No dia do ultimato dado por Rajoy, Puigdemont não esclarece se declarou ou não independência da Catalunha e, em carta, pede dois meses para dialogar. Governo espanhol pode intervir na autonomia da região.
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O chefe do governo regional catalão, Carles Puigdemont, deixou nesta segunda-feira (16/10) sem resposta o primeiro-ministro da Espanha, Mariano Rajoy, que havia fixado a data como limite para ele esclarecesse se declarou a independência da Catalunha ou não.
Na carta de resposta a Rajoy, Puidgemont propõe um período de dois meses de diálogo diante de umasituação que seria a "transcendência que exige respostas e soluções políticas à altura". "São as [soluções] que nos pede a sociedade e as que se esperam na Europa", afirmou Puigdemont no documento.
O ministro espanhol da Justiça, Rafael Catalá, disse imediatamente depois da divulgação da resposta que o governo espanhol não considera o texto de Puigdemont válido, por falta de clareza.
Catalá lembrou que, além de perguntar sobre a independência, Rajoy havia dado um segundo prazo ao líder catalão – até esta quinta-feira – para que explicasse as medidas que vai adotar para cumprir as leis espanholas.
O texto tem tom conciliador e contém dois pedidos. O primeiro é que cesse "a repressão contra o povo e o governo da Catalunha", em alusão à atuação da Justiça contra os organizadores do polêmico referendo independentista de 1º de outubro e aos incidentes violentos daquele dia entre eleitores e policiais que tinham ordens de impedir a votação.
"Nossa intenção é percorrer o caminho em comum acordo tanto em relação ao tempo quanto em relação à forma. Nossa proposta de diálogo é sincera e honesta", sinaliza Puigdemont, dirigindo-se a Rajoy. "Nossa proposta é sincera apesar de todo o ocorrido, mas logicamente é incompatível com o atual clima de crescente repressão e ameaça."
O segundo pedido é concretizar "o quanto antes" uma reunião para discutir "os primeiros acordos". "Não deixemos que se deteriore mais a situação", conclui a carta. "Com boa vontade, reconhecendo o problema e olhando-o de frente, estou seguro de que podemos encontrar o caminho para a solução."
"Solução em vez de enfrentamento"
O governo de Rajoy deu a Puigdemont até as 10h desta segunda-feira (horário local) para responder se, em discurso no Parlamento regional na semana passada, declarou ou não a independência da Catalunha. Na ocasião, o líder catalão anunciou esse passo, suspendendo-o logo em seguida para pedir diálogo com Madri.
Na carta enviada a Rajoy nesta segunda, Puigdemont juntou os documentos referentes a seu discurso no Legislativo catalão, além de arquivos sobre a lei do referendo e os resultados da consulta separatista de 1º de outubro, considerada ilegal pela Justiça espanhola.
Puigdemont destaca que suspendeu os efeitos do "mandato político surgido das urnas" após o referendo porque sua "vontade" é "encontrar a solução e não o enfrentamento".
Se não respondesse a esse pedido ou confirmasse a declaração de independência, Puigdemont teria até esta quinta-feira para eventuais correções. Caso contrário, o governo espanhol poderia dar um passo inédito e intervir na autonomia da Catalunha.
A exigência de Rajoy mencionava explicitamente a possibilidade de fazer uso do artigo 155 da Constituição espanhola, que permite forçar uma região a cumprir com suas obrigações por meio da adoção de "medidas necessárias" pelo Estado central, que poderia também intervir ou suspender as autoridades regionais.
Seria a primeira vez que se recorreria a esse instrumento na história da Espanha. Madri poderia usar o artigo para substituir o governo de Puigdemont por um de transição até a realização de eleições regionais antecipadas. A falta de precedentes em relação ao artigo 155 torna a situação da Catalunha imprevisível.
"Aqueles que levaram a Catalunha à beira do precipício ainda têm tempo de corrigi-lo com ações, não com palavras", afirmou o ministro do Interior, Juan Ignacio Zoido, no domingo, num último apelo a uma mudança de rumo que desfaça a crise que se instalou no país. Zoido deixou claro que Madri esperava "um sim ou um não" do governo catalão.
Puigdemont desencadeou a pior crise institucional das últimas décadas na Espanha ao organizar o referendo de 1º de outubro, apesar de a votação ter sido suspensa pelo Tribunal Constitucional espanhol. Segundo dados do governo catalão, 90% dos eleitores que compareceram às urnas votaram a favor da independência. Os partidários do "não", um pouco mais da metade dos catalães nas sondagens, boicotaram o referendo.
RK/dpa/efe
Breve história da Catalunha
Desejo de independência da Espanha é acalentado pelos catalães há muito tempo. Ao longo dos séculos, região experimentou vários graus de autonomia e repressão.
