Secretário de Estado destaca momento histórico e pede "democracia genuína" na ilha. Cerimônia tem presença dos três fuzileiros navais que retiraram bandeira em 1961. EUA voltam a ter embaixada em Cuba depois de 54 anos.
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Em cerimônia realizada nesta sexta-feira (14/08) em Havana, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, reabriu a embaixada americana na capital cubana. O momento histórico contou com a presença dos três fuzileiros navais que retiraram a bandeira americana em 1961, James Tracy, Larry Morris e Mike East, quando o então presidente do país, Dwight D. Eisenhower, rompeu relações diplomáticas com Cuba.
Após a execução do hino dos EUA, Kerry se dirigiu em espanhol aos cidadãos cubanos. "Hoje é um dia para deixarmos de lado velhas barreiras e explorar novas possibilidades. Não há o que temer, já que serão muitos os benefícios que usufruiremos quando permitirmos que nossos cidadãos se conheçam melhor, realizarmos negócios de forma habitual, trocarmos ideias e aprendermos uns com os outros", disse o secretário de Estado.
"O estabelecimento de relações diplomáticas normais não é algo que um governo faz como um favor para um outro. É algo que dois países fazem juntos quando cidadãos de ambos serão beneficiados", afirmou Kerry.
Kerry disse que o futuro de Cuba está nas mãos do governo cubano, mas também pediu por "democracia genuína", na qual os cidadãos possam eleger seus governantes, e que o país insular cumpra com as obrigações internacionais de direitos humanos.
"Nossas políticas do passado não conduziram a uma transição democrática aqui em Cuba. Seria irrealista esperar que a normalização [das relações diplomáticas] tenha um impacto transformador em curto prazo", salientou Kerry, aproveitando para pleitear que o Congresso americano aprove a suspensão plena do embargo econômico.
Enquanto os cubanos hastearam em julho sua bandeira na embaixada de Cuba em Washington, os americanos tiveram que esperar até que Kerry pudesse viajar a Havana. Ele é o primeiro secretário de Estado dos EUA que visita a capital cubana em 70 anos e esteve acompanhado por assessores, membros do Congresso e os três fuzileiros navais americanos que retiraram a bandeira em janeiro de 1961.
Ainda nesta sexta-feira, Kerry encontrará dissidentes cubanos na residência da embaixada em Havana. Os dissidentes não foram convidados para a cerimônia de hasteamento da bandeira americana em deferência ao governo cubano, que os vê como mercenários patrocinados pelos EUA.
De décadas hostis à reconciliação
Washington rompeu relações diplomáticas com Havana com o deterioramento das relações entre os dois países após a Revolução Cubana de 1959. O edifício de sete andares à beira-mar em Havana – o mesmo onde foi realizada a cerimônia desta sexta-feira – e a mansão da representação cubana em Washington estiveram fechadas de 1961 até 1977, quando foram reabertas como seções de interesses.
Visando acabar com as longas hostilidades, o presidente americano, Barack Obama, e seu homólogo de Cuba, Raúl Castro, anunciaram em dezembro do ano passado que retomariam os laços diplomáticos. Obama até mesmo usou poderes presidenciais para aliviar algumas restrições de viagem e comércio, mas o Congresso americano, controlado pelos republicanos, tem resistido aos pedidos para encerrar o amplo embargo econômico dos EUA à ilha caribenha.
Cuba quer que os Estados Unidos acabem com o embargo, devolvam a base naval na Baía de Guantánamo, no leste do país insular, e suspendam os sinais de rádio e televisão transmitidos para Cuba. Já o governo americano pressionará Cuba em matéria de direitos humanos, pelo retorno de fugitivos garantindo asilo a eles, além de reivindicações de americanos cujas propriedades foram nacionalizadas depois que Fidel Castro chegou ao poder.
PV/afp/efe/rtr
EUA e Cuba: crônica da rivalidade
Desde a Revolução Cubana, em 1959, Cuba e os Estados Unidos estão em disputa, que já envolveu mercenários, bloqueios navais, sanções econômicas, criminosos e carros de boi.
Foto: picture-alliance/dpa
Bordel dos EUA
Antes da revolução, Cuba era, para muitos americanos, sinônimo de jogos de azar, casas noturnas e outros tipos de entretenimento – como um jantar no Havana Yacht Club (foto). "Cuba era o bordel dos EUA", definiu mais tarde o cientista político americano Karl E. Meyer. Para a população, a ditadura de Fulgencio Batista, no entanto, significava principalmente estagnação, desemprego e pobreza.
