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PolíticaFrança

Laços com Rússia podem se voltar contra Le Pen no 2º turno

14 de abril de 2022

Proximidade da candidata de extrema direita à Presidência francesa não afetou seriamente seu desempenho no primeiro turno. Agora não será tão fácil ela convencer o eleitorado mais ciente de questões geopolíticas.

Marine Le Pen e Vladimir Putin apertam-se as mãos
Le Pen wm visita a Putin no Kremlin, em 2017Foto: Mikhail Klimentyev/AP/picture alliance

Quando Moscou iniciou sua invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro, a líder da extrema direita francesa Marine Le Pen uniu-se ao coro internacional condenando a invasão.

"Nenhuma razão pode justificar o lançamento de uma operação militar pela Rússia que destrói o equilíbrio de paz na Europa: isso precisa ser condenado inequivocamente", declarou num comunicado à imprensa, acrescentando que as manobras deveriam parar imediatamente.

À mídia, a chefe do Reagrupamento Nacional (RN) disse ser "natural" a França acolher refugiados ucranianos. Seis semanas mais tarde, nas eleições presidenciais, ela só ficou atrás do mandatário Emmanuel Macron, qualificando-se para enfrentá-lo no segundo turno.

No entanto, as palavras de Le Pen contrastam fortemente com sua proximidade histórica ao presidente russo, Vladimir Putin. Poucas semanas antes do pleito anterior, em 2017, a recebeu no Kremlin. A foto do aperto de mão entre os dos políticos ilustra um dos panfletos de campanha de Le Pen, impresso antes da guerra e em seguida recolhido.

Em seu manifesto, a ultradireitista pleiteia uma "aliança" com a Rússia, por exemplo na política de segurança europeia. Para a campanha anterior, ela recebera um empréstimo de 9 milhões de euros (45,8 milhões de reais) de um banco russo.

Igualmente em 2017, referindo-se à invasão e anexação da península ucraniana da Crimeia, condenada pela comunidade internacional em peso, ela disse na emissora francesa BFMTV: "Não acho, de forma alguma, que se possa falar de anexação ilegal. Os habitantes da Crimeia declararam num referendo que queriam ser parte da Rússia." Até pouco antes da guerra, Le Pen também afirmava não acreditar "de forma alguma" que os russos fossem invadir a Ucrânia.

"União em torno da bandeira" para Macron

O acadêmico ucraniano Anton Shekhovtsov, diretor da ONG Centro para Integridade Democrática, sediada em Viena, lembra que essa postura de Le Pen era típica dos movimentos de ultradireita.

Marine Le Pen comemora passagem para o 2º turnoFoto: Pascal Rossignol/REUTERS

"Partidos como o RN ou a Liga da Itália [...] costumavam pensar que, mostrando ser aliados do importante protagonista geopolítico Putin, eles deixariam de ser siglas marginais, passando a formar um mainstream alternativo."

"Claro, agora que Putin se tornou tóxico aos olhos da sociedade internacional, Le Pen não pode mais se permitir ser vista como alguém próximo à Rússia. Afinal de contas, ela é uma populista, ela escuta o que o povo diz", explica o autor do livro Russia and the Western far right: Tango noir (Rússia e a extrema direita ocidental: Tango noir).

A popularidade de Le Pen nas enquetes sofreu um baque após o começo da invasão, apesar de ela condenar Moscou. A cotação de Macron, por sua vez, subiu, auxiliada pelo efeito "união em torno da bandeira", que une os cidadãos em torno de seu líder, em tempos de crise.

Eleitorado de Le Pen não se importa com o mundo

Tendo falhado no passado em criar uma nova estrutura de segurança europeia incluindo a Rússia, o presidente estava agora na linha de frente das tentativas internacionais de mediar entre os dois países em guerra. Mas aí a maré eleitoral virou.

"Os eleitores viram que os esforços de Macron não davam resultado", comenta o pesquisador-chefe da Universidade Sciences Po, de Paris, e especialista em Rússia Jacques Rupnik. "Nesse meio tempo, Le Pen passou a se concentrar nos efeitos da guerra e como as sanções ocidentais estavam aumentando os preços no país."

A populista passou a se apresentar como a candidata próxima à população, prometendo fazer caírem os preços dos gêneros de primeira necessidade e abordando a principal apreensão do eleitorado: o declínio de seu poder aquisitivo. Por sua vez, Macron basicamente se manteve distante da rota de campanha, concentrando-se na crise internacional, parecendo desconectado das preocupações populares.

Segundo Gilles Ivaldi, pesquisador associado de política no Centro Nacional de Pesquisa Científica da França, outro fator positivo para Le Pen foi concentrar-se em seu eleitorado tradicional no primeiro turno.

"Seus apoiadores usuais são, em grande parte, da classe operária ou média-baixa, desinteressados em tópicos geopolíticos, internacionais." Assim, embora ela tenha repetido seu ponto de vista em relação à Crimeia apenas poucos dias antes do pleito, seus eleitores aparentemente não se abalaram.

Segundo turno puxado

O primeiro turno foi muito mais apertado do que se previra semanas antes. O segundo, em 24 de abril, poderá ser mais puxado para Le Pen: as pesquisas de intenção de voto predizem que os dois candidatos estarão pau a pau. No entanto, para ter uma chance de vencer, a ultradireitista terá que ampliar seu círculo de simpatizantes.

"Ela vai precisar angariar apoio de cidadãos mais moderados e educados, que são mais bem informados e mais apreensivos com a proximidade dela à Rússia", observa Ivaldi.

Esse público inclui o eleitorado da candidata de centro-direita, Valéria Pécrèsse, os 26% que não participaram da primeira rodada, e os adeptos do esquerdista Jean-Luc Mélenchon. Assim, o pesquisador crê que o campo de Macron usará os laços com Putin contra ela.

"A vizinhança da ultradireita com autocratas como Putin, mas também [premiê] Viktor Orbán, da Hungria, e o governo de direita polonês, mostra que o RN ainda é um partido extremista, com uma plataforma nacionalista e xenófoba", frisa Gilles Ivaldi.

Em entrevista à rádio francesa RTL na segunda-feira (11/04), o ministro da Economia e apoiador de Macron Bruno Le Maire qualificou Le Pen como "aliada de Putin": "São duas visões opostas", enfatizou, acrescentando que a Europa será um lugar diferente, caso ela vença.

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