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Kurt Weill, um compositor e seus mil estilos

Rick Fulker | Augusto Valente
17 de março de 2015

Parceiro de Brecht na "Ópera dos Três Vinténs", músico de origem judaica transitou do erudito ao popular, do teatro berlinense ao musical nova-iorquino. Mas só reconhecia uma diferença: entre a música boa e a ruim.

Kurt Weill (1900-1950)Foto: picture-alliance/dpa/AP Photo/D. Grossi

Kurt Weill (1900-1950) foi um músico tão aclamado pelo público quanto problemático para a crítica – e, depois da Segunda Guerra Mundial, tema de acaloradas discussões estéticas.

Ao afirmar que "ele mudava mais de estilo do que de país", um de seus primeiros biógrafos não tinha, em absoluto, a intenção de elogiá-lo. E, no obituário que redigiu para o artista alemão, o filósofo e musicólogo Theodor W. Adorno nem mesmo o designava como "compositor", mas sim como "diretor musical".

Mesmo reconhecendo os méritos da segunda carreira de Weill como autor de musicais na Broadway, por esse mesmo motivo Adorno não admitia qualquer traço de autenticidade em sua criação musical, argumentando que ele negara suas raízes, tendo sacrificado sua criatividade ao gosto do público e se vendido à indústria teatral americana.

Modernismo para cantarolar

Weill é desses artistas cujo prestígio no resto do mundo é maior do que em seu país natal. Nascido em 2 de março de 1900, filho do cantor de uma sinagoga em Dessau, ele estudou música em Berlim com o renomado compositor e pianista virtuoso Ferruccio Busoni.

Montagem da "Ópera dos Três Vinténs" em Hamburgo,, 2004Foto: AP

Na década de 1920, criou, juntamente com o dramaturgo Bertolt Brecht, obras-primas do teatro musical socialmente crítico, como A Ópera dos Três Vinténs e Ascensão e queda de cidade de Mahagonny. Em 1933, com a tomada do poder na Alemanha pelos nacional-socialistas, o músico judeu buscou asilo em Paris. Mais tarde seguiria com a esposa, a atriz e cantora Lotte Lenya, para Nova York, onde adotou a cidadania americana.

Embora só falasse um inglês rudimentar, Weill se recusava a falar com Lenya em seu próprio idioma, que tachava de a "língua dos criminosos". A ruptura com a pátria também se refletiu numa mudança radical de estilo. Seus musicais Street scene, Lady in the dark e One touch of Venus soam tão diferentes, que muitos afirmam ser impossível reconhecer nelas o compositor da fase berlinense.

Fato é que Weill é um dos poucos músicos eruditos do século 20 cujas melodias as pessoas cantarolam sem saber de quem são. Isso se aplica tanto à Moritat von Mackie Messer (Mack the Knife, na versão americana), balada de abertura da Ópera dos Três Vinténs, quanto à September Song, composta dez anos mais tarde.

Festival em Dessau

Em Dessau, na Saxônia-Anhalt, há 23 anos se realiza o único festival do mundo dedicado à obra de Kurt Weill. Em 2015 o evento se estendeu a 20 locais, não só na cidade natal do compositor, mas também em Wittenberg, Magdeburg e Halle, outras cidades importantes do estado.

Lotte Lenya, esposa e musaFoto: Lotte Jacobi Collection, University of New Hampshire, USA

Em cerca de 60 concertos e récitas sob o slogan "Do lied à song", o 23º Festival Kurt Weill de Dessau traçou os amplos arcos de gênero e estilo presentes na produção do compositor: de Berlim à Broadway, da música de câmara ao kabarett, da ópera ao musical, da orquestra sinfônica ao jazz.

Ainda assim, a ênfase do evento é no compositor como representante "modernismo clássico", a era musical das primeiras décadas do século 20 em que se encaixam Igor Stravinsky, Serguei Prokofiev e Francis Poulenc, entre outros. "Weill foi capaz de desenvolver, em conjunto com a música, textos que falam às pessoas, de um modo que sem dúvida é atual até hoje", aponta o diretor geral do festival, Michael Kaufmann.

De fato, Kurt Weill escreveu certa vez: "Eu preciso de palavras para colocar minha fantasia em movimento. Minha criatividade não é um pássaro, mas sim um avião". E sua popularidade atual é até um paradoxo, considerando-se um outro dito seu: "No que me toca, eu componho para hoje. A posteridade não me interessa em nada."

A observação era também uma alfinetada num seu contemporâneo, o igualmente judeu Arnold Schoenberg (1874-1951). Obcecado por sua posição na história da música, o austríaco postulava que dentro de 50 anos sua obra seria popular – uma profecia que até hoje não se realizou.

Versão adaptada de "Johnny Johnson" no festival de DessauFoto: Andrea Vollmer

Autêntico na diversidade

Será que Weill vendeu a alma à Broadway? De forma alguma, assegura o maestro Ernst Theis, que, no concerto de encerramento em Dessau, contrapôs a ópera em um ato Royal Palace de Weill a três obras de Richard Strauss.

"Tomemos, por exemplo, Street scene: ele é simplesmente um dos melhores musicais que já se escreveu. E se alguém disser que não conhece Kurt Weill, essa pessoa deve me procurar, que eu lhe explico. Ele é totalmente autêntico, apesar das variantes nos estilos que adota", defende Theis.

Michael Kaufmann explica em termos biográficos e sociais tanto a diversidade estilística de Weill quanto a rejeição do compositor nos meios musicais eruditos da Alemanha do pós-guerra:

"O ideal que tínhamos, quando as pessoas vinham à Alemanha como exiladas, à procura de uma pátria, é que elas se integrassem imediatamente em nossa sociedade e se arranjassem perfeitamente como toda a nossa cultura. Mas dos que tiveram que ir embora da Alemanha para o exílio, tinha-se sempre a expectativa de que ou fracassassem, ou tivessem grandes problemas, mas se assimilar, nunca: eles tinham que permanecer alemães."

"Só há música boa ou má"

Em 1936 o compositor escrevia: "O palco só tem uma justificativa para sua existência hoje, se tentar alcançar um plano mais elevado da realidade." Uma ambição artísticas que pode resultar em produtos complexos e aparentemente até mesmo contraditórios. Um exemplo disso é o musical Johnny Johnson, do mesmo ano, primeira obra que Weill compôs no exílio americano, e que abriu o festival de Dessau em versão adaptada.

Cantora Ute Lemper tem muitas canções de Weill em seu repertórioFoto: Lucas Allen

Segundo Joachim Landgraf, diretor do Centro Kurt Weill, a peça apresentada 50 vezes na Broadway é "uma sátira sobre a guerra – e isso em território americano". Ou seja: o músico manifestava seu pacifismo ao mesmo tempo em que, patriota americano recém-imigrado, paralelamente se engajava para que os Estados Unidos fossem à guerra contra a Alemanha nazista.

"Weill se manteve fiel ao próprio posicionamento. Também fez coisas acessíveis, é claro, mas, apesar disso, defendeu sua posição política, também nos EUA", analisa Landgraf.

Ao apresentar as diversas facetas desse homem tão cheio de paradoxos, que trabalhava até a exaustão e morreu prematuramente, o festival de Dessau revelou um artista moderno, que lembra repetidamente ao ouvinte como "não há diferença entre música popular e erudita, mas só entre a boa e a má música". Uma frase frequentemente citada que, aliás, é do próprio Kurt Weill.

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