Suspeitas de candidaturas laranjas e de desvios de verbas envolvendo o partido do presidente criam nova dor de cabeça para o Planalto. Escândalo pode levar à primeira baixa no alto escalão do governo. Entenda a crise.
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Indícios de candidaturas laranjas e de desvios de verbas de campanha envolvendo o PSL nas eleições de 2018, apontados pelo jornal Folha de S.Paulo nos últimos dias, geraram mais uma crise no governo do presidente Jair Bolsonaro, que já sinaliza a possibilidade de fazer trocas no alto escalão da sua gestão. Entenda como surgiu o escândalo e quem está sob suspeita.
Candidatas laranjas em Minas Gerais
Em 4 de fevereiro, a Folha publicou uma reportagem afirmando que o hoje ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, deputado federal do PSL por Minas Gerais e presidente do partido no estado no ano passado, teria liderado um esquema envolvendo candidatas laranjas. Elas tiveram poucos votos e teriam usado parte da verba de campanha com empresas vinculadas ao ministro.
Responsável por decidir o lançamento de candidaturas do PSL em Minas Gerais por ser presidente da sigla no estado, Marcelo Álvaro Antônio aprovou a candidatura de quatro mulheres – duas para a Assembleia Legislativa mineira e duas para a Câmara Federal –, que receberam 279 mil reais da legenda para a corrida eleitoral.
Segundo a Folha, ao menos 85 mil reais desse total foram para quatro empresas de assessores, parentes ou sócios de assessores do hoje ministro. As quatro candidatas somaram 2.073 votos em 2018, e nenhuma foi eleita.
Em dezembro do ano passado, a Folha já tinha noticiado que outra candidata ao Legislativo estadual mineiro, Cleuzenir Souza, que recebeu 60 mil reais do partido e obteve cerca de 2 mil votos, registrou um boletim de ocorrência contra dois assessores de Marcelo Álvaro Antônio por cobrança de devolução de metade do valor da campanha.
O caso de Pernambuco
Menos de uma semana depois da publicação sobre o suposto esquema de candidatas laranjas em Minas Gerais, a Folha revelou que um grupo ligado ao atual presidente nacional do partido, Luciano Bivar (PSL-PE), deputado federal que ocupa a vice-presidência da Câmara dos Deputados, teria criado uma candidata laranja em Pernambuco para concorrer a uma vaga na Casa.
Maria de Lourdes Paixão recebeu 400 mil reais do partido e obteve apenas 274 votos. Foi a terceira candidata com maior repasse do PSL no país. Em comparação, a candidatura do presidente Jair Bolsonaro recebeu 269 mil reais do partido.
A candidata afirma que gastou quase toda a verba em uma gráfica para a confecção de santinhos e adesivos. No entanto, a reportagem da Folha visitou os endereços relacionados à gráfica e não encontrou sinais de que a empresa tenha funcionado durante as últimas eleições.
Cota feminina
A legislação brasileira prevê que 30% das candidaturas apresentadas pelos partidos aos tribunais eleitorais sejam preenchidas por mulheres. Na última eleição, os partidos também foram obrigados a disponibilizar 30% da cota do fundo partidários para campanhas com mulheres à frente. Muitos partidos usam candidatas como laranjas para o desvio de recursos públicos.
Um dos aspectos analisados pelo TSE para verificar se uma candidatura é laranja ou não é o número de votos. A candidatura que não obtém qualquer voto gera suspeitas. Em 2016, mais de 18 mil candidaturas tiveram votação nula, sendo 86% delas de mulheres.
Em setembro do ano passado, um levantamento do site The Intercept Brasil em conjunto com o portal AzMina verificou que, dos 35 partidos que disputaram as eleições em 2018, 22 tiveram candidatos com votação zerada em pleitos anteriores.
Escândalo atinge mais um ministro
Na quarta-feira (13/02), a Folha publicou outra suspeita de desvio de dinheiro público pelo PSL em Pernambuco. Gustavo Bebianno, ministro da Secretaria-Geral da Presidência e ex-presidente nacional do PSL, liberou 250 mil reais de verba de campanha para a candidatura de uma ex-assessora à Assembleia Legislativa pernambucana.
A maior parte do dinheiro foi para uma gráfica pertencente ao presidente do PSL no município de Amaraji, no interior de Pernambuco. A reportagem identificou pagamentos de sete candidatos do PSL para a gráfica, em valores que somam 1,23 milhão de reais. De acordo com o jornal, 88% desse montante foi aprovado por Bebianno, presidente nacional do partido durante as eleições e coordenador da campanha de Bolsonaro.
