Europeus temem que desestabilização possa levar ao ressurgimento do EI, enquanto árabes condenam violação da soberania síria. EUA negam ter dado aval à operação militar de Ancara. Potências avaliam como reagir.
Anúncio
A operação militar iniciada pela Turquia no norte da Síria contra combatentes curdos foi amplamente criticada por diversos países e organizações internacionais nesta quinta-feira (10/10).
Após a decisão dos Estados Unidos de retirar suas tropas da região controlada pelas milícias que formam as Forças Democráticas Sírias (SDF), aliadas de Washington no combate aos extremistas do "Estado Islâmico" (EI), Ancara não tardou em dar início a ataques aéreos e de artilharia contra posições das Unidades de Proteção do Povo (YPG), o principal braço armado das SDF.
Alguns governos e organizações avaliam tomar medidas concretas contra o governo turco, inclusive com a possibilidade de impor sanções para forçar o país a voltar atrás na ofensiva. Os aliados da Turquia no Ocidente temem que o ataque contra as SDF possa levar ao ressurgimento do EI.
O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, pediu o fim da operação militar e alertou que a União Europeia (UE) não vai contribuir financeiramente para a zona segura que a Turquia almeja criar na fronteira com a Síria. "Não esperem que a UE vá custear alguma parte disso", afirmou em Bruxelas.
O ministro alemão do Exterior, Heiko Maas, condenou "nos termos mais fortes" a ofensiva e pediu que Ancara defenda de forma pacífica seus interesses de segurança na região.
"A Turquia está apoiando o aumento da desestabilização, ao mesmo tempo em que arrisca possibilitar a ressurgência do EI", disse o ministro, acrescentando que as ações do país no norte da Síria poderão resultar em uma crise humanitária e uma nova onda de refugiados.
Maas expressou as preocupações de seu país em conversa telefônica com o ministro do Exterior turco, Mevlüt Cavusoglu. A Alemanha e a UE temem "consequências negativas graves e o ressurgimento do EI, apesar de toda a compreensão sobre os interesses de segurança".
O ministro do Exterior da França, Jean-Yves Le Drian, também condenou a operação militar, enquanto seu homólogo britânico, Dominic Raab, expressou "sérias preocupações" de seu país em relação à ofensiva turca.
O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, afirmou que a Turquia possui "preocupações legítimas de segurança", mas pediu que o país aja com moderação.
Países árabes, incluindo Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Bahrain, Kuwait e Iraque, condenaram o que chamaram de violação da soberania síria. A Liga Árabe se reunirá para discutir a ofensiva militar turca.
O Conselho de Segurança da ONU realiza nesta quinta-feira uma reunião de emergência para discutir a questão. A sessão foi convocada pela Alemanha, com o apoio dos demais países europeus no conselho – França, Reino Unido, Polônia e Bélgica.
O presidente russo, Vladimir Putin, pediu em conversa telefônica com o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, que ele "pense com cuidado" sobre o plano de ação, "para não prejudicar os esforços para a resolução da crise na Síria". O regime sírio é um tradicional aliado de Moscou.
Por sua vez, o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, afirmou que os Estados Unidos não deram aval à ofensiva turca, como chegou a ser especulado.
O presidente dos EUA, Donald Trump, foi severamente criticado por diversos países ao abandonar seu comprometimento na região e deixar os aliados curdos de Washington – que atuaram de modo decisivo na frente de batalha contra os extremistas – em condição vulnerável no território que ocupam no norte da Síria.
Em entrevista à emissora pública americana PBS, Pompeo defendeu a decisão de Trump de retirar suas tropas, também afirmando que Ancara tem "preocupações legítimas de segurança" e lida com uma "ameaça terrorista" ao sul de seu território.
No Senado americano, republicanos e democratas decidiram agir em conjunto – num dos raros moimentos de unidade entre os partidos rivais – na criação de um projeto de lei para congelar todos os bens dos líderes turcos nos EUA e bloquear de imediato uma venda de armamentos ao país. A medida, se aprovada, poderá resultar em punições para outras nações que comercializarem armas para as forças turcas.
O que se iniciou com protestos pacíficos em 2011 virou uma guerra civil brutal que já matou centenas de milhares de pessoas e fez milhões de refugiados. Reveja os principais acontecimentos.
Foto: Reuters/Stringer
2011: O início
Em 15 de março de 2011, protestos pacíficos contra a detenção de jovens acusados de fazer pichações antigoverno em sua escola, na cidade de Daraa, são reprimidos por forças de segurança, que abrem fogo contra manifestantes desarmados, matando quatro. Os protestos continuam por vários dias, fazendo 60 mortos e se espalham por todo o país. Segue-se um período de repressão violenta.
Foto: Anwar Amro/AFP/Getty Images
2011/2012: Isolamento internacional
O ex-presidente Barack Obama insta o presidente Bashar al-Assad a renunciar, e os EUA anunciam sanções a Assad em maio e congelam bens do governo sírio nos EUA em agosto de 2011. A União Europeia também anuncia sanções, em setembro. Em novembro, a Liga Árabe suspende a Síria e impõe sanções ao regime. Também a Turquia anuncia uma série de medidas, incluindo sanções, em dezembro.
Foto: AP
2012: Observadores internacionais desistem
Em dezembro de 2011, a Síria permite a entrada de observadores da Liga Árabe para monitorar a retirada de tropas e armas de áreas civis. A missão é suspensa em janeiro de 2012. Em fevereiro, os EUA fecham sua embaixada em Damasco. Em abril de 2012, chegam observadores da ONU, que partem dois meses depois por falta de segurança.
