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Kharkiv: o quotidiano no front da guerra da Ucrânia

Roman Goncharenko
14 de junho de 2024

Ataques de mísseis e drones russos são quase diários na segunda maior cidade da Ucrânia. Com grande parte dos edifícios em ruínas, um espírito de desafio move os cerca de 1 milhão de habitantes de Kharkiv.

Bonde em Carcóvia, na Ucrânia
Enquanto a vida continua em Carcóvia, os sinais de guerra são visíveis na segunda maior cidade da UcrâniaFoto: Roman Goncharenko/DW

A primeira coisa que chama a atenção na cidade de Kharkiv, localizada no nordeste da Ucrânia, é o grande número de bandeiras nacionais alinhadas nas ruas: há mais aqui do que na capital Kiev.

Os carros passam e os bondes velhos e empoeirados chacoalham em seus trilhos, mas a primeira impressão de calma e tranquilidade não dura muito. O visitante logo se dá conta dos muitos pontos de controle, obstáculos contra tanques e prédios demolidos, lembretes da guerra da Rússia na Ucrânia, agora em seu terceiro ano, e do papel de Kharkiv como uma cidade na linha de frente.

Ataques aéreos russos

Em meados de 2024, a segunda maior cidade ucraniana é como uma ferida aberta, que a Rússia continua a atacarcom mísseis, drones e bombas quase diariamente. A paisagem urbana é marcada por janelas fechadas com tábuas, nas ruas principais numerosos prédios tiveram seus andares superiores destruídos.

Uma casa seriamente danificada e queimada ainda guarda um resquício de como a vida deve ter sido antes da guerra: Uma placa amigável que diz: "Entre para tomar um café".

Inúmeros edifícios em Kharkiv foram destruídos parcial ou totalmente por ataques de mísseis russosFoto: Roman Goncharenko/DW

A maior parte dessa destruição ocorreu durante o primeiro ano da guerra, quando as Forças Armadas russas avançaram pela primeira vez para os arredores de Kharkiv, antes de serem forçadas a recuar. As ruínas de uma escola que oferecia aulas avançadas de alemão são cicatrizes do início de 2022, quando as unidades especiais russas foram expulsas com armamento pesado.

Uma placa em alemão e ucraniano ainda está pendurada acima da antiga entrada da escola: "Sucesso no aprendizado, sucesso na vida". Essa é uma das muitas escolas de Kharkiv que se tornaram alvo de guerra.

Bombardeio "de acordo com o planejado"

Muitas das lojas, cafés e bares da cidade foram reabertos, embora os fregueses e clientes continuem sendo raros. Muitos edifícios têm placas indicando que estão à venda ou para alugar. As ruas se esvaziam ao cair da noite. O metrô só funciona até 21h30, e o toque de recolher começa às 23h00, uma hora mais cedo do que na capital.

Os bombardeios russos geralmente começam por volta da meia-noite. Segundo os moradores, a cidade está sendo atacada sistematicamente e "de acordo com o plano".

No entanto, desde o início de junho o bombardeio diminuiu consideravelmente. A maioria aqui acredita que isso se deve ao fato de os Estados Unidos e outros aliados ocidentais terem permitido à Ucrânia disparar as armas que eles fornecem contra alvos em solo russo próximo à fronteira da Ucrânia.

A mídia ocidental noticiou que a Ucrânia já usou as armas contra a cidade russa de Belgorod, atingindo uma bateria de defesa aérea russa S-300, um tipo de sistema em geral usado para lançar mísseis.

'Cemitério de foguetes russos'

Restos desses sistemas podem ser encontrados no "cemitério de foguetes russos". Kharkiv abriga o maior cemitério de foguetes da Ucrânia, com destroços de mais de mil mísseis, que tem atraído a atenção internacional. Os visitantes podem ver cilindros dos sistemas russos de lançamento múltiplo de foguetes Smerch  e Uragan, os sistemas de mísseis S-300 e Iskander e outros armamentos que a Rússia usou contra a região.

