Somália
31 de julho de 2011Há 20 anos reina o caos na Somália, devido às guerras civis e às pragas de fome. Os radicais islâmicos do país se aproveitaram desse fato, explica Georges-Marc André, encarregado da Organização das Nações Unidas para aquele país africano.
"Após o fim do regime de Siad Barre [em 1991], formou-se um vácuo, onde entraram os fundamentalistas muçulmanos. Eles fundaram escolas corânicas no lugar das instituições de ensino público e pregaram o islamismo wahhabista."
Assim, num país acostumado a uma forma branda da fé muçulmana, criou-se uma nova geração de jovens fundamentalistas, a Al Shabab, que no idioma árabe significa "a juventude".
Influência da Al Qaeda
A Al Shabab almeja a criação de um Estado islâmico segundo os princípios da charia – o código de leis do islã. O grupo radical criou-se a partir da milícia de elite da Union of Islamic Courts, um convênio de tribunais da charia que, desde 2006, controlava a capital Mogadíscio, assim como grande parte do sul e centro da Somália.
Com o passar do tempo, forças árabes da Al Qaeda ganharam forte influência sobre o movimento, e a Al Shabab ampliou sua agenda, incluindo as metas dos djihadistas, partidários da "guerra santa". "A dimensão terrorista na Somália é obra da Al Qaeda", afirma André.
Para a rede de terrorismo, o país no Chifre da África é uma base para desestabilizar o Oriente Médio. Em 2006, a vizinha Etiópia enviou tropas à Somália, porém teve que retirá-las cerca de dois anos mais tarde. "Do ponto de vista da Al Qaeda, a Etiópia é um anacronismo, por ser um Estado cristão em território muçulmano", da mesma forma que Uganda ou o Quênia.
Para além das fronteiras somalis
Presume-se que o atentado terrorista mais espetacular do Al Shabab tenha sido o perpetrado em 2010, durante a Copa do Mundo, justamente na vizinha Uganda. Durante a transmissão do final do campeonato de futebol, uma bomba explodiu num restaurante, matando 74 pessoas.
O massacre deixou claro que a agenda perseguida pela organização radical ultrapassa cada vez mais as fronteiras da Somália. Combatentes clandestinos são recrutados a dedo na diáspora somali das metrópoles estadunidenses.
Para Matthias Weber, politólogo alemão e especialista em assuntos somalis, está claro que "a Al Qaeda utiliza a Somália como local de retiro para seus guerrilheiros, como antes ocorria com o Afeganistão. Existem provas de que numerosos combatentes estrangeiros – do Paquistão, do Afeganistão e do Iêmen, mas também membros da etnia oromo da Etiópia – circulam pela Somália e lutam".
Uma das provas da atual presença da Al Shabab na Somália foi o assassinato de Fazul Mohammed, seu líder na África Oriental, num bloqueio de rua em Mogadíscio, em junho último.
Lucro para as milícias
A recém-iniciada campanha internacional de ajuda à população necessitada é, ao mesmo tempo, um desafio e uma oportunidade para as milícias Shabab. Elas podem exigir pedágios e outros favores, em troca do acesso às regiões sob seu controle. Entre estas contam as província Bakool e Lower Shabelle, declaradas zona de calamidade pelas Nações Unidas.
Desse modo, a Al Shabab elevaria consideravelmente seus ganhos financeiros – que a ONU estima em 100 milhões de dólares por ano – obtidos por meio de impostos forçados, contrabando e doações do exterior.
Segundo Matthias Weber, há sério perigo que a rede também financie assim as armas utilizadas contras os soldados do governo de transição, apoiado pelo Ocidente e pela União Africana. "Já aconteceu na província de Bakool, este ano, de lotes de ajuda humanitária serem entregues à Al Shabab e, em seguida, transformadas em dinheiro no mercado local", exemplifica o especialista.
Segundo o jornal alemão Süddeutsche Zeitung, somente cerca de 30% dos bens de ajuda humanitária para a Somália chegaram de fato a seus destinatários nas zonas controladas pelos radicais islâmicos – isso quando as organizações conseguem acesso a elas.
Até há pouco, a maioria dos organizações estavam proibidas de atuar nas províncias do centro e sul do país. A justificativa da Al Shabab era que as ONGs ocidentais perseguiam "metas políticas" nas regiões assoladas pela fome do Chifre da África.
"Eles têm medo que missionários cristãos entrem no país e vejam o que se passa na Somália. Pois lá a população é oprimida em massa. As mulheres são obrigadas a trajar véu de corpo inteiro e os homens têm que usar barba", relata Weber.
Segundo dados da Anistia Internacional, os radicais também recrutam crianças-soldados para suas milícias. A ONU calcula que, atualmente, do meio milhão de menores subnutridos da Somália, cerca de 80% viva nas áreas controladas pela Al Shabab.
Entrevista: Daniel Scheschkewitz (av)
Revisão: Bettina Riffel