Líder de Ruanda deve ser reeleito com 99% dos votos
16 de julho de 2024
No poder desde 1994, Paul Kagame, deve oficializar mais um mandato após pleito no qual adversários autorizados a concorrer não somaram nem 1% dos votos. ONGs acusam regime de reprimir mídia e oposição
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O líder Paul Kagame, que controla o governo de Ruanda desde 1994, lidera a apuração das eleições com 99,15% dos votos, de acordo com os resultados provisórios divulgados pela Comissão Eleitoral Nacional (CNE), com quase 80% dos votos apurados.
De acordo com a contagem preliminar divulgada pela NEC no final da segunda-feira (15/07), os dois únicos candidatos que foram autorizados a concorrer com Kagame nas eleições presidenciais de 15 de julho não conseguiram, juntos, atingir 1% do total de votos. Outros candidatos críticos ao regime foram barrados.
Frank Habineza, 47 anos, candidato do Partido Verde Democrático de Ruanda (DGPR), obteve 0,53% dos votos, enquanto o jornalista e candidato independente Philippe Mpayimana, 54 anos, conseguiu apenas 0,32%.
Ambos os candidatos já foram autorizados a enfrentar Kagame nas eleições presidenciais de 2017, quando juntos obtiveram apenas 1,2% do apoio popular.
"Caros ruandeses, acabamos de receber os resultados preliminares publicados pelo NEC. Gostaríamos de anunciar que os aceitamos e parabenizamos o vencedor, sua excelência Paul Kagame”, disse Habineza à mídia local, admitindo a derrota.
O NEC tem até 20 de julho para publicar os resultados provisórios completos e até 27 de julho para divulgar os resultados finais que, ao que tudo indica, devem permitir que o presidente seja reeleito para um quarto mandato de cinco anos.
Não há surpresa
A liderança de Kagame na corrida presidencial não é nenhuma surpresa, já que o líder de 66 anos da Frente Patriótica de Ruanda (RPF) venceu com mais de 90% as três eleições que disputou até agora (2003, 2010 e 2017).
Seu partido lidera o país desde que assumiu o poder em 1994, como um grupo rebelde após derrubar o governo extremista hutu que desencadeou o genocídio daquele ano, no qual cerca de 800 mil tutsis e hutus moderados foram mortos. Kagame é nominalmente presidente desde 2000, mas na prática já era o homem forte do governo desde 1994, quando passou a ocupar os postos de ministro da Defesa e vice-presidente.
Kagame também ganhou popularidade ao reconstruir a economia destruída pelo genocídio. Além disso, foram construídas estradas e hospitais, e o país também fez progressos constantes nas áreas de educação e saúde. Muitos políticos africanos e ocidentais citam Ruanda como um exemplo de desenvolvimento bem-sucedido.
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Acusações de repressão à oposicionistas
De uma população total de pouco mais de 13,2 milhões de habitantes, cerca de 9,5 milhões de eleitores registrados foram convocados para as urnas na segunda-feira, em um dia de eleição marcado por calma, longas filas e entusiasmo para exercer seu direito democrático entre os ruandeses, cerca de dois milhões dos quais deveriam fazê-lo pela primeira vez.
No entanto, dois oponentes, Victoire Ingabire e Diane Rwigara, que criticam fortemente o governo de Kagame, foram proibidos pelas autoridades eleitorais de participar das eleições.
Organizações de direitos humanos há anos acusam o governo de Kagame de reprimir a mídia e a oposição política. A Anistia Internacional (AI) denunciou "ameaças, detenções arbitrárias, acusações forjadas e assassinatos", além de desaparecimento de dissidentes, entre outras coisas.
O país também enfrenta acusações no exterior de alimentar a instabilidade na vizinha República Democrática do Congo. Uma polêmica emenda constitucional de 2015 permite que Kagame possa, teoricamente, permanecer no cargo até 2034.
md (EFE, AFP)
O genocídio de Ruanda
O genocídio de Ruanda, em 1994, chocou o mundo. Na época, a comunidade internacional assistiu de braços cruzados – sobretudo França e a ONU – ao assassinato de cerca de 800 mil pessoas.
Foto: Timothy Kisambira
Estopim do genocídio
No dia 6 de abril de 1994, o avião em que viajava o então presidente de Ruanda, Juvénal Habyarimana, foi derrubado por um foguete quando se aproximava da capital Kigali. O atentado matou Habyarimana, o presidente do Burundi e outros oito ocupantes da aeronave. No dia seguinte, começam os massacres, que duraram três meses e custaram a vida de pelo menos 800 mil ruandeses.
