Justiça proíbe governo Bolsonaro de promover "kit covid"
30 de abril de 2021
Juíza determina que governo pare de veicular qualquer campanha para promover remédios sem eficácia. Decisão também prevê que influenciadores digitais contratados para propagandear "tratamento precoce" se retratem.
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A Justiça Federal em São Paulo proibiu nesta quinta-feira (29/04) que o governo de Jair Bolsonaro faça campanhas, em qualquer meio de comunicação, para promover o chamado "tratamento precoce" contra a covid-19, com medicamentos sem eficácia comprovada contra a doença.
Na decisão em primeira instância divulgada nesta sexta-feira, a juíza Ana Lúcia Petri Betto, da 6ª Vara Cível Federal de São Paulo, ordenou que a Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) se abstenha de patrocinar propaganda que "contenha referências" a fármacos de eficácia duvidosa no combate ao novo coronavírus, como a cloroquina, defendida publicamente por Bolsonaro inúmeras vezes.
Na decisão, da qual cabe recurso, a juíza também exigiu que os influenciadores digitais contratados pelo governo Bolsonaro para promover o tratamento precoce se retratem nas suas redes sociais. A magistrada atendeu a um pedido via Ação Civil Pública.
A juíza também impediu que o executivo utilize em suas peças publicitárias expressões como "tratamento precoce" e "kit covid", que abrange uma série de medicamentos anunciados pelo executivo federal como uma espécie de cura para a doença.
Além da cloroquina, também figura nessa lista de medicamentos promovidos pelo governo o vermífugo ivermectina, cuja venda disparou durante a pandemia.
Medicamentos ineficazes contra a covid-19
A Organização Mundial da Saúde (OMS) já recomendou que a ivermectina e a hidroxicloroquina não sejam utilizados no tratamento de pacientes com covid-19. Além disso, a própria empresa que desenvolveu a ivermectina nos anos 1980 afirmou que não existem evidências sobre a eficácia do medicamento contra a covid-19.
Uma metanálise assinada por quase 100 cientistas e publicada na revista Nature concluiu que a hidroxicloroquina está associada a uma maior mortalidade de pacientes com covid-19, e que a cloroquina não apresentou nenhum benefício contra a doença causada pelo coronavírus.
Mesmo assim, o governo brasileiro continua a promover esses medicamentos.
O incentivo de Bolsonaro e do Ministério da Saúde levou a uma explosão no Brasil do consumo de ivermectina e outros medicamentos sem eficácia contra covid-19. Um levantamento do Conselho Federal de Farmácia (CFF) mostrou em janeiro que as vendas de hidroxicloroquina duplicaram de 963.596 unidades em 2019 para 2,02 milhões em 2020. Já as vendas da ivermectina cresceram 557%. Segundo levantamento da BBC Brasil. o governo já gastou quase R$ 90 milhões para adquirir carregamentos de cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina, entre outros medicamentos sem efeito comprovado contra covid-19.
A bula da hidroxicloroquina lista uma série de possíveis efeitos colaterais, como diarreia, náusea, dor abdominal, falta de apetite, constipação, vertigem, tremor, febre, coceira, lesões de pele, entre outros. A fabricante do medicamento adverte, ainda, que a droga deve ser usada com cautela em pacientes com doenças hepáticas ou renais e com problemas cardíacos. Além disso, ele é contraindicado para crianças com menos de seis anos. Mesmo assim, o Ministério da Saúde promoveu seu uso até mesmo em bebês por meio de um aplicativo.
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Associação Médica Brasileira é contra "kit covid"
O jornal O Estado de S.Paulo compilou no mês passado cinco casos de pacientes que terão de fazer transplante de fígado e pelo menos três mortes por hepatites causadas, aparentemente, pelo uso sem necessidade desses fármacos.
Recentemente, Associação Médica Brasileira (AMB) pediu que seja banida a utilização de ivermectina e outros fármacos sem eficácia comprovada contra a covid-19, num posicionamento contrário ao defendido por Bolsonaro.
"Reafirmamos que, infelizmente, medicações como hidroxicloroquina/cloroquina, ivermectina, nitazoxanida, azitromicina e colchicina, entre outras drogas, não possuem eficácia científica comprovada de benefício no tratamento ou prevenção da covid-19, quer seja na prevenção, na fase inicial ou nas fases avançadas dessa doença, sendo que, portanto, a utilização desses fármacos deve ser banida", defendeu a AMB em comunicado.
O Tribunal de Contas da União já pediu explicações ao Governo sobre sua decisão de investir em cloroquina e distribuí-la em massa entre os estados do país.
Essa e outras questões, como o atraso na compra das vacinas, serão alguns dos pontos a serem analisados na CPI da pandemia, instaurada essa semana no Senado para investigar "omissões" do Governo de Bolsonaro na gestão da pandemia.
le (lusa, ots)
Vírus verbal: frases de Bolsonaro sobre a pandemia
"E daí?", "gripezinha", "não sou coveiro", "país de maricas": desde que o coronavírus chegou ao Brasil, presidente tratou publicamente com desdenho a crise. Enquanto a epidemia avança, suas falas causam ultraje.
