Justiça suspende ação criminal por tragédia em Mariana
7 de agosto de 2017
Processo que tornou rés 22 pessoas e quatro empresas, entre elas a Samarco, está paralisado há mais de um mês. Justiça apura pedido de anulação da ação feito por advogados de defesa, que alegam ilegalidade nas provas.
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A Justiça Federal suspendeu o processo criminal que tornou rés 22 pessoas e quatro empresas – Samarco, Vale, BHP Billiton e a consultoria VogBR – pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, em novembro de 2015, informou a imprensa brasileira nesta segunda-feira (07/08).
Segundo o portal de notícias G1, que teve acesso ao documento, a decisão data de 4 de julho passado, o que significa que a tramitação do processo está paralisada há mais de um mês.
A suspensão segue uma solicitação dos advogados do presidente da Samarco à época do desastre, Ricardo Vescovi, e do diretor-geral de operações da empresa, Kleber Terra. Segundo a defesa, provas ilícitas foram usadas para basear as acusações e, por isso, eles pedem a anulação do processo.
Os advogados alegam que escutas telefônicas analisadas pela Polícia Federal e utilizadas na denúncia pelo Ministério Público Federal (MPF) ultrapassaram o período autorizado pela Justiça.
"Como se nota, as defesas dos réus Ricardo Vescovi de Aragão e Kleber Luiz de Mendonça Terra suscitaram duas graves questões que podem implicar na anulação do processo desde o início", escreveu na decisão o juiz Jaques de Queiroz Ferreira, da comarca de Ponte Nova, em Minas Gerais.
Segundo o jornal Folha de S. Paulo, o magistrado determinou que as companhias telefônicas se manifestem sobre o período em que os telefones foram interceptados, a fim de esclarecer a questão.
"Entendo que o andamento do feito deva ser suspenso até que a matéria seja decidida, haja vista que eventual acatamento das pretensões poderá levar à anulação de todo o processo, tornando inúteis os atos eventualmente praticados", completou Ferreira no documento, datado de 4 de julho.
Em nota, o MPF garantiu que as escutas usadas na denúncia estão dentro do prazo legal. "As interceptações indicadas pela defesa como supostamente ilegais sequer foram utilizadas na denúncia, por isso, não teriam o condão de causar nulidade no processo penal", alega o órgão.
"Mesmo assim, respeitando o direito de defesa, o MPF concordou em esclarecer a questão e pediu, como mostra a decisão, que fossem oficiadas as companhias telefônicas para que 'esclareçam os períodos de efetivo monitoramento de cada terminal'", acrescenta a nota.
Ainda de acordo com a Folha, o Ministério Público chegou a pedir que o processo criminal não fosse suspenso, mas o juiz não acatou a solicitação.
O processo
Em novembro de 2016, a Justiça Federal em Ponte Nova aceitou a denúncia contra 22 pessoas e quatro empresas apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) pelo desastre em Mariana, tornando os envolvidos réus no processo que investiga as causas da tragédia.
Deles, 21 funcionários ou ex-funcionários da mineradora Samarco e de suas controladoras, entre eles Ricardo Vescovi e integrantes estrangeiros do conselho de administração, são acusados de homicídio qualificado com dolo eventual (quando se assume o risco de matar) e de crimes de inundação, desabamento, lesão corporal e ambientais.
As empresas de mineração Samarco, Vale e BHP Billiton são acusadas por diversos crimes ambientais, enquanto a consultoria VogBR e um de seus engenheiros, o responsável pelo laudo que atestou estabilidade para a barragem, respondem pelo crime de laudo ambiental falso. Se a ação for retomada, a pena para os acusados pode chegar a 54 anos de prisão, além do pagamento de multas.
O rompimento da barragem da Samarco, no início de novembro de 2015, deixou 19 mortos e é considerado o maior desastre ambiental do Brasil. Os rejeitos destruíram comunidades, devastaram a vegetação e poluíram a Bacia do Rio Doce. Mesmo um ano após a tragédia, ainda permaneciam acumulados milhões de metros cúbicos de lama entre a barragem e a Usina Hidrelétrica de Candonga.
EK/dw/ots
A tragédia de Mariana, um ano depois
O retrato dos vilarejos inundados pela lama da mineração. Num cenário de devastação, moradores ainda resistem à tragédia e esperam compensação da empresa responsável pelo maior desastre ambiental ocorrido no Brasil.
Foto: DW/N. Pontes
Fundão esvaziada
Vista da antiga barragem de Fundão, em uso desde 2009 pela mineradora Samarco,
controlada pela Vale e BHP Billiton. O local foi escolhido pela empresa em 2005 para armazenar resíduos, já que a barragem de Germano estava perto de atingir a
capacidade total. Segundo o Ministério Público, mais de 40 milhões de
metros cúbicos de rejeitos vazaram após o colapso, em 5 de novembro de
2015.
