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"Alemanha tem anatomia peculiar: escreve com a esquerda, age com a direita"

25 de março de 2013

Após a Primeira Guerra Mundial, a Alemanha teve apenas 21 anos de paz. O escritor Kurt Tucholsky percebeu cedo que o país se lançava de uma guerra a outra.

Alemanha, novembro de 1918. Ao fim da Primeira Guerra Mundial, o imperador Guilherme 2º era forçado a renunciar. O caos dominava o país: quem deveria assumir o futuro governo? Já durante os últimos meses de guerra, os socialistas radicais e os moderados social-democratas disputavam o poder. Em 9 de novembro, a República Alemã era proclamada tanto pelo socialista Karl Liebknecht como pelo social-democrata Philipp Scheidemann.

No dia seguinte, o então líder do Partido Social-Democrata, Friedrich Ebert, ligou para Wilhelm Groener, comandante supremo das Forças Armadas. Sua intenção era fazer um pacto com os militares. Por telefone, Ebert conseguiu persuadir o general a combaterem juntos os radicais de esquerda e Liebknecht, evitando assim uma iminente guerra civil e garantindo uma transição pacífica para a formação da República Alemã.

Isso acabaria com a revolução e permitiria negociar a paz com os aliados. A cooperação com os militares garantiu aos social-democratas, representados por Ebert e Scheidemann, a responsabilidade pelo governo da nova República. Em janeiro de 1919, uma insurgência da esquerda, conhecida como Levante Espartaquista, foi reprimida com apoio das Forças Armadas. Agora, o caminho estava livre para a Constituição formulada pelos social-democratas, aprovada em março de 1919. Assim nascia a República de Weimar.

Contra o nacionalismo e o militarismo

Esse pacto com os antigos poderosos não agradou nada ao escritor e jornalista berlinense Kurt Tucholsky, na época, com 27 anos de idade. Como soldado, ele próprio havia sentido na pele os horrores da guerra e se tornou pacifista devido a suas experiências no fronte oriental. Ele achava preocupante que os militares ocupassem uma posição tão forte na jovem democracia.

"Para Tucholsky e tantos outros de sua geração, a Primeira Guerra Mundial representou uma ruptura decisiva. Ele esperava que fossem tiradas lições dessa catástrofe e se decepcionou por isso não acontecer na medida suficiente", afirma Rolf Hosfeld, autor da biografia publicada em 2012 Tucholsky – ein deutsches Leben (Uma vida alemã). Apesar de se considerar de esquerda, jamais teria passado pela cabeça de Tucholsky se associar ao Partido Comunista Alemão (KPD, do alemão), que se orientava por Moscou.

Exército imperial teve posição de peso na República de WeimarFoto: dpa - Bildarchiv

Em vez disso, como muitos outros de esquerda que não queriam ligar-se a Moscou, o autor combateu sua frustração com papel e caneta. A revista semanal Die Weltbühne era a sua arena. Aqui ele atacava os militares que, por falta de controle do Parlamento, tornaram-se ao longo dos anos um Estado dentro do Estado. Ele também escrevia contra as tendências nacional-socialistas, as quais considerava um resquício de tempos passados e uma ameaça à jovem democracia.

"A Alemanha tem uma anatomia peculiar: escreve com a esquerda, mas age com a direita", diria o autor em 1920. O que ele queria dizer é que apesar de a esquerda ter uma influência intelectual sobre a República de Weimar, a propensão geral era marcada pelo militarismo e nacionalismo. Tucholsky foi, assim, um dos primeiros a vislumbrar o fracasso da República e a ascensão do nazismo.

"É impressionante com que precisão ele previu na época situações que, realmente, vieram a acontecer. A cooperação de Paul von Hindenburg com o governo de Hitler, essa forma de tomada do poder", comenta Hosfeld.

Restrição à liberdade de imprensa

A liberdade de imprensa também foi ameaçada durante a República de Weimar. Em 1929, colegas de Tucholsky da revista Weltbühne chegaram a ser levados a tribunal. Num artigo, eles informaram sobre a construção secreta de um avião de guerra pelo Exército do Reich, como as Forças Armadas passaram a se chamar a partir de 1921. Tal atividade estava proibida para os militares, de acordo com o Tratado de Versalhes, firmado ao término da Primeira Guerra Mundial. O tratado estabelecia que a Alemanha abriria mão de grande parte do seu território e obrigava à desmilitarização temporária de algumas regiões.

"Procurava-se de toda forma silenciar as vozes críticas contra a autonomia do Exército", acrescenta Hosfeld. Os jornalistas do semanário Weltbühne, entre eles o futuro Prêmio Nobel da Paz Carl von Ossietzky, foram condenados a 18 meses de prisão por revelar segredos de Estado. Na época, Tucholsky já vivia a maior parte do tempo no exterior. O processo deixou claro que "escrever com a esquerda" não era permitido.

Rolf Hosfeld, biógrafo de TucholskyFoto: Roland Stelter

A crise econômica mundial precipitou a profecia de Tucholsky: a temida ascensão ao poder do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP, do alemão), de Adolf Hitler. Nas eleições de 1930, eles alcançaram 18% dos votos. O grave desapontamento com a situação política, as restrições à imprensa e vários outros motivos pessoais fizeram Tucholsky optar definitivamente pelo exílio na Suécia, país de seus sonhos.

Em exílio

Da Suécia, Tucholsky vivenciou a tomada do poder pelos nazistas em 30 de janeiro de 1933. A partir de então, ele reduziu radicalmente suas atividades de jornalista. "Não adianta lutar contra o oceano", justificou o autor, desiludido, numa carta escrita em abril de 1933. Tucholsky morreu na Suécia em 21 de dezembro de 1935, devido a uma superdose de comprimidos. A teoria de suicídio é discutida até hoje.

Em 1946, na revista Weltbühne, que havia sido reinstituída, o autor Erich Kästner descreveu Tucholsky como "berlinense gordo e baixinho, que queria impedir uma catástrofe com a máquina de escrever", um homem que condenava o fato de tantos não terem aprendido nada com a Primeira Guerra Mundial. Tal processo de aprendizado só começaria na Alemanha nas décadas após 1945.

Semanário "Weltbühne" era principal plataforma para intelectuais de esquerda nos anos 1920Foto: picture-alliance/dpa

O que Tucholsky acharia da Alemanha de hoje? "Tucholsky gostaria de viver na República Federal da Alemanha. O que não significa que ele não tivesse críticas", afirma Hosfeld com convicção. As missões de guerra do Exército alemão, as ações do governo na crise bancária, "com certeza, o tiraria do sério, como jogam com o capital à custa do cidadão comum", diz Hosfeld. Portanto, típico de alguém que escreve com a esquerda.

Autoria: Friedel Taube (smc)
Revisão: Roselaine Wandscheer

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