Mineira Silvia Noronha produziu pedras a partir da onda de lama tóxica do desastre da Samarco, em Minas Gerais, para questionar como será a aparência do planeta no futuro e a responsabilidade humana sobre a catástrofe.
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A tragédia de Bento Rodrigues, em Mariana, vista por alienígenas daqui a cem mil anos: parece o cenário de um filme pós-apocalíptico, mas na verdade é uma série de obras da artista brasileira Silvia Noronha, expostas na Alemanha.
A mineira coletou a lama tóxica proveniente do rompimento da barragem da mineradora Samarco em 2015 e, simulando a passagem do tempo, transformou-a em pedras de aparência alterada. O resultado, segundo ela, denuncia como o homem tem modificado a natureza de maneira catastrófica, o que dará ao planeta uma face bem diferente da atual no futuro.
A coleta de sete quilos da lama ocorreu em três visitas da artista à área de Bento Rodrigues. Além de amostras de terra, a lama colorida continha outros resíduos, como vidro, restos de dispositivos eletrônicos, metais e plásticos.
"Toda informação contida na superfície afetada pelo desastre foi alterada num curto espaço de tempo, o que vem acontecendo em vários episódios em todo o planeta. Foi a partir daí que tive a ideia de usar a lama de Bento Rodrigues como matéria para projetar 'pedras especulativas', pois entendo que esse material contém uma enorme quantidade de informações provenientes da catástrofe", diz Noronha.
A transformação do material ocorreu com a aplicação de altas temperaturas, de até 1.400 graus Celsius, e pressão elevada, procedimento executado na Universidade Técnica de Berlim. As pedras têm aparências diversas: algumas são mais parecidas com cerâmica e outras exibem surpreendentes misturas de cores por conta da fusão dos materiais e minerais contidos na lama.
Para a artista, o resultado conta uma história de descaso com o meio ambiente e de um capitalismo desastroso. Ela também trabalhou o tema numa série executada na Grécia, onde o aumento da mineração de ouro e cobre na península de Halkidiki se intensificou após a crise econômica do país.
Geologia pós-humanística
Embora não haja como saber se as pedras do futuro serão iguais ou ao menos semelhantes às criadas pela artista, as pedras especulativas provocam reflexões que permitem questionar o presente. O que, para Noronha, já é uma maneira de mudar o futuro.
"Nós, humanos, agregamos à natureza novos materiais: plástico nos oceanos, poluição química no ar e na terra através da indústria e da agricultura, todo o lixo que não é decomposto, resto de materiais eletrônicos", diz ela.
"Num primeiro momento, esses materiais são aliens ao meio, mas, com o passar do tempo, vão sendo incorporados a ele. Acredito que a natureza, no futuro, terá uma estética bem diferente da que conhecemos hoje, por exemplo com novas formações geológicas decorrentes da interferência humana."
E as modificações introduzidas pelos seres humanos, explica, permanecerão mesmo se, num futuro muito distante, o planeta não for mais dominado pela espécie humana ou caso seja visitado por alienígenas que tentem entender a história terrestre por meio das rochas. É o que a artista chama de "geologia pós-humanística".
A série será parte de uma exposição em Colônia, de 7 de outubro até 4 de novembro, depois de ter passado por Berlim. Segundo a artista, há interesse de galerias brasileiras em receber o trabalho, mas ainda não há previsão de exposição no Brasil.
A tragédia de Mariana, um ano depois
O retrato dos vilarejos inundados pela lama da mineração. Num cenário de devastação, moradores ainda resistem à tragédia e esperam compensação da empresa responsável pelo maior desastre ambiental ocorrido no Brasil.
Foto: DW/N. Pontes
Fundão esvaziada
Vista da antiga barragem de Fundão, em uso desde 2009 pela mineradora Samarco,
controlada pela Vale e BHP Billiton. O local foi escolhido pela empresa em 2005 para armazenar resíduos, já que a barragem de Germano estava perto de atingir a
capacidade total. Segundo o Ministério Público, mais de 40 milhões de
metros cúbicos de rejeitos vazaram após o colapso, em 5 de novembro de
2015.