Foto: REUTERS
2013: Ataque com gás
Em março, um ataque com gás mata 26 pessoas, ao menos a metade deles soldados do governo, na cidade de Khan al-Assal. Investigação da ONU conclui que foi usado gás sarin. Em agosto, outro ataque com gás mata centenas em Ghouta Oriental, um subúrbio de Damasco controlado pelos rebeldes. A ONU afirma que mísseis com gás sarin foram lançados em áreas civis. Os EUA e outros países culpam regime sírio.
Foto: picture-alliance/AP Photo
2013: Destruição de armas químicas
Em agosto, investigadores da ONU chegam à Síria para averiguar o uso de armas químicas, em meio a denúncias de médicos e ativistas. EUA afirmam que 1.429 pessoas morreram num ataque, e Obama pede ao Congresso autorização para ação militar. Em setembro, o Conselho de Segurança da ONU ameaça usar a força e, em outubro, Damasco inicia a destruição de seu arsenal declarado de armas químicas.
Foto: AFP/Getty Images
2014: EUA atacam "Estado Islâmico"
Em setembro, os EUA iniciam ataques aéreos a alvos do "Estado Islâmico" na Síria. Em outubro, o mediador da ONU, Staffan de Mistura, começa a negociar uma trégua ao redor de Aleppo, mas o plano fracassa meses depois.
Foto: picture-alliance/AP Photo/V. Ghirda
2015: Rússia entra no conflito
Em setembro, a Rússia, que desde o início fornecera ajuda militar ao governo sírio nos bastidores, entra ativamente no conflito, bombardeando opositores do regime. A ajuda se mostra decisiva, e a guerra civil passa a pender para o lado de Assad, que nos meses seguintes recupera território perdido para os rebeldes.
Foto: Reuters/Rurtr
2016: Governo controla Aleppo
A ONU e a Opac afirmam que tanto militares sírios quanto o "Estado Islâmico" usaram gás em ataques a opositores. O ano é marcado por várias tentativas de tréguas. Em setembro, a cidade de Aleppo é alvo de 200 ataques aéreos por forças pró-Assad num fim de semana. Em dezembro, as forças governamentais assumem controle de Aleppo, encerrando quatro anos de domínio dos rebeldes.
Foto: Getty Images/AFP/G. Ourfalian
2017: Ataque em Idlib
Em fevereiro, Rússia e China vetam resolução do Conselho de Segurança da ONU pedindo sanções ao governo sírio pelo uso de armas químicas. Em abril, ao menos 58 pessoas morrem na província de Idlib, dominada pelos rebeldes, no que aparenta ser um ataque com gás. Testemunhas afirmam que o ataque foi executado por jatos sírios e russos, mas tanto Moscou quanto Damasco negam bombardeio.
Foto: Getty Images/AFP/O. H. Kadour
2017: Resposta dos EUA
Em abril, os EUA lançam dezenas de mísseis sobre a base militar de onde se acredita ter saído o ataque em Idlib. Em maio, o presidente Donald Trump aprova planos para armar combatentes das milícias curdas YPG na luta contra o "Estado Islâmico". A medida enfurece a Turquia, que vê as YPG como um grupo terrorista. Em outubro, o "Estado Islâmico" perde o controle de Raqqa, sua autoproclamada capital.
Em janeiro, aviões turcos bombardeiam a região curda de Afrin, dando início à operação contra as YPG intitulada "Ramo de Oliveira". A Turquia anuncia a morte de centenas de "terroristas", mas entre os mortos estão dezenas de civis, dizem ativistas. Em fevereiro, as milícias YPG chegam a acordo com o regime sírio para o envio de tropas pró-governo para auxiliar no combate aos turcos em Afrin.
Foto: picture alliance/AA/E. Sansar
2018: Ofensiva em Ghouta Oriental
Em 21 de fevereiro, tropas pró-regime executam ofensiva em larga escala contra enclave rebelde localizado ao leste de Damasco. Em torno de 400 mil civis ficam sitiados, com acesso limitado a alimentos e cuidados médicos. Os ataques matam centenas de pessoas. No dia 24 de fevereiro, o Conselho de Segurança da ONU aprova trégua humanitária de 30 dias vigente em todo o território sírio. Ela fracassa.
Foto: Reuters/B. Khabieh
2018: O bombardeio ocidental
Após dias de ameaça, em 14 de abril Trump anuncia o lançamento de mais de cem mísseis, em conjunto com França e Reino Unido, na Síria. O ataque é uma retaliação ao ataque químico na cidade de Duma, que matou dezenas de civis e que o Ocidente atribui ao regime de Bashar al-Assad.
Foto: picture-alliance/AP Photo/L. Matthews
2019: Estados Unidos começam a se retirar da Síria
Em janeiro de 2019, os Estados Unidos começaram a se retirar da Síria. O presidente americano afirmou que o Estado Islâmico havia sido derrotado e, por isso, a presença dos EUA não seria mais necessária. A decisão foi contestada dentro do próprio governo e também pelas milícias curdas na Síria, aliadas dos EUA, que temiam enfraquecer-se.
Foto: Getty Images/AFP/D. Souleiman
2019: fim do autoproclamado califado do EI
Em março de 2019, as Forças Democráticas Sírias (FDS), aliança liderada por curdos, anunciaram que o autoproclamado califado do Estado Islâmico foi totalmente eliminado, após combates em Baghouz, considerado o último reduto jihadista na Síria. Militantes curdos e árabes das FDS, apoiados pela coalizão internacional liderada pelos EUA, combatiam há várias semanas os jihadistas.