Autoridades esperam que os destroços dos mísseis ajudem nos processos criminais contra os líderes russosFoto: Roman Goncharenko/DW

Guardas vigiam o depósito, só permitindo a entrada a quem venha acompanhado por um representante do promotor público local. Os cerca de mil projéteis coletados aqui têm o objetivo de servir como prova das atrocidades russas em julgamentos na Ucrânia e no exterior.

"Todos os foguetes aqui, incluindo os mísseis de cruzeiro, custam milhões de dólares", explica Dmytro Chubenko, porta-voz da promotoria regional de Kharkiv. As marcações e abreviações ainda existentes poderiam ajudar a provar a participação da Rússia na construção e disparo das armas. Além disso, elas contêm informações codificadas sobre o modelo, a fábrica e a unidade militar de onde se originaram, acrescenta Chubenko.

Por que ficar em Kharkiv?

Como a Rússia destruiu quase toda a infraestrutura de energia de Kharkiv, os habitantes da cidade e da região dependem de geradores a diesel.

Pelas ruas, se vê pouca gente, há mais estudantes que aparentemente se preparam para se matricular. No entanto é difícil acreditar que a cidade abrigue mais de 1 milhão, tanto residentes quanto deslocados internos da zona de guerra.

Como muitos dos homens da cidade lutam na linha de frente, a cidade precisa de trabalhadores. Na entrada de uma estação de metrô, uma placa anuncia: "Kharkiv precisa de motoristas para os transportes públicos". Os futuros funcionários são atraídos com a promessa de não serem convocados para o Exército, embora na prática não haja cem por cento de garantia.

A vida continua em Kharkiv, apesar dos bombardeios russos frequentes e pesadosFoto: Hanna Sokolova-Stekh/DW

Os moradores de Kharkiv dizem que se acostumaram com os ataques aéreos, os bombardeios e as constantes ameaças às suas vidas. Poucos acreditam que será bem-sucedida a ofensiva mais recente da Rússia na região, que garantiu duas posições ao longo da linha de frente para as Forças Armadas russas. Mas eles admitem que as linhas de defesa da Ucrânia foram pegas despreparadas.

Alguns permanecem na cidade para cuidar dos pais idosos; outros se recusam a deixar suas casas e todos os objetos pessoais que juntaram ao longo dos anos. Outros, ainda, querem ficar para ajudar as Forças Armadas ucranianas na região.

Um homem de 25 anos conta que se mudou recentemente para a cidade a trabalho: "Gosto da gente de Kharkiv, ela é especial." Ao mesmo tempo, admite que, devido ao constante bombardeio russo, ele se pergunta se todos os seus colegas vão aparecer para trabalhar, a cada manhã.

Sua acompanhante relata que retornou a Kharkiv depois de ter fugido em 2022. Em sua opinião, o maior obstáculo atual é a exaustão mental, passados três anos de guerra.

Entre os muitos que se recusam a deixar Kharkiv, estão as famílias de crianças que frequentam uma escola subterrânea num bunkerFoto: Vyacheslav Madiyevskyy/REUTERS

"Cidade de heróis"

Muitos  admitem que o medo domina Kharkiv, mas ressalvam que um espírito de desafio impede que se embora. Uma vendedora aponta para os escombros de um prédio demolido numa rua próxima: "Fechamos às 15h30 e, há alguns dias, um míssil atingiu o local às 16h."

O espírito de resistência de Kharkiv se expressa em seus parques bem cuidados e praças limpas, ou nas tábuas cuidadosamente pintadas nas janelas das casas e nas placas que dizem: "Estamos trabalhando". Para onde quer que se olhe, os moradores provam que não vão desistir de sua cidade.

"Quando um míssil atinge a cidade, a gente se agacha, sacude a poeira e continua", conta a vendedora. Sua loja vende doces, entre os quais caixas de chocolates decoradas com uma vista da cidade, a bandeira ucraniana e os dizeres: "Kharkiv, cidade de heróis".

 

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