Para derrubar o regime já falido, Fidel Castro precisa de apenas um exército de guerrilha de algumas centenas de homens. Em 1° de janeiro de 1959, Batista foge de Cuba, e os rebeldes tomam Havana. Os EUA impõem sanções imediatamente, que vão sendo intensificadas nos anos seguintes. A liderança cubana, então, recorre à União Soviética.
Foto: picture-alliance/dpa
Fiasco na Baía dos Porcos
Uma tropa mercenária de cubanos exilados tentou derrubar o regime em 1961, com ajuda da CIA. A operação foi um fiasco. O Exército Revolucionário Cubano acaba com a invasão na Baía dos Porcos dentro de três dias, afirmando ter feito mais de mil prisioneiros.
Foto: AFP/Getty Images/M. Vinas
À beira de uma guerra nuclear
Devido ao relacionamento abalado entre EUA e Cuba, a União Soviética, passa, de repente, a dispor de uma base localizada a apenas cerca de 150 quilômetros dos Estados Unidos. O Kremlin quer estacionar mísseis na ilha. E, em 1962, a crise cubana deixa o mundo à beira de uma guerra nuclear. Com um bloqueio naval, os Estados Unidos impedem o transporte dos mísseis.
Foto: picture-alliance/dpa
Saúde e educação exemplares
A União Soviética não poupa esforços. Por décadas, Cuba é fortemente subsidiada, recebendo, entre outras coisas, petróleo bruto, que é reexportado pela ilha para obtenção de divisas. Cuba consegue, assim, construir sistemas de saúde e de educação exemplares.
Foto: picture-alliance/dpa
O êxodo dos marielitos
Em 1980, Fidel Castro permite que emigrantes deixem o país a partir do Porto de Mariel, com destino aos Estados Unidos. Cerca de 125 mil cubanos chegam à Flórida. Entre eles, estão alguns que haviam sido libertados pela administração cubana de prisões e hospitais psiquiátricos. A taxa de criminalidade em Miami aumenta drasticamente.
Foto: picture-alliance/Zuma Press/T. Chapman
Dependência açucarada
Por décadas, o embargo dos EUA limita a economia cubana de forma maciça. Além disso, não ocorre diversificação alguma. A cana-de-açúcar permanece sendo, mesmo após a revolução, o principal produto de exportação da ilha. Cuba continua totalmente dependente da assistência da União Soviética, algo que fica bastante claro a partir de 1990.
Foto: AFP/Getty Images/N. Barroso
"Período especial em tempo de paz"
Com o colapso da União Soviética, vem a quebra da economia cubana. Tudo passa a faltar. Fidel Castro declara a época de choque da economia cubana, a partir de 1990, como o "Período Especial em Tempos de Paz". Na ausência de combustível e peças de reposição, bois passam a ser usados como meio de transporte. Desde o final da década de 1990, a Venezuela fornece petróleo a preço baixo ao país.
Foto: AFP/Getty Images/A. Roque
O vai e vem das sanções
Desde 1993, a Assembleia Geral das Nações Unidas apela todos os anos para que os EUA acabem com sua política de embargo. Os EUA apertam e desapertam os parafusos das retaliações de tempos em tempos. Assim, as regulamentações do bloqueio ficam mais rigorosas em 1996 e mais relaxadas em 1999. Em 2004, o presidente George W. Bush endurece as sanções.
Foto: Getty Images/J. Raedle
Um novo capítulo se inicia
Após a libertação do prisioneiro americano Alan Gross e de três agentes cubanos presos nos EUA desde 1998, Raúl Castro e Barack Obama surpreendem o mundo ao anunciar, no dia 17 de dezembro de 2014, que normalizarão as relações diplomáticas entre os dois países e reabrirão suas embaixadas. Obama amplia as exceções ao embargo econômico e comercial sobre a ilha.
Pouco mais de seis meses após o anúncio da retomada das relações diplomáticas, Obama anuncia em 1º de julho de 2015 a reabertura das embaixadas dos EUA e de Cuba em Havana e Washington dentro de alguns dias. Desde dezembro de 2014, passos tomados para a reaproximação incluem a retirada de Cuba da lista de países que financiam o terrorismo e a libertação de presos políticos pelo governo cubano.