Kohl: "Merkel não sabia nem comer direito com garfo e faca"
Iveta Ondruskova / Kay-Alexander Scholz (pv)7 de outubro de 2014
Em biografia não autorizada, ex-chanceler federal da Alemanha não poupa palavras para se referir a alguns desafetos, entre eles a atual chefe de governo do país. Kohl tenta barrar na Justiça publicação do livro.
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"Merkel não sabia nem comer direito com garfo e faca. Ela ficava andando de um lado para o outro em jantares oficiais, me forçando a chamar a atenção dela várias vezes."
Essa é uma das citações do ex-chanceler federal Helmut Kohl sobre a atual mulher mais poderosa da Europa. Kohl, também chamado de "chanceler da Reunificação", é até hoje uma figura cultuada em seu partido, a União Democrata Cristã (CDU), e confiou essa e muitas outras frases polêmicas ao seu antigo biógrafo e atual desafeto Heribert Schwan, que lançou um livro intitulado Vermächtnis. Die Kohl-Protokolle (Legado. Os protocolos Kohl). A revista Spiegel publicou alguns trechos das transcrições das fitas em sua atual edição.
Schwan, que é jornalista, visitou o ex-chanceler em 105 ocasiões entre março de 2001 e outubro de 2002. As conversas entre eles encheram 135 fitas e geraram cerca de 630 horas de material. No decorrer dos anos, Schwan escreveu três das quatro biografias planejadas. Mas, em 2009, o ex-chanceler encerrou a cooperação com o jornalista, antes de este concluir o livro que conta os últimos quatro anos de Kohl à frente do governo alemão. Seguiu-se uma disputa judicial sobre as fitas contendo as conversas, que desde agosto de 2013 estão novamente em posse do ex-chanceler.
Segundo a revista alemã Focus, Kohl já acionou seus advogados para interromper as vendas do livro do ex-biógrafo. O argumento é que Schwan utilizou trechos das fitas que a Justiça alemã proibira de serem usadas e mandara devolver a Kohl. O jornalista alega ser co-autor das "memórias" de Kohl, já que participou das conversas, e assim tem o direito de usar o conteúdo delas.
Alemanha Oriental
Além de dizer que a hoje chanceler federal Merkel "não tem noção de nada", Kohl destratou também outros políticos. O ex-presidente da Alemanha Christian Wulff, também da CDU, foi descrito como "uma nulidade" e "um grande traidor". O ex-chanceler classificou como traidor também o seu ministro do Trabalho, Norbert Blüm, e se perguntou como pôde ter sido enganado pelo caráter do ex-colega.
Já o colapso da antiga Alemanha Oriental não seria mérito do movimento por direitos civis do país, mas decorrência da fraqueza financeira da União Soviética, segundo o ex-chanceler, que negociou a reunificação alemã com os russos.
"A ideia de que o colapso do regime seria antes de mais nada uma conquista dos revolucionários no leste saiu do 'cérebro de Volkshochschule [mente estreita, intelectualmente limitado] do Thierse'. Gorbatchov fez um balanço, constatou que não tinha mais como segurar o regime", disse Kohl.
A Volkshochschule, ou Universidade Popular, é uma instituição que oferece cursos de baixo custo em várias áreas, especialmente línguas estrangeiras, voltados para o público em geral.
O social-democrata Wolfgang Thierse, ex-presidente do Bundestag e oriundo da Alemanha Oriental, comentou a frase do ex-chanceler em entrevista à DW: "Kohl reivindica a paternidade exclusiva do fim da Alemanha Oriental e da unificação da Alemanha". Segundo Thierse, Kohl estaria assim privando os antigos cidadãos da Alemanha Oriental do seu desempenho histórico na revolução pacífica e no fim do comunismo. Thierse disse que, para ele, as declarações são estranhas e chocantes.
Gorbatchov, que Kohl sempre elogiou publicamente pelo papel na Reunificação, é definido como um "fracassado". "Do Gorbatchov, o que resta é que ele encerrou o comunismo, em parte contra a vontade, mas de facto ele o encerrou. Sem violência. Sem derramamento de sangue. Mas muito mais do que isso, algo que realmente fique, não me ocorre", declarou Kohl ao jornalista.
