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Justiça suspende decisão que ordenava despejo dos índios Guarani-Kaiowá

31 de outubro de 2012

Parlamentares e organizações de defesa dos povos indígenas pressionam Governo Federal para que avance com a demarcação de terras. Em Brasília, estudantes marcham em apoio aos membros da etnia Guarani-Kaiowá.

Foto: Elza Fiuza/ABr

Um grupo de cerca de 200 indígenas da etnia Guarani-Kaiowá conquistou na Justiça, nesta terça-feira (30/10), o direito de permanecer no que chama de tekoha guasu, o território tradicional de sua aldeia no Mato Grosso do Sul, região Centro-Oeste do país.

A comemoração transformou-se em marcha pública na tarde desta quarta-feira (31/10) no centro de Brasília. A situação precária do grupo ganhou visibilidade após a divulgação, há algumas semanas, de cartas em que os indígenas pediam à Justiça que decretasse sua morte coletiva em vez da retirada da terra de seus antepassados.

Também na terça-feira, o ministro brasileiro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e a ministra da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, reafirmaram a responsabilidade do Estado brasileiro de assegurar o direito das comunidades tradicionais à terra. A ministra disse que a prioridade agora é acelerar o processo de demarcação das terras indígenas. "Quando esses processos ficam parados por um longo prazo, isso acaba gerando mais tensões e ameaças", comentou.

Na tentativa de fortalecer o que classificam como "movimento de pressão", representantes da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados reuniram-se com lideranças indígenas e outras organizações para enviar uma carta diretamente à presidente Dilma Rousseff.

O documento entregue à presidência nesta quarta-feira descreve a preocupação da comissão diante dos últimos acontecimentos, além de um pedido explícito de ação. "Pedimos, pois, que a senhora faça valer o ordenamento jurídico que fortalece a democracia. Que ponha um freio definitivo a essa triste realidade de perdas de vidas decorrente da mágoa, tristeza e desilusão", diz o texto.

Elizeu Lopes reiterou que indígenas estão dispostos a morrer pela terraFoto: Elza Fiuza/ABr

Decisão judicial

A decisão proferida na terça-feira pela desembargadora federal Cecília Mello permite que cerca de 200 indígenas permaneçam na área ocupada na Fazenda Cambará. A disputa judicial envolve o dono da fazenda de 762 hectares, Osmar Luis Bonamigo, que pediu a saída dos indígenas, e a Fundação Nacional do Índio (Funai), que solicitou a permanência do grupo até que seja possível determinar se o local é território tradicional.

A fazenda fica na Bacia Iguatemipeguá, área historicamente ocupada pelos Guarani-Kaiowá, segundo a Funai. Na decisão, a juíza determina que os indígenas permaneçam um hectare de terra (metade da área ocupada por eles atualmente) até que a demarcação das terras tradicionais indígenas seja concluída.

A Funai reiterou, em nota divulgada nesta quarta-feira, que fica autorizada a entrar na área em disputa, a fim de prestar assistência à comunidade indígena de Pyelito Kue. "A Funai reafirma que seguirá prestando atendimento e assistência jurídica à comunidade", diz a nota.

Elizeu Lopes Guarani-Kaiowá, um dos líderes do grupo indígena no MS, reafirmou que os povos vão continuar a ocupar os territórios que acreditam ser deles até que uma solução definitiva seja alcançada. "Os Guarani-Kaiowá vêm esperando há mais de 30 anos para que o Governo demarque essa terra e muitos Guarani-Kaiowá vêm acabando na beira da estrada sem condições de vida, crianças tomando água suja e cada vez mais o agronegócio aumentando no Mato Grosso do Sul”, disse ele, ao reafirmar que, se for preciso, os indígenas defenderão seu direito à terra até a morte.

Nas últimas semanas, com a repercussão das cartas dos indígenas, as redes sociais têm sido palco de demonstrações públicas de apoio. "A mobilização das redes sociais provocou uma reação raramente vista por parte do governo quando se trata de direitos indígenas", comentou o procurador da República Marco Antonio Delfino de Almeida, responsável pela ação no Ministério Público Federal.

Erika Kokay diz que União foi conivente com "etnocídio"Foto: Elza Fiuza/ABr

Luta antiga

Apesar da comemoração, a decisão da justiça é encarada apenas como uma solução temporária para um problema complexo que existe há várias décadas no país. "Essa luta não é nova", lembrou Cleber Buzatto, secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário, ao referir-se à "paralisia do Estado" em relação à questão.

A deputada federal Erika Kokay, presidente interina da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, disse que os Guarani-Kaiowá são vítimas da ação do Estado. "Aquela região é fruto de um processo de colonização em que os indígenas foram retirados da sua própria terra, utilizados como mão de obra escrava para a construção de fazendas, jogados literalmente em caminhões e confinados num verdadeiro etnocídio chancelado pelo poder e pela União algumas décadas atrás", disse Kokay ao lembrar que, no ano passado, parlamentares foram até região e comprovaram a situação precária em que vivem os indígenas.

Diante dos novos acontecimentos, a Comissão planeja fazer nova diligência no local, além de enviar carta para o relator especial sobre Direitos dos Povos Indígenas nas Nações Unidas, James Anaya.

Uma das soluções práticas que estão sendo discutidas para o conflito é a definição de regras para indenização dos proprietários das terras que venham a ser declaradas como territórios indígenas, mas essa proposta também encontra obstáculos. "O governo se recusa a promover um processo mais célere de demarcação ou uma solução mais conciliadora", disse o procurador da República Marco Antonio Delfino.

Ele lembrou que outras decisões precisam ser tomadas mais rapidamente para resolver problemas cotidianos que afetam as populações indígenas na região, mencionando a falta de acesso a serviços de saúde e segurança pública – a taxa de assassinato de guaranis-kaiowás é de 100 por 100 mil habitantes, quatro vezes mais alta do que a média nacional.

Wikileaks revela descaso

Estudantes protestaram em Brasília nesta quarta-feira em apoio aos índios Guarani-KaiowáFoto: Elza Fiuza/ABr

Nesta terça-feira, a Agência Pública, agência brasileira independente de jornalismo investigativo, resgatou documentos revelados em 2011 pelo portal Wikileaks. Os comunicados foram elaborados pela diplomacia norte-americana, em 2009, e descrevem a falta de vontade de autoridades locais para chegar a uma solução definitiva. "Líderes políticos estaduais e locais zombam da legitimidade das demandas indígenas, dizendo que isso prejudicaria a prosperidade da região", diz trecho do comunicado norte-americano.

O texto também apresenta uma declaração do governador do estado de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli, em que ele corrobora o embate entre os produtores rurais e os indígenas. "O Governador Puccianelli menosprezou a ideia de que a terra, em um estado agricultor como o Mato Grosso do Sul, possa ser retirada de fazendeiros produtores que a cultivaram 'por décadas' e devolvida a grupos indígenas", revela o documento.

Autora: Ericka de Sá
Revisão: Francis França

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