Foto: picture-alliance/dpa/AP/F. Seco
Antiguidade rica
A Catalunha foi habitada por fenícios, etruscos e gregos, que estiveram nas áreas costeiras de Rosas e Ampúrias (acima). Depois vieram os romanos, que construíram mais assentamentos e infraestrutura. A Catalunha foi uma parte do Império Romano até ser conquistada pelos visigodos, no século 5.
Foto: Caos30
Condados e independência
A Catalunha foi conquistada pelos árabes no ano 711. O rei franco Carlos Magno interrompeu o avanço deles em Tours, no rio Loire, e em 759 o norte da Catalunha se tornou novamente cristão. Em 1137, os condados que compunham a Catalunha iniciaram uma aliança com a Coroa de Aragão.
Foto: picture-alliance/Prisma Archiv
Guerra e perda de território
No século 13, as instituições de autoadministração catalã foram criadas sob o nome Generalitat de Catalunya. Depois da unificação da Coroa de Aragão com a de Castela, em 1476, Aragão pôde manter suas instituições autônomas. No entanto, a revolta catalã – de 1640 a 1659 – fez com que partes da Catalunha fossem cedidas à atual França.
Foto: picture-alliance/Prisma Archivo
Lembrando a derrota
No final da Guerra da Sucessão, Barcelona foi tomada, em 11 de setembro de 1714, pelo rei espanhol Felipe 5°, as instâncias catalãs foram dissolvidas e a autoadministração chegou ao fim. Todos os anos, em 11 de setembro, os catalães fazem uma grande comemoração para lembrar o fim do seu direito à autonomia.
Foto: Getty Images/AFP/L. Gene
República passageira
Após a abdicação do rei Amadeo 1°, da Espanha, a primeira república espanhola foi declarada em fevereiro de 1873. Ela durou apenas um ano. Os partidários da república estavam divididos, com um grupo apoiando uma república centralizada e outros, um sistema federal. A foto mostra Francisco Pi y Maragall, um partidário do federalismo e um dos cinco presidentes da república de curta duração.
Foto: picture-alliance/Prisma Archivo
Tentativa fracassada
A Catalunha tentou estabelecer um novo Estado dentro da república espanhola, mas isso apenas exacerbou as diferenças entre os republicanos e os enfraqueceu. Em 1874, a monarquia e a Casa de Bourbon, liderada pelo rei Afonso 12 (foto), retomaram o poder.
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Direitos de autonomia
Entre 1923 e 1930, o general Primo de Rivera liderou uma ditadura – com o apoio da monarquia, do Exército e da Igreja. A Catalunha se tornou um centro de oposição e resistência. Após o fim do regime, o político Francesc Macia (foto) conseguiu impor direitos importantes de autonomia para a Catalunha.
Fim da liberdade
Na Segunda República Espanhola, os legisladores catalães trabalharam no Estatuto de Autonomia da Catalunha, aprovado pelo Parlamento espanhol em 1932. Francesc Macia foi eleito presidente da Generalitat de Catalunha pelo Parlamento catalão. No entanto, a vitória de Franco no fim da Guerra Civil Espanhola (1936 a 1939) acabou com tudo isso.
Foto: picture-alliance/AP Photo
Opressão
O ditador Francisco Franco governou com mão de ferro. Partidos políticos foram proibidos, e a língua e a cultura catalãs, reprimidas.
Foto: picture alliance/AP Photo
Novo estatuto de autonomia
Após as primeiras eleições parlamentares que se seguiram ao fim da ditadura de Franco, a Generalitat da Catalunha foi provisoriamente restaurada. Sob a Constituição democrática espanhola de 1978, a Catalunha recebeu um novo estatuto de autonomia, apenas um ano depois.
O novo estatuto de autonomia reconheceu a autonomia da Catalunha e a importância da língua catalã. Em comparação com o estatuto de 1932, ele apresentou avanços nos campos da cultura e educação, mas restrições no âmbito da Justiça. A foto é de Jordi Pujol, que foi por longo tempo chefe de governo da Catalunha depois da ditadura.
Foto: Jose Gayarre
Anseio por independência
O desejo por independência da Espanha se tornou mais forte nos últimos anos. Em 2006, a Catalunha recebeu um novo estatuto, que ampliou ainda mais os poderes do governo catalão. No entanto, eles são perdidos após uma queixa levada pelo conservador Partido Popular ao Tribunal Constitucional espanhol.
Foto: Reuters/A.Gea
Primeiro referendo
Um referendo sobre a independência estava previsto para 9 de novembro de 2014. A primeira questão era "você quer que a Catalunha se torne um Estado?" No caso de uma resposta afirmativa, a segunda pergunta era "você quer que esse Estado seja independente?" No entanto, o Tribunal Constitucional suspendeu a votação.
Foto: Reuters/G. Nacarino
Luta de titãs
Desde janeiro de 2016, Carles Puigdemont é o presidente do governo catalão. Ele deu continuidade ao curso separatista de seu antecessor, Artur Mas, e convocou um novo referendo para 1° de outubro de 2017. O primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, disse que a consulta é inconstitucional.