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MigraçãoItália

Lampedusa, a ilha italiana no centro da crise migratória

15 de setembro de 2023

Caos no acolhimento de migrantes em Lampedusa é agravado pela obsolescência das regras de asilo da UE. Países europeus discutem novo pacto migratório, em meio ao aumento da chegada de refugiados ao continente.

Migrantes acampados na zona portuária de Lampedusa
Migrantes permanecem acampados na zona portuária de Lampedusa em meio a falta de recursos e à sobrecarga do centro de acolhimentoFoto: Yara Nardi/REUTERS

Após a chegada de 6.750 migrantes à ilha italiana de Lampedusa nos últimos dias, a Guarda Costeira e o Ministério do Interior da Itália anunciaram a remoção imediata dos acolhidos nos abrigos superlotados, para a Sicília ou para a parte continental do país.

O governo da Sicília anunciou que uma barca com capacidade para 700 passageiros estava a caminho. Outros 180 seriam embarcados em voos organizados pela Organização Internacional para a Migração (OIM) da ONU.

"Condições apocalípticas"

A Cruz Vermelha italiana, que administra o "Hotspot", como é chamado o centro de acolhimento de migrantes em Lampedusa, declarou em seu portal de internet que a situação estava tensa, mas que se fazia todo o possível para assegurar os cuidados essenciais.

O pároco de Lampedusa, Don Carmelo Rizzo, relatou à agência de notícias Ansa que o abastecimento de água estava ameaçado: "As condições são apocalípticas." A Cruz Vermelha pretende passar a transferir os migrantes para a Itália continental no dia mesmo em que chegarem à ilha.

Com capacidade máxima para 450, o "Hotspot" está completamente sobrecarregado. Isso força os migrantes a ficarem acampados em quebra-mares e no cais na zona portuária.

Na última quarta-feira (13/09) houve choques violentos com os agentes de segurança quando recém-chegados iniciaram um protesto contra as más condições. Na véspera, uma criança de colo caiu na bacia portuária e se afogou.

Aumentam travessias a partir da Tunísia

Segundo a imprensa italiana, ainda mais embarcações de migrantes aguardam para aportar em Lampedusa. A Guarda Costeira explicou que o grande afluxo ocorre em razão de um "congestionamento" no porto de Sfax, na Tunísia: durante dias o mau tempo impedira os barcos dos traficantes de pessoas de partirem, mas desde o inicio da semana as condições melhoraram.

Na Sicília e na Itália continental, os migrantes de Lampedusa são acomodados em centros de acolhimento, onde devem ser registrados. As autoridades italianas recebem a ajuda de funcionários da agência de asilo da União Europeia (UE) EASO e da agência de fronteiras do bloco, a Frontex.

Do total estimado de aproximadamente 120 mil chegados à Itália em 2023, somente uma minoria teve suas impressões digitais registradas e entrou com pedidos de asilo no país, segundo o Ministério do Interior em Roma.

A maioria deseja viajar para o norte, até países como Alemanha, França ou Áustria. Os centros de acolhimento não são fechados, e os migrantes podem deixar o local por conta própria.

A ONG Baobab Experience afirma que muitos permanecem na Itália apenas por poucos dias, antes de partirem rumo norte de ônibus ou trem, com ou sem a ajuda de traficantes.

Fronteiras reforçadas

A França voltou a reforçar os controles na fronteira com a Itália, que estão ativos há alguns anos. A Áustria fez o mesmo em sua fronteira sul, enquanto a Alemanha estabeleceu controles fronteiriços entre o estado da Baviera e o território austríaco.

Cruz Vermelha italiana administra o centro acolhimento de migrantes em Lampedusa, o "Hotspot"Foto: Alessandro Serrano/AFP/Getty Images

O efeito desses controles, porém, é limitado, afirma o pesquisador da migração Gerald Knaus. Qualquer indivíduo que entre no espaço de Schengen – os países europeus entre os quais há livre circulação – ou nos países da UE, sem passar por sistemas de controle de fronteiras, possui boas chances de conseguir chegar à Alemanha.

Em números absolutos, a Alemanha é o principal destino dos requerentes de asilo na UE, apesar de não estar nas fronteiras externas do bloco europeu – excetuados seus aeroportos.

