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Líder da ultradireita volta ao banco dos réus na Alemanha

24 de junho de 2024

Björn Höcke enfrenta segundo julgamento por uso de slogan nazista. Em maio, ele foi condenado a pagar multa de 13 mil euros por proferir em público antigo lema de uma organização paramilitar nazista.

Björn Höcke
Höcke se declarou inocente no início de segundo julgamento por uso de slogan nazistaFoto: endrik Schmidt/dpa/picture alliance

Um dos principais líderes do partido ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD) no leste do país voltou novamente ao banco dos réus nesta segunda-feira (24/06) em um processo sobre o uso de um slogan nazista proibido durante um evento da legenda realizado em dezembro do ano passado.

Björn Höcke, deputado estadual e líder da AfD no estado da Turíngia, se declarou inocente no início do julgamento em Halle. Esse é o segundo julgamento que ele enfrenta acusado de proferir a frase "Alles für Deutschland" ("Tudo pela Alemanha").

O slogan usado era o mesmo que serviu de lema da organização paramilitar nazista Sturmabteilung (Tropas de assalto), conhecida pela sigla SA, cujos membros eram também chamados de "camisas-pardas". Eles se notabilizaram por atos de violência e terrorismo – especialmente contra comunistas e judeus – nas ruas da Alemanha durante a República de Weimar, o curto período democrático que precedeu a ditadura de Adolf Hitler.

Com a queda do autoproclamado Terceiro Reich em 1945, a SA, assim como todas as outras organizações nazistas ou nacional-socialistas, foi banida. Mais tarde, na recém-fundada República Federal da Alemanha (antiga Alemanha Ocidental), toda a propaganda que seguia a ideologia nacional-socialista ou de suas organizações foi proibida. Isso valeu inclusive para o slogan "Tudo pela Alemanha".

Em maio, Höcke foi condenado a pagar uma multa de 13 mil euros (R$ 75 mil) pelo crime de "uso público de um símbolo de uma antiga organização nacional-socialista". Na ocasião, ele foi julgado por proferir a frase foi proclamada durante em um discurso para cerca de 250 apoiadores em um evento de campanha em maio de 2021 em Merseburg, no estado da Saxônia-Anhalt.

O atual julgamento

No atual julgamento, Höcke é julgado por ter voltado a incitar apoiadores com o slogan, desta vez fazendo uso de um jogo de palavras. Nessa ocasião, em um evento num restaurante em Gera, na Turíngia, Höcke se referiu com escárnio à acusação que enfrentava pelo primeiro episódio. "Porque uma vez encerrei uma campanha eleitoral com uma tríade retórica: 'Tudo pela nossa pátria! Tudo pela Saxônia-Anhalt! Tudo pela...". Na sequência, gesticulando, Höcke incentivou seu público a completar o slogan: "...Alemanha!", gritaram os apoiadores de Höcke. O político permaneceu no palco rindo e exibindo uma expressão alegre.

O Ministério Público argumenta que tanto o político da AfD quanto o público presente no evento sabiam se tratar de um slogan proibido. Na época, Höcke já estava sendo processado por um incidente semelhante.

Os advogados de Höcke defendem o arquivamento do processo e questionam a jurisdição do caso, que tramita na Saxônia-Anhalt, quando o suposto crime ocorreu na Turíngia.

Höcke é figurinha carimbada em protestos de extrema direitaFoto: picture-alliance/dpa/R. Hirschberger

Essa denúncia contra o político havia sido incluída no primeiro processo, mas os juízes decidiram julgá-la separadamente devido a uma mudança na equipe de defesa do acusado.

A acusação enfrentada por Höcke pode resultar em penalidades como uma multa ou até três anos de prisão. Caso ele seja condenado a uma pena de prisão a partir de seis meses, o tribunal pode, como efeito colateral, também declarar a inelegibilidade do político e barrá-lo de ocupar cargos públicos.

Se for novamente condenado a pagar apenas uma multa, Höcke estará livre para concorrer à reeleição como deputado pelo seu partido nas eleições estaduais na Turíngia, marcadas para setembro.

Notoriedade

Ex-professor de história, Höcke estudou e lecionou a matéria por muitos anos antes de entrar para a política pela AfD e se tornar um de seus representantes mais conhecidos e radicais.

Nos últimos anos, ele ganhou notoriedade com a intensidade e frequência com a qual costuma se referir direta ou indiretamente à era nazista. Em público, ele já usou outras expressões comumente associadas ao nazismo, como "degeneração" e Lebensraum (espaço vital).

Em 2017, ele chamou a atenção nacionalmente na Alemanha quando criticou publicamente o Memorial aos Judeus Assassinados da Europa, em Berlim, que relembra a matança de seis milhões de judeus europeus pelos nacional-socialistas. Na ocasião, ele provocou condenação generalizada na Alemanha ao se referir ao memorial como um "monumento da vergonha".

Em 2016, num comício da AfD, Höcke também expressou simpatia pela notória negacionista do Holocausto Ursula Haverbeck, apelidada de "vovó nazista" pela mídia alemã, que já foi condenada à prisão em diversas ocasiões por espalhar mentiras sobre o genocídio contra os judeus. Na ocasião, Höcke disse que ela estava sendo perseguida pelo que chamou de um "crime de opinião".

