Justiça suspende investigação sobre Flávio Bolsonaro
12 de março de 2020
Desembargadora paralisa inquérito sobre esquema de "rachadinha" em gabinete do filho do presidente até parecer da Câmara Criminal. Defesa alega que caso deve correr em Órgão Especial do TJ e não em primeira instância.
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A Justiça do Rio de Janeiro suspendeu nesta quarta-feira (11/03) o inquérito do Ministério Público do Rio (MP-RJ) contra o senador Flávio Bolsonaro. Ele é suspeito de ter cometido a prática conhecida como "rachadinha" – esquema de divisão de salários de funcionários – em seu gabinete à época que ele atuava como deputado na Assembleia Legislativa do estado (Alerj).
A desembargadora Suimei Cavalieri, da 3ª Câmara Criminal, atendeu a um pedido da defesa do filho do presidente Jair Bolsonaro, que alegou que as investigações deveriam ocorrer no Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e não em primeira instância, como é o caso, devido ao fato de que Flávio era deputado estadual na época das irregularidades e teria foro especial.
Com a suspensão, a decisão final sobre o caso cabe ao grupo que compõem a Câmara Criminal, que julgará o mérito da questão. Até lá, o MP-RJ deve parar o inquérito contra Flávio.
A investigação do MP-RJ começou depois de um relatório do antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) – atual Unidade de Inteligência Financeira (UIF) – detectar uma movimentação atípica de 1,2 milhão de reais no período de um ano nas contas de Fabrício Queiroz, funcionário do gabinete de Flávio e amigo de Jair Bolsonaro.
A movimentação logo levantou a suspeita de que ele era o administrador de um esquema de "rachadinha", durante o período no qual Flávio foi deputado estadual, entre 2007 e 2018. O senador é suspeito de ter cometido os crimes de peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e organização criminosa.
O MP-RJ encontrou suspeitas de que o senador tenha usado recursos em espécie na compra de apartamentos com o objetivo de lavar dinheiro proveniente da "rachadinha" da Assembleia Legislativa e desconfia que os valores dos imóveis registrados por Flávio em cartórios não sejam verdadeiros.
Uma das suspeitas é que o senador tenha lavado mais de 800 mil reais com a compra de dois imóveis em Copacabana a preços abaixo do mercado. Os apartamentos foram comprados por 310 mil reais e revendidos meses depois com um lucro de 262%. Sobre o caso, Flávio disse: "Ué, eu consigo comprar mais barato e estou sendo julgado por isso?".
O MP-RJ ainda detectou discrepâncias nas contas de uma franquia de chocolates de Flávio num shopping do Rio, apontando a suspeita que o local foi usado para lavar até 1,6 milhão de reais. A loja, segundo os promotores, também operava com volume atípico de transações em dinheiro vivo. Contas do miliciano Adriano da Nóbrega, que foi morto na Bahia, também teriam sido usadas na operação. O gabinete de Flávio empregou a mulher e a mãe do ex-PM.
Histórico
Em dezembro de 2018, Fabrício Queiroz, que trabalhou por mais de uma década como assessor e motorista do senador, se tornou publicamente o centro de uma investigação sobre Flavio, e outras 101 pessoas físicas e jurídicas.
A investigação foi iniciada em julho de 2018. Meses antes, o Coaf alertara o MP sobre movimentações atípicas na conta de Queiroz.
O compartilhamento das informações foi questionado como ilegal, e o caso ficou parado até novembro de 2019, quando o Supremo Tribunal Federal decidiu que o compartilhamento ocorreu dentro da lei. Queiroz e Jair Bolsonaro se conheceram em 1984, e ele trabalhou para Flávio entre 2007 e 2018.
O MP-RJ estima que Queiroz recebeu pelo menos 2 milhões de reais através de depósitos feitos por assessores de Flávio. Segundo o MP-RJ, os valores foram transferidos por 13 servidores do gabinete do parlamentar.
Flávio nega as acusações e afirma que está sendo vítima de perseguição.
História do país é marcada por episódios de corrupção. Uma seleção com alguns dos mais emblemáticos.