Foto: DW/N. Pontes
Ponto do rompimento
Ponto exato onde a estrutura que barrava os rejeitos armazenados em Fundão se rompeu. Segundo relatório que avalia as causas do desastre, às 14h funcionários no escritório sentiram um forte tremor. Às 15h45, gritos de trabalhadores foram ouvidos no rádio, alertando que a barragem havia entrado em colapso. Dezenove pessoas morreram. Problemas na estrutura já haviam sido registrados.
Foto: DW/N. Pontes
Nova Santarém
Construção de estrutura para reforçar a barragem de Santarém, já existente. Com capacidade para 7,1 milhões de metros cúbicos, a barragem armazenava apenas água que era reutilizada no processo de mineração. Desde o rompimento de Fundão, Santarém está lotada de rejeitos, que transbordaram e destruíram vegetação, rios e casas até chegarem ao oceano Atlântico, no Espírito Santo.
Foto: DW/N. Pontes
Vale de lama
Planície onde ficava Bento Rodrigues, distrito de Mariana mais próximo
à barragem de Fundão. Área só pode ser acessada com autorização da
Samarco ou da Defesa Civil. As 206 famílias que residiam no local hoje
moram em casas alugadas pela empresa no centro da cidade. Para
antigos moradores, a maioria só sobreviveu porque a comunidade era
unida e todos se ajudaram na fuga.
Foto: DW/N. Pontes
Dique S4
Obras de construção do dique S4, em Bento Rodrigues. Estrutura terá capacidade para armazenar 1,05 milhão de metros cúbicos e deve ser finalizada em janeiro de 2017. Dique integra sistema de retenção de sedimentos, composto pelos diques S1, S2 e S3, já implantados. Depois de pronto, o S4 vai alagar parte de Bento Rodrigues, mas ruínas importantes do vilarejo serão poupadas, afirma a mineradora.
Foto: DW/N. Pontes
Ruínas da capela
Desde que o acesso foi restabelecido, arqueólogos trabalham no local para recuperar peças históricas. Duas mil foram encontradas até agora e encaminhadas para restauração. A única parte da igreja São Bento que resistiu à avalanche de lama foi a estrutura baixa. Para restaurá-la, profissionais adotaram os mesmos procedimentos feitos em escavações arqueológicas.
Foto: DW/N. Pontes
À espera do Novo Bento
A foto mostra parte da estrutura de uma casa em Bento Rodrigues, um ano após a tragédia. Comunidade será construída em novo local, conhecido como Lavoura. O terreno, de 350 hectares, está localizado a nove quilômetros do antigo distrito. Entrega está programada apenas para março de 2019. Moradores estão em fase de contratação de uma consultoria independente, que deve acompanhar todo o processo.
Foto: DW/N. Pontes
Protesto de sobreviventes
Nas paredes que ainda estão de pé, sobreviventes deixaram mensagens de protesto contra mineradora Samarco. Acesso ao local continua impedido, devido às obras de construção do dique S4 e por causa de furtos de objetos pessoais e de materiais que não foram levados pela onda de rejeitos, como portas e janelas. O distrito foi fundado há mais de 200 anos e ficava a 35 quilômetros do centro de Mariana.
Foto: DW/N. Pontes
Ritmo de recuperação
Ribeirão do Carmo, próximo à comunidade de Paracatu de Baixo, uma das áreas atingidas pelos rejeitos que vazaram de Fundão. A última vistoria técnica do Ibama concluiu que a semeadura, que é o plantio de gramínea e leguminosas às margens dos rios para ajudar a conter os rejeitos, tem muitos problemas e precisa ser refeita em 90% dos locais.
Foto: DW/N. Pontes
Horta sobre a lama
Antônio Geraldo de Oliveira, 63 anos, nasceu na comunidade de Paracatu de Baixo e se recusa a deixar o local. Ele perdeu o contato com a esposa e filhos, que se mudaram para o centro de Mariana após o desastre. O produtor rural removeu sozinho a lama que encobriu seu terreno e plantou uma horta. Ao fundo, é possível ver os rejeitos, que tomaram a área de um antigo canavial.
Foto: DW/N. Pontes
Deserto
Nas ruas do antigo vilarejo de Paracatu de Baixo, onde viviam 103 famílias, ainda circulam alguns animais abandonados. Dentre os moradores que decidiram ficar estão apenas homens. A maioria perdeu o contato com a família depois da tragédia. O novo vilarejo será construído no distrito de Monsenhor Horta. A expectativa é que o projeto urbanístico seja concluído até o fim do ano.