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Justiça é lenta para julgar violência contra a mulher

29 de março de 2018

Uma em cada cem mulheres procurou a Justiça no Brasil para denunciar casos de violência doméstica nos últimos anos, mas apenas 5% dessas denúncias tiveram andamento.

Foto: Imago/Reporters

A Justiça registrou 388.263 novos processos de violência doméstica no ano passado, 16% a mais que em 2016. Em média, uma em cada cem mulheres abriu um processo contra a violência doméstica nos últimos anos. Os dados são do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

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A notícia é positiva – as vítimas de violência doméstica estão procurando mais a Justiça – mas a situação ainda é insatisfatória: somando os casos novos aos antigos ainda abertos, o Brasil tinha 1.273.398 processos abertos até o final de 2017, e apenas 5% deles tiveram algum andamento.

Ou seja, há um descompasso entre a procura pelas vítimas de violência doméstica e a resposta da Justiça, uma vez que os processos demoram a ser julgados.

"A violência doméstica é um problema muito presente na nossa sociedade há tempos. Por causa dela, mais da metade da população do país – a feminina – vive em risco, e o desenvolvimento social não avança no Brasil", afirma a juíza Rejane Jungbluth Suxberger, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF), local com o quinto maior número de processos de violência doméstica no país: foram 20 registros em 2017, oito a mais que a média nacional, de 12,3 casos.

"Não basta o incentivo à denúncia, é necessário que a vítima receba um atendimento especializado e acelerado", aponta Suxberger.  "O poder judiciário não deve ser mero expectador das relações domésticas e considerá-las problemas 'de família'."

Para o promotor de Justiça Thiago Pierobon, da Defesa da Mulher, os processos de violência doméstica deverão continuar crescendo nos próximos anos, principalmente se o tema for reconhecido em sua totalidade.

"A quantidade de 'cifras ocultas' [crimes que ocorrem e não são comunicados às autoridades] é extremamente elevada em se tratando de crimes de violência doméstica contra a mulher. Isso ocorre principalmente porque há uma grande invisibilidade das outras formas de violência que existem no âmbito doméstico", explica.

Segundo o promotor, violência psicológica e violência sexual na relação conjugal são fenômenos praticamente não discutidos no contexto brasileiro, mas que existem e são considerados crimes de violência doméstica.

Lei não é aplicada na íntegra

Diante da demora de julgamento e da dimensão do problema na sociedade brasileira, o CNJ estabeleceu metas para fortalecer a rede de enfrentamento à violência contra a mulher e acelerar o sistema, com a criação e ampliação do número de varas especializadas. Se em 2016 eram 111 varas especializadas, atualmente são 125.

Para facilitar o acesso, o Ministério da Justiça disponibiliza na internet o "Atlas de Acesso à Justiça", em que a vítima pode buscar por varas e Centros de Referência da Mulher em cada estado e cidade.

A partir do momento em que a vítima procura a Justiça, o sistema passa a ter responsabilidades sobre a vida dela, e isso implica várias ações que vão além de agilizar o processo. "Cabe à Justiça acolher, por meio de atendimento especializado, oferecer assistência à vítima e proteger a vida dela durante todo o processo, desde a denúncia até o julgamento", explica Suxberger.

Além da demora do sistema e da necessidade de mais varas e juizados especializados, outra meta do CNJ é o aumento do número de magistrados especializados em violência doméstica.

Suxberger aprova a meta, mas destaca que é preciso mudar a resistência que profissionais que atuam nos juizados de violência doméstica têm em não aplicar integralmente o que é determinado por lei.

"É muito comum a designação de audiência chamada de 'audiência de justificação', que nada mais é do que uma indução para que a vítima desista da continuidade da ação", denuncia a juíza. "Agressões ocorridas nas relações domésticas não devem ser tratadas de forma conciliatória entre agressor e agredido, pois violência doméstica não é um caso ou uma briga isolada no cotidiano daquela família".

Pierobon explica que, para as agressões físicas documentadas com laudo de lesão corporal, a legislação define que o processo deve prosseguir independentemente da vontade da vítima. Na prática, não é o que acontece.

"Com a falta de integração do processo penal com as políticas de proteção às mulheres [como acolhimentos por equipes psicossociais e o efetivo monitoramento das medidas protetivas de urgência], a vítima costuma pedir o arquivamento do processo." Mesmo com a proibição legal, os processos conseguem ser arquivados sob a alegação da Justiça de falta de provas se a vítima é a única testemunha do crime.

Vítimas invisíveis

O dado de que apenas 5% dos processos abertos nos últimos anos tiveram algum avanço demonstra a dimensão do problema da violência doméstica: além de 95% das mulheres que procuram a Justiça estarem desprotegidas, sua família e os filhos, principalmente, também estão vulneráveis à violência.

Até o momento, o Brasil teve apenas um levantamento de violência doméstica que investigou as consequências sofridas pelos filhos das vítimas: de acordo com dados de 2016 da Pesquisa de Condições Socioeconômicas e Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (PCSVDF Mulher), cada mulher morta por violência deixa, em média, três órfãos. Desses, cerca de 20% acabam tendo de viver com a família do agressor.

O primeiro passo, para Suxberger, para se reconhecer a enorme cadeia que se forma em torno da violência doméstica é uma mudança de postura do Estado brasileiro em relação ao tema. "Violência doméstica deve ser considerado um problema de política pública. Precisamos de políticas públicas capazes de modificar a discriminação e a incompreensão dos direitos relacionados às mulheres, ou seja, é preciso reconhecer que direitos das mulheres são direitos humanos", afirma a juíza.

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