Merkel não comentou as declarações. Já Blüm disse que não debateria nesse nível e lamentou que Kohl colocasse em risco sua reputação com declarações desse tipo.
Caixa dois
As declarações de Kohl devem ser entendidas no contexto do escândalo de caixa dois de seu partido. Em 1999, quando ele já não era mais chanceler federal, foi descoberto um esquema de doações não declaradas para a CDU. Kohl admitiu a existência do esquema, mas nunca entregou nomes de doadores. No começo de 2000, a CDU rompeu com Kohl, então seu presidente de honra. Na linha de frente da ruptura estava Merkel, que publicou um artigo no jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung criticando o ex-chanceler e incentivando o partido a se afastar dele. Depois disso, os dois nunca mais se reconciliaram, apesar dos esforços de Merkel.
A atenção da mídia não é exatamente ruim para Kohl. Nesta quarta-feira, ele vai apresentar na Feira do Livro de Frankfurt uma nova edição de seu livro Da queda do Muro à Reunificação. E, no começo de novembro, o ex-chanceler deve apresentar seu novo livro Por preocupação com a Europa – um apelo. Além disso, Kohl foi sugerido para o Prêmio Nobel da Paz, exatamente 25 anos depois da queda do Muro de Berlim.
A trajetória política de Helmut Kohl
Ele governou a Alemanha ao longo de 16 anos, mais do que qualquer outro chanceler federal. A queda do Muro de Berlim e a Reunificação são os pontos altos da carreira política de Helmut Kohl, que completa 85 anos.
Foto: picture-alliance/dpa
O pai da Reunificação
Ele governou a Alemanha de 1982 a 1998, mais tempo do que qualquer outro chanceler federal. A queda do Muro de Berlim e a Reunificação são os pontos altos da carreira política de Helmut Kohl.
Foto: dapd
Nos passos de Adenauer
Kohl entrou para a União Democrata Cristã (CDU) em 1946, quando era um estudante secundarista de 16 anos. Foi eleito deputado estadual da Renânia-Palatinado em 1959, aos 29 anos, e virou líder da bancada aos 33. Em 1966, tornou-se presidente estadual da CDU. A foto de 5 de janeiro de 1967 mostra Kohl e o primeiro chanceler federal do pós-Guerra, Konrad Adenauer, na festa de seus 91 anos, em Bonn.
Foto: picture alliance / dpa
Governador aos 39 anos
Em 1969, com a renúncia do então governador da Renânia-Palatinado, Peter Altmeier, Kohl foi eleito seu sucessor. Ele comandaria o estado até dezembro de 1976, e o cargo não seria o auge de sua carreira política. A foto é de 1971, ano em que a CDU obteve a maioria absoluta no parlamento regional.
Foto: Imago
Em família
A família foi muito importante para a formação da imagem pública de Kohl. Ele costumava passar suas férias de verão com a esposa e os filhos sempre no mesmo lugar, no lago Wolfgangsee, na Áustria. Esta foto é de 1974, e mostra Kohl ao lado da esposa Hannelore e dos filhos Peter (d) e Walter (e) na residência da família, em Oggersheim.
Foto: imago/Sven Simon
Kohl na chancelaria federal
Em 1973, Kohl se tornaria presidente nacional da CDU. Mas ele ainda não tinha atingido sua grande meta: a chancelaria federal. Foi só em 1982, quando divergências entre social-democratas e liberais levaram ao fim da coalizão que sustentava o então chanceler federal Helmut Schmidt, que Kohl finalmente conseguiu alcançar seu objetivo. Na foto, de 1º de outubro de 1982, Schmidt parabeniza o sucessor.
Foto: picture-alliance/dpa
Chanceler federal por 16 anos
Kohl foi três vezes reeleito para a chancelaria federal, ocupando o cargo ao longo de 16 anos, de 1982 a 1998. Ele permaneceu na presidência da CDU, para a qual havia sido eleito em 1973, até 1998. A partir de 2000, passou a ser o presidente de honra do partido. A foto é de 11 de setembro de 1989, quando Kohl foi reeleito para a presidência da CDU.