Foto: DW/N. Pontes
Ponto do rompimento
Ponto exato onde a estrutura que barrava os rejeitos armazenados em Fundão se rompeu. Segundo relatório que avalia as causas do desastre, às 14h funcionários no escritório sentiram um forte tremor. Às 15h45, gritos de trabalhadores foram ouvidos no rádio, alertando que a barragem havia entrado em colapso. Dezenove pessoas morreram. Problemas na estrutura já haviam sido registrados.
Foto: DW/N. Pontes
Nova Santarém
Construção de estrutura para reforçar a barragem de Santarém, já existente. Com capacidade para 7,1 milhões de metros cúbicos, a barragem armazenava apenas água que era reutilizada no processo de mineração. Desde o rompimento de Fundão, Santarém está lotada de rejeitos, que transbordaram e destruíram vegetação, rios e casas até chegarem ao oceano Atlântico, no Espírito Santo.
Foto: DW/N. Pontes
Vale de lama
Planície onde ficava Bento Rodrigues, distrito de Mariana mais próximo
à barragem de Fundão. Área só pode ser acessada com autorização da
Samarco ou da Defesa Civil. As 206 famílias que residiam no local hoje
moram em casas alugadas pela empresa no centro da cidade. Para
antigos moradores, a maioria só sobreviveu porque a comunidade era
unida e todos se ajudaram na fuga.
Foto: DW/N. Pontes
Dique S4
Obras de construção do dique S4, em Bento Rodrigues. Estrutura terá capacidade para armazenar 1,05 milhão de metros cúbicos e deve ser finalizada em janeiro de 2017. Dique integra sistema de retenção de sedimentos, composto pelos diques S1, S2 e S3, já implantados. Depois de pronto, o S4 vai alagar parte de Bento Rodrigues, mas ruínas importantes do vilarejo serão poupadas, afirma a mineradora.
Foto: DW/N. Pontes
Ruínas da capela
Desde que o acesso foi restabelecido, arqueólogos trabalham no local para recuperar peças históricas. Duas mil foram encontradas até agora e encaminhadas para restauração. A única parte da igreja São Bento que resistiu à avalanche de lama foi a estrutura baixa. Para restaurá-la, profissionais adotaram os mesmos procedimentos feitos em escavações arqueológicas.
Foto: DW/N. Pontes
À espera do Novo Bento
A foto mostra parte da estrutura de uma casa em Bento Rodrigues, um ano após a tragédia. Comunidade será construída em novo local, conhecido como Lavoura. O terreno, de 350 hectares, está localizado a nove quilômetros do antigo distrito. Entrega está programada apenas para março de 2019. Moradores estão em fase de contratação de uma consultoria independente, que deve acompanhar todo o processo.
Foto: DW/N. Pontes
Protesto de sobreviventes
Nas paredes que ainda estão de pé, sobreviventes deixaram mensagens de protesto contra mineradora Samarco. Acesso ao local continua impedido, devido às obras de construção do dique S4 e por causa de furtos de objetos pessoais e de materiais que não foram levados pela onda de rejeitos, como portas e janelas. O distrito foi fundado há mais de 200 anos e ficava a 35 quilômetros do centro de Mariana.
Foto: DW/N. Pontes
Ritmo de recuperação
Ribeirão do Carmo, próximo à comunidade de Paracatu de Baixo, uma das áreas atingidas pelos rejeitos que vazaram de Fundão. A última vistoria técnica do Ibama concluiu que a semeadura, que é o plantio de gramínea e leguminosas às margens dos rios para ajudar a conter os rejeitos, tem muitos problemas e precisa ser refeita em 90% dos locais.
Foto: DW/N. Pontes
Horta sobre a lama
Antônio Geraldo de Oliveira, 63 anos, nasceu na comunidade de Paracatu de Baixo e se recusa a deixar o local. Ele perdeu o contato com a esposa e filhos, que se mudaram para o centro de Mariana após o desastre. O produtor rural removeu sozinho a lama que encobriu seu terreno e plantou uma horta. Ao fundo, é possível ver os rejeitos, que tomaram a área de um antigo canavial.
Foto: DW/N. Pontes
Deserto
Nas ruas do antigo vilarejo de Paracatu de Baixo, onde viviam 103 famílias, ainda circulam alguns animais abandonados. Dentre os moradores que decidiram ficar estão apenas homens. A maioria perdeu o contato com a família depois da tragédia. O novo vilarejo será construído no distrito de Monsenhor Horta. A expectativa é que o projeto urbanístico seja concluído até o fim do ano.