra questão apontada pelo ex-juiz foi a publicação da exoneração no Diário Oficial com a sua assinatura como ministro da Justiça, sem que ele tivesse ciente disso. "Não assinei esse decreto", afirmou Moro. Além disso, Bolsonaro postou em rede social uma imagem do decreto em que grifa o trecho "exonerado a pedido", dando a entender que Valeixo pediu para sair e que sua demissão teria sido determinada por Moro, o que foi negado pelo ex-ministro da Justiça.

Não há consenso, entre os especialistas consultados pela DW Brasil, a respeito desse ponto específico e sobre a possível ocorrência de crime de falsidade ideológica. Para Wanderley, no entanto, a "picuinha" em torno do caso não passa de um jogo político. 

"Exonerar 'a pedido' é protocolar, é um padrão, se verifica em toda esfera federal, municipal, etc., até para diferenciar do exonerado em virtude da prática de alguma infração ou algum delito", diz.

"O que Moro está fazendo aí já é um discurso de quem, a partir desse momento, entrou na oposição. Uma pessoa não passa tantos anos como juiz federal sem saber da técnica jurídica, sem saber o que está fazendo. Ele sabe muito bem. Ele é um enxadrista", conclui Wanderley, fazendo referência a uma possível disputa entre Moro e Bolsonaro na próxima eleição presidencial, em 2022.

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