Foto: picture alliance/Martin Athenstädt
Gesto de reconciliação
Esta foto, que mostra Kohl ao lado do primeiro-ministro da França, François Mitterrand, correu mundo. Ela foi tirada em 22 de setembro de 1984, durante um evento para celebrar a reconciliação franco-alemã, perto do cemitério de Verdun, onde estão enterrados soldados que morreram na batalha de 1916. Ao se darem as mãos, os dois líderes criaram uma forte imagem de unidade e reconciliação.
Foto: ullstein bild/Sven Simon
Queda do Muro
Kohl foi literalmente surpreendido pela queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989. Ele estava em viagem pela Polônia quando os cidadãos da Alemanha Oriental invadiram a fronteira interna alemã, com a anuência dos guardas do lado oriental. Kohl interrompeu imediatamente sua visita à Polônia. Na foto, de 10 de novembro de 1989, ele é cercado por berlinenses na avenida Kurfürstendamm.
Foto: picture-alliance/dpa
Negociações com a União Soviética
Na foto Kohl (d) aparece junto com Mikhail Gorbatchov (centro), e o ministro alemão do Exterior, Hans-Dietrich Genscher (e), durante uma visita ao Cáucaso, em 15 de julho de 1990, para discutir a reunificação alemã. Durante uma caminhada com Gorbatchov, Kohl obtivera do então chefe do Kremlin a aprovação da reunificação do país e da retirada das tropas soviéticas da Alemanha Oriental.
Foto: picture-alliance/dpa
Acordo entre as Alemanhas
Na presença do chanceler da Alemanha Oriental, Lothar de Maizière (esq. atrás) e do chanceler federal Helmut Kohl (centro atrás), os ministros da Finanças da Alemanha Ocidental e Oriental, Theo Waigel (dir.) e Walter Romberg (esq.), assinam, em 18 de maio de 1990, o acordo que abriria caminho para a Reunificação.
Foto: picture-alliance/dpa
Chanceler da Reunificação
A Reunificação alemã, em 3 de outubro de 1990, foi o ponto alto da carreira de Helmut Kohl. Ele entraria para a história como o "chanceler da Reunificação". Na foto, Kohl aparece ao lado da esposa Hannelore, do ministro do Exterior Hans-Dietrich Genscher (e) e do presidente Richard von Weizsäcker (d).
Foto: picture-alliance/dpa
Paisagens florescentes
No início dos anos 1990, Kohl é festejado pelos alemães-orientais como promotor da Reunificação. É dessa época a famosa expressão "paisagens florescentes", que ele usou para se referir ao futuro imediato da antiga Alemanha Oriental. A foto mostra o então chanceler cercado por admiradores em Leipzig, durante uma campanha eleitoral, em 14 de março de 1990.
Foto: picture-alliance/dpa
Mentor da primeira chanceler
Sem Kohl, o sucesso da atual chanceler federal alemã, Angela Merkel, é praticamente inconcebível. Foi ele que apoiou a política oriunda da Alemanha Oriental no início da sua carreira nacional, escolhendo-a para ser ministra da Família e, mais tarde, do Meio Ambiente. A foto é de 16 de dezembro de 1991, quando Merkel era ministra da Família.
Foto: picture-alliance/dpa
Fim de uma era
Em setembro de 1998, a CDU perdeu as eleições parlamentares, o que abriu caminho para o primeiro governo de uma coalizão entre social-democratas e verdes. A foto mostra uma cerimônia de despedida para Kohl, em Berlim, com honras militares.
Foto: picture-alliance/dpa
Escândalo de caixa dois
Em 1999, a imagem de Kohl é duramente atingida por um escândalo de doações ilegais para campanhas eleitorais da CDU ao longo dos anos 1990. O partido vira as costas para Kohl, e a primeira a fazê-lo é Merkel, sua protegida. Na foto, de dezembro de 1999, Kohl deixa mais cedo uma entrevista coletiva sobre o caso. Ao fundo, o presidente da CDU, Wolfgang Schäuble, e a secretária-geral Angela Merkel.
Foto: picture-alliance/dpa
Relação rompida
Kohl acabou admitindo que sabia das doações, mas se recusou a dar o nome dos doadores, anônimos até hoje. O processo contra Kohl foi arquivado em troca de uma multa milionária, e ele se afastou da política. Merkel tentou várias vezes se reconciliar com seu antigo mentor, que rejeitou todas as tentativas de aproximação. A foto mostra os dois na festa de 75 anos de Kohl, em Berlim, em 2005.