Obsessão pelo nazismo

Em 2017, no mesmo discurso em que atacou o Memorial do Holocausto de Berlim, Höcke criticou a maneira como os alemães lidam com a herança da ditadura nazista. Na ocasião, quando falava para a ala jovem da AfD, a Junge Alternative, ele classificou isso de uma "política de enfrentamento estúpida" que "paralisa" a Alemanha. Na sequência, disse: "Precisamos de uma virada de 180 graus na política de memória".

A fala sobre o memorial chegou a render a abertura de um processo de expulsão contra Höcke na AfD, mas no final a direção do partido decidiu mantê-lo como membro. Em vez de uma expulsão, o que aconteceu desde então é que o partido como um todo se radicalizou na direção de Höcke.

Höcke chamou Memorial aos Judeus Assassinados da Europa de "monumento da vergonha"Foto: Bildagentur-online/Joko/picture alliance

Höcke publicou seus pensamentos em um livro em 2018. Nele, ele argumenta que é errado que "Hitler seja retratado como absolutamente maligno" e que diz que a questão não pode ser vista de uma ótica em "preto e branco".

O livro está repleto de outras declarações radicais. Höcke diz que um novo líder é necessário, que a Alemanha está ameaçada "nacionalmente de morte por meio da substituição da população" – reverberando uma das principais teorias conspiratórias da extrema direita internacional. E ainda pareceu mandar um recado ameaçador para os alemães que não abraçam essas ideias: "Membros gangrenosos não podem ser curados com água de lavanda, como Hegel já sabia".

Em 2019, Höcke abandonou uma entrevista televisiva ao se irritar quando um jornalista mostrou um vídeo que citava uma frase sua. As imagens mostravam um repórter perguntando a alguns membros da própria AfD: "quem disse isso? Höcke ou Hitler em Mein Kampf?". A maior parte dos membros da AfD entrevistados evitou responder, mas um disse acreditar que a frase havia sido dita por Hitler. A frase em questão era: "Quando o ponto de virada for alcançado, nós, alemães, não faremos as coisas pela metade, vamos descartar o entulho da modernidade".

"Höcke é um fascista"

As afirmações do livro de Höcke foram consideradas tão radicais que uma corte alemã as usou como base para sua decisão de que a afirmação "Höcke é um fascista" não é caluniosa, mas se baseia em uma base factual verificável. A decisão foi tomada pelo Tribunal Administrativo de Meiningen, em 26 de setembro de 2019. Höcke também é monitorado pelo serviço inteligência interno do país desde 2020.

Toda essa notoriedade de Höcke, tanto na mídia alemã quanto em debates sobre a AfD, é ainda mais chamativa porque o ultradireitista não ocupa nenhum cargo político de nível nacional e nunca ocupou um. Ele nem mesmo faz parte do diretório nacional da AfD.

No entanto, Höcke, mesmo sendo um mero deputado estadual, passou a ser um tema constante na política alemã, com muitos no país debatendo seus pensamentos, visão de mundo e ações políticas.

Ambições

Mas o motivo é claro: por causa ou apesar de seu radicalismo, Höcke ajudou a dar destaque para a AfD em seu estado, a Turíngia. No momento, o partido lidera as pesquisas eleitorais nesse estado do leste alemão, que vai ser palco de uma eleição em setembro deste ano.

Höcke não esconde sua ambição de se tornar governador da Turíngia, o que tem levantado temores no país de que, pela primeira vez desde 1945, um estado alemão possa ser governado por um "fascista".

O diretório da AfD na Turíngia está desde março de 2022 sob a vigilância do Departamento de Proteção à Constituição da Alemanha (BfV), a agência de inteligência interna do país. O tribunal que aprovou a medida concluiu que existiam indícios suficientes de aspirações anticonstitucionais dentro do diretório estadual, que passou a ser classificado como como uma organização "confirmada como extremista de direita".

Tentáculos internacionais

Fundada em 2013, inicialmente como uma sigla eurocética de tendência mais liberal, a AfD rapidamente passou a pender para a ultradireita, especialmente após a crise dos refugiados de 2015-2016, com seus antigos membros liberais sendo suplantados por figuras mais reacionárias. Hoje, são especialmente políticos como Höcke que dão o tom da legenda. O partido também tem conexões com a extrema direita mundial. Em 2021, uma de suas deputadas, Beatrix von Storch, foi recebida pelo então presidente brasileiro Jair Bolsonaro.

A deputada da AfD Beatrix von Storch e Jair Bolsonaro em 2021Foto: Team von Storch/dpa/picture alliance

Em abril, ao mesmo tempo em que publicava críticas ao ministro brasileiro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, o empresário Elon Musk usou sua conta na rede X para trocar publicamente mensagens com ninguém menos do que Björn Höcke.

Respondendo a uma mensagem na qual o alemão – expressando-se em inglês, algo incomum para Höcke – queixava-se do seu processo criminal, Musk perguntou "o que você disse?". Outro usuário respondeu então a Musk que Höcke havia dito "Tudo pela Alemanha". Musk então questionou "Por que isso é ilegal?".

Aproveitando o peso da conta de Musk, que conta com 181 milhões de seguidores, Höcke respondeu, novamente em inglês: "Porque todo patriota na Alemanha é difamado como nazista".

cn (AFP, dw)

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