 A Alemanha raramente deporta requerentes de asilo. Segundo o Departamento Federal para Migração e Refugiados (Bamf) do país, 220 mil novos pedidos de asilo foram encaminhados em 2023, até agosto. Em comparação, a Itália recebeu 64 mil requerimentos no mesmo período.

Itália ignora regras da UE

Há poucos dias, Alemanha e França suspenderam por completo o acolhimento voluntário de migrantes vindos da Itália. Em 2022, 3.500 foram transferidos do país mediterrâneo para outras nações da UE. Destes, em torno de mil foram para a Alemanha.

O ministro italiano do Interior, Matteo Piantedosi, reagiu com calma à decisão dos parceiros europeus, uma vez que essa estratégia não era de grande valia para o país. Ele confirmou que a Itália não adota mais as chamadas Diretrizes de Dublin, o procedimento de asilo da UE que obrigaria o país a aceitar de volta os migrantes que chegaram à Europa pela Itália.

"Não aceitamos mais as readmissões de migrantes de outros países, devido ao fluxo extraordinário que a Itália vem enfrentando há meses", declarou Piantedosi.

ONU pede "mecanismo de solidariedade"

O secretário-geral da ONU, António Guterres, renovou seu apelo por solidariedade entre os Estados europeus; "Os esforços não cabem somente aos países de entrada, mas devem ser compartilhados pelos demais países."

"Esse é um problema da UE. Deve haver um mecanismo de solidariedade. O fluxo inclui quem migra por questões econômicas. Deve ser possível identificar quem merece o status de refugiado, observando o respeito aos direitos humanos, ", afirmou Guterres na quarta-feira.

Após anos de duras negociações, os ministros do Interior da UE estão próximos de concluir um novo pacto sobre a imigração visando possibilitar procedimentos mais rápidos nas fronteiras e aceleração das deportações dos migrantes econômicos – os que buscam refúgio devido a dificuldades materiais em seus países de origem.

Estima-se que 120 mil migrantes tenham chegado à Itália em 2023, até agostoFoto: Alessandro Serrano/AFP/Getty Images

A Polônia e a Hungria, porém, rejeitam categoricamente o mecanismo de solidariedade, enquanto o governo italiano, também de direita, defende sua implementação. Segundo o ministro Piantedosi, a medida transferiria a responsabilidade dos países nas fronteiras externas da UE para todos os Estados-membros.

Em 28 de setembro, os ministros debaterão em Bruxelas o novo pacto sobre a imigração. Especialistas como o sociólogo Gerald Knaus creem que pode levar anos até as novas regras entrarem em vigor e seus impactos serem percebidos.

Tunísia não cumpre acordo

Um acordo entre a UE e a Tunísia, anunciado há dois meses, ainda não deu sinais de que estar funcionando. Bruxelas prometeu ajudar o regime tunisiano com o envio de 1 bilhão de euros, e espera em contrapartida a restrição do fluxo migratório a partir do país.  

No momento, ocorre exatamente o contrário, critica o eurodeputado holandês Jeroen Lenaers: o número de migrantes continua aumentando, sem que haja qualquer mudança por parte dos tunisianos.

A Comissão Europeia afirma que esse acordo é só um memorando de entendimento, não devendo ser visto como um tratado com efeito legal. O presidente tunisiano, Kais Saied, já afirmou reiteradamente que se recusa a fazer o papel de polícia de fronteira para a Europa, e que os migrantes não devem permanecer na Tunísia.

Meloni não vê "respostas concretas"

O pacto com a Tunísia foi negociado pelos primeiros-ministros da Itália, Giorgia Meloni, e da Holanda, Mark Rutte, juntamente com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

Meloni exaltou o acordo como um sucesso de sua diplomacia, mas admitiu em entrevista à emissora RAI, na última quarta-feira, que não existe ainda uma resposta definitiva à questão da imigração.

"A questão do reassentamento para outros países da UE é secundária. Muito pouca gente foi redistribuída a partir da Itália nos últimos meses. Isso é só um cobertor de segurança. A questão não é como redistribuímos, mas como cessamos as chegadas à Itália, e ainda não vejo respostas concretas para isso", reforçou a ultradireitista.

Bernd Riegert Correspondente em Bruxelas, com foco em questões sociais, história e política na União Europeia.
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