Foto: Reuters/P. Whitaker
As origens
A colonização do Brasil foi baseada na concessão de cargos, caracterizada pelo patrimonialismo (ausência de distinção entre o bem público e privado) e o clientelismo (favorecimento de indivíduos com base nos laços familiares e de amizade). Apesar de mudanças no sistema político, essas características se perpetuaram ao longo dos séculos.
Foto: Gemeinfrei
Roubo das joias da Coroa
Em março de 1882, todas as joias da Imperatriz Teresa Cristina e da Princesa Isabel foram roubadas do Palácio de São Cristóvão. O roubo levou a oposição a acusar o governo imperial de omissão, pois as joias eram patrimônio público. O principal suspeito, Manuel de Paiva, funcionário e alcoviteiro de Dom Pedro 2º, escapou da punição com a proteção do imperador. O caso ajudou na queda da monarquia.
Foto: Gemeinfrei
A República e o voto do cabresto
Em 1881 foi introduzido no país o voto direto, porém, a maioria da população era privada desse direito. Na época, podiam votar apenas homens com determinada renda mínima e alfabetizados. Durante a Primeira República (1889 – 1930), institucionaliza-se no Brasil o voto do cabresto, ou seja, o controle do voto por coronéis que determinavam o candidato que seria eleito pela população.
Foto: Gemeinfrei
Mar de lama
Até década de 1930, a corrupção era percebida comu um vício do sistema. A partir de 1945, a corrupção individual aparece como problema. Várias denúncias de corrupção surgiram no segundo governo de Getúlio Vargas. O presidente foi acusado de ter criado um mar de lama no Catete.
Foto: Imago/United Archives International
Rouba mas faz
Engana-se quem pensa que Paulo Maluf é o criador do bordão "rouba mas faz". A expressão foi atribuída pela primeira vez a Adhemar de Barros (de bigode, atrás de Getúlio), governador de São Paulo por dois mandatos nas décadas de 1940 e 1960. O político ganhou fama por realizar grandes obras públicas, e nem mesmo as acusações constantes de corrupção contra ele lhe impediram de ganhar eleições.
Foto: Wikipedia/Gemeinfrei/DIP
Varrer a corrupção
Em 1960, o candidato à presidência da República Jânio Quadros conquistou a maior votação já obtida no país para o cargo desde a proclamação da República. O combate à corrupção foi a maior arma do político na campanha eleitoral, simbolizado pela vassoura. Com a promessa de varrer a corrupção da administração pública, Jânio fez sucesso entre os eleitores.
Foto: Imago/United Archives International
Ditadura e empreiteiras
Acabar com a corrupção foi um dos motivos usados pelos militares para justificar o golpe de 1964. Ao assumir o poder, porém, o novo regime consolidou o pagamento de propinas por empreiteiras na realização de obras públicas. Modelo que se perpetuou até os dias atuais e é um dos alvos da Operação Lava Jato.
Foto: picture-alliance/AP
Caça a marajás
Mais uma vez um presidente que partia em campanha eleitoral prometendo combater a corrupção foi aclamado com o voto da população. Fernando Collor de Mello, que ficou conhecido como "caçador de marajás", por combater funcionários públicos que ganhavam salários altíssimos, renunciou ao cargo em 1992, em meio a um processo de impeachment no qual pesavam contra ele acusações que ele prometeu combater.
Foto: Imago/S. Simon
Mensalão
Em 2005, veio à tona o esquema de compra de votos de parlamentares aplicado durante o primeiro governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, que ficou conhecido como mensalão. O envolvimento no escândalo de corrupção levou diversos políticos do alto escalão para a prisão, entre eles, o ex-ministro José Dirceu e o ex-presidente do PT José Genoino.
Foto: picture-alliance/robertharding/I. Trower
Lava Jato
A operação que começou um inquérito local contra uma quadrilha formada por doleiros tonou-se a maior investigação de combate à corrupção da história do país. A Lava Jato revelou uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, empreiteiras e políticos. O pagamento de propinas por construtoras, descoberto na operação, provocou investigações em 40 países.