Foto: AP
Vítimas escolhidas a dedo
Depois do assassinato do presidente, extremistas hutus começaram a atacar membros da minoria tutsi e hutus moderados. Os assassinos estavam bem preparados e escolhiam suas vítimas entre ativistas de direitos humanos, jornalistas e políticos. Entre as primeiras vítimas, no dia 7 de abril de 1994, estava a primeira-ministra Agathe Uwilingiyimana.
Foto: picture-alliance/dpa
Resgate de estrangeiros
Enquanto nos dias posteriores milhares de ruandeses eram mortos diariamente em Kigali e no interior, forças especiais belgas e francesas retiram do país cerca de 3.500 estrangeiros. Paraquedistas belgas resgataram em 13 de abril os sete funcionários alemães da Deutsche Welle em Kigali, juntamente com suas famílias. Apenas 80 dos 120 empregados locais da emissora sobreviveram ao genocídio.
Foto: P.Guyot/AFP/GettyImages
Grito de socorro
Já no início de 1994, o comandante das tropas de paz da ONU, o canadense Roméo Dallaire, tinha indícios de um planejado extermínio da população tutsi. Sua mensagem à ONU, conhecida como o "fax do genocídio", enviada em 11 de janeiro, foi rejeitada. Os apelos posteriores do general durante o genocídio também foram ignorados pelo então chefe das operações de manutenção da paz, Kofi Annan.
Foto: A.Joe/AFP/GettyImages
Mídias do ódio
O filme "Hate Radio", do diretor suíço Milo Rau (foto), lembra a estação de rádio Mille Collines (RTLM) que, junto ao jornal semanal "Kangura" incitava o ódio contra os tutsis. Kangura, por exemplo, publicou já em 1990 os "Dez mandamentos hutus", com alto teor racista. A Mille Collines, popular pela música pop e pela cobertura esportiva, fazia chamadas diárias pela perseguição e morte de tutsis.
Foto: IIPM/Daniel Seiffert
Refúgio no hotel
Em Kigali, Paul Rusesabagina escondeu mais de mil pessoas no Hotel des Mille Collines. Depois que o gerente belga deixou o país, Rusesabagina o sucedeu no cargo. Com muito álcool e dinheiro, ele conseguiu impedir as milícias hutus de matar os refugiados. Em muitos outros refúgios, as vítimas não conseguiram escapar de seus assassinos.
Foto: Gianluigi Guercia/AFP/GettyImages
Massacres em igrejas
Mesmo igrejas, onde muitos buscaram refúgio, não foram respeitadas. Cerca de 4 mil homens, mulheres e crianças foram mortos na igreja de Ntarama, perto de Kigali, por assassinos portando machados e facões. Hoje, a igreja é um dos muitos memoriais do massacre. Crânios e ossos humanos, além de buracos de bala nas paredes, lembram até hoje o genocídio.
Foto: epd
O papel da França
Paris manteve laços estreitos com o regime hutu. Quando os rebeldes da Frente Patriótica Ruandesa (FPR) já tinham ganhado terreno sobre os autores de genocídio, em junho, o Exército francês entrou em ação. Ele permitiu que soldados e milicianos responsáveis pelo genocídio fossem com armas para o Zaire, atual República Democrática do Congo.
Foto: P.Guyot/AFP/GettyImages
Fluxo de refugiados
Durante os massacres, milhões de ruandeses, tutsis e hutus, fugiram para os países vizinhos Tanzânia, Zaire e Uganda. Só no Zaire (hoje RDC), foram dois milhões de refugiados. Ex-membros do Exército e os autores de massacres fundaram as Forças Democráticas pela Libertação de Ruanda, que são até hoje um fator de insegurança no leste do Congo.
Foto: picture-alliance/dpa
Tomada de Kigali
Diante da Igreja da Sagrada Família, em Kigali, patrulham em 4 de julho de 1994 rebeldes da RPF. Nessa época, eles já haviam libertado a maioria das regiões do país e forçado os assassinos a baterem em retirada. Ativistas de direitos humanos se queixam, no entanto, que os rebeldes também cometeram crimes pelos quais ninguém foi responsabilizado até hoje.
Foto: Alexander Joe/AFP/GettyImages
Fim do genocídio
O general Paul Kagame, líder da RPF, declarou em 18 de julho de 1994 o fim da guerra contra as forças do governo. Os rebeldes assumiram o controle da capital e outras grandes cidades. A princípio, empossaram um governo provisório. Desde o ano 2000, Kagame é o presidente de Ruanda.
Foto: Alexander Joe/AFP/GettyImages
Cicatrizes permanentes
O genocídio durou quase três meses. A maioria das vítimas foi brutalmente assassinada com facões. Vizinhos mataram vizinhos. Cadáveres e partes de corpos de bebês, crianças, adultos e idosos se amontoavam ao longo das ruas. Poucas famílias foram poupadas. Não só as cicatrizes nos corpos dos sobreviventes mantêm viva a memória do genocídio.