Foto: Andre Borges/dpa/picture-alliance
"Superdimensionado"
Em 9 de março, em evento durante visita aos EUA, Bolsonaro disse que o "poder destruidor" do coronavírus estava sendo "superdimensionado". Até então, a epidemia havia matado mais de 3 mil pessoas no mundo. Após o retorno ao Brasil, mais de 20 membros de sua comitiva testaram positivo para covid-19.
Foto: Reuters/T. Brenner
"Europa vai ser mais atingida que nós"
A declaração foi dada em 15 de março. Precisamente, ele afirmou: "A população da Europa é mais velha do que a nossa. Então mais gente vai ser atingida pelo vírus do que nós." Segundo a OMS, grupos de risco, como idosos, têm a mesma chance de contrair a doença que jovens. A diferença está na gravidade dos sintomas. O Brasil é hoje o segundo país mais atingido pela pandemia.
Foto: picture-alliance/ZUMA Wire/GDA/O Globo
"Gripezinha" e "histórico de atleta"
Ao menos duas vezes, Bolsonaro se referiu à covid-19 como "gripezinha". Na primeira, em 24 de março, em pronunciamento em rede nacional, ele afirmou, que, por ter "histórico de atleta", "nada sentiria" se contraísse o novo coronavírus ou teria no máximo uma “gripezinha ou resfriadinho”. Dias depois, disse: "Para 90% da população, é gripezinha ou nada."
Foto: Youtube/TV BrasilGov
"Todos nós vamos morrer um dia"
Após visitar o comércio em Brasília, contrariando recomendações deu seu próprio Ministério da Saúde e da OMS, Bolsonaro disse, em 29 de março, que era necessário enfrentar o vírus "como homem". "O emprego é essencial, essa é a realidade. Vamos enfrentar o vírus com a realidade. É a vida. Todos nós vamos morrer um dia."
Foto: Reuters/A. Machado
"A hidroxicloroquina tá dando certo"
Repetidamente, Bolsonaro defendeu a cloroquina para o tratamento de covid-19. Em 26 de março, quando disse que o medicamento para malária "está dando certo", já não havia qualquer embasamento científico para defender a substância. Em junho, a OMS interrompeu testes com a hidroxicloroquina, após evidências apontarem que o fármaco não reduz a mortalidade em pacientes internados com a doença.
Foto: picture-alliance/NurPhoto/F. Taxeira
"Vírus está indo embora"
Em 10 de abril, o Brasil ultrapassou a marca de mil mortos por coronavírus. No mundo, já eram 100 mil óbitos. Dois dias depois, Bolsonaro afirmou que "parece que está começando a ir embora essa questão do vírus". O Brasil se tornaria, meses depois, um epicentro global da pandemia, com dezenas de milhares de mortos.
Foto: Reuters/A. Machado
"Eu não sou coveiro"
Assim o presidente reagiu, em frente ao Planalto, quando um jornalista formulava uma pergunta sobre os números da covid-19 no Brasil, que já registrava mais de 2 mil mortes e 40 mil casos. “Ô, ô, ô, cara. Quem fala de... eu não sou coveiro, tá?”, afirmou Bolsonaro em 20 de abril.
Foto: picture-alliance/AP Images/A. Borges
"E daí?"
Foi uma das declarações do presidente que mais causaram ultraje. Com mais de 5 mil mortes, o Brasil havia acabado de passar a China em número de óbitos. Era 28 de abril, e o presidente estava sendo novamente indagado sobre os números do vírus. “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre...”
Foto: Getty Images/A. Anholete
"Vou fazer um churrasco"
Em 7 de maio, o Brasil já contava mais de 140 mil infectados e 9 mil mortes. Metrópoles como Rio e São Paulo estavam em quarentena. O presidente, então, anunciou que faria uma festinha. "Estou cometendo um crime. Vou fazer um churrasco no sábado aqui em casa. Vamos bater um papo, quem sabe uma peladinha...". Dias depois, voltou atrás, dizendo que a notícia era "fake".
Foto: Reuters/A. Machado
"Tem medo do quê? Enfrenta!"
Em julho, o presidente anunciou que estava com covid-19. Disse que estava "curado" 19 dias depois. Fora do isolamento, passou a viajar. Ao longo da pandemia, ele já havia visitado o comércio e participado de atos pró-governo. Em Bagé (RS), em 31 de julho, sugeriu que a disseminação do vírus é inevitável. "Infelizmente, acho que quase todos vocês vão pegar um dia. Tem medo do quê? Enfrenta!”
Foto: Reuters/A. Machado
"País de maricas"
Em 10 de novembro, ao celebrar como vitória política a suspensão dos estudos, pelo Instituto Butantan, da vacina do laboratório chinês Sinovac após a morte de um voluntário da vacina, Bolsonaro afirmou que o Brasil deveria "deixar de ser um país de maricas" por causa da pandemia. "Mais uma que Bolsonaro ganha", comentou.
Foto: Andre Borges/NurPhoto/picture alliance
"Chega de frescura, de mimimi"
Em 4 de março de 2021, após o país registrar um novo recorde na contagem diária de mortes diárias por covid-19, Bolsonaro afirmou que era preciso parar de "frescura" e "mimimi" em meio à pandemia, e perguntou até quando as pessoas "vão ficar chorando". Ele ainda chamou de "idiotas" as pessoas que vêm pedindo que o governo seja mais ágil na compra de vacinas.