O que dizem os ministros e o PSL
À Folha, Luciano Bivar, atual presidente do PSL, negou que a candidata Maria de Lourdes Paixão seja laranja e afirmou que o repasse de 400 mil reais foi autorizado pela direção nacional do partido, presidido então por Bebianno. O ministro, por sua vez, rebateu Bivar e disse que repasses são de responsabilidade dos diretórios estaduais.
Sobre o caso mineiro, o ministro Marcelo Álvaro Antônio respondeu ao jornal que cumpriu "a distribuição do fundo partidário do PSL rigorosamente como determina a lei" e nega qualquer suposição de que tenha ocorrido candidaturas laranjas do partido em Minas Gerais.
Governo responde
Na quarta-feira, antes de receber alta do Hospital Albert Einstein, onde ficou internado por 17 dias após ser submetido a uma cirurgia, o presidente Jair Bolsonaro disse em entrevista ao Jornal da Record que, se Bebianno estiver envolvido em irregularidades, será responsabilizado.
"Lamentavelmente, o destino não pode ser outro a não ser voltar às suas origens", afirmou Bolsonaro. O recado foi entendido por analistas como um aviso de possível demissão do ministro. Caso se confirme, será a primeira baixa no alto escalão do governo.
O vice-presidente da República, José Hamilton Mourão, chamou de "grave" as acusações contra o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio.
Sérgio Moro, ministro da Justiça, afirmou nesta quinta-feira que as suspeitas sobre candidatos laranjas serão investigadas. "O presidente Jair Bolsonaro proferiu uma determinação, e ela está sendo cumprida. Os fatos vão ser apurados e, após as investigações, eventuais responsabilidades vão ser definidas", disse o ministro.
Racha de Bebianno com clã Bolsonaro
Homem forte da campanha de Bolsonaro à Presidência, Bebianno se desentendeu com integrantes do clã Bolsonaro. Após dizer que conversou com o presidente por telefone e por mensagens de texto e garantir que não havia crise alguma no governo, ele foi desmentido pelo vereador carioca Carlos Bolsonaro, um dos filhos do presidente.
Atuante nas redes sociais, Carlos fez diversas postagens na quarta-feira para negar que o presidente e Bebianno tenham falado sobre a crise. Uma das postagens tem um áudio de Bolsonaro se recusando a falar com o ministro: "Gustavo, não vou falar com ninguém, a não ser o estritamente necessário."
Nesta quinta-feira, Bebianno disse a aliados que não iria se demitir até falar com Bolsonaro.
Com diplomação, presidente eleito conclui primeira fase da transição e já tem o gabinete formado. Durante a campanha, ele prometeu reduzir número de ministros de 29 para 15, mas acabou com 22. Veja quem são.
Foto: picture-alliance/AP Images/L. Correa
Redução modesta
Durante a campanha, Jair Bolsonaro prometeu reduzir o número de ministérios de 29 para 15. Mas, durante a transição, o presidente voltou atrás e promoveu uma redução bem menor do que a prometida. Ao todo, há 22 pastas no novo governo. Entre os ministros, há filiados do DEM, PSL e MDB, além de dez com laços militares, dois discípulos de Olavo de Carvalho e apenas duas mulheres.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Izquierdo
Paulo Guedes
Guru econômico e ministro anunciado ainda durante a campanha, Paulo Guedes comanda o superministério da Economia, formado pela junção das pastas da Fazenda, do Planejamento e da Indústria e Comércio Exterior. O economista é investigado pelo Ministério Público Federal (MPF), suspeito de ter cometido fraudes na captação de recursos de fundos de pensão de estatais entre 2009 e 2013.
Foto: AFP/Getty Images
Onyx Lorenzoni
Deputado federal do DEM, Onyx Lorenzoni articulou a campanha de Bolsonaro desde 2017 e foi indicado para assumir a Casa Civil. Em sua carreira política, já foi deputado estadual no Rio Grande do Sul e, desde 2003, tem mandatos na Câmara. Após ser citado na delação da JBS, ele admitiu ter recebido caixa dois de campanha, e está sendo investigado pela Procuradoria-Geral da República.
Foto: Reuters/A. Machado
Sérgio Moro
Juiz federal que foi responsável pela Lava Jato em primeira instância, Sérgio Moro comandará o Ministério da Justiça. Seu decisão de entrar para a política causou polêmica. Foi ele quem condenou Lula pela primeira vez em 2017, o que marcou o início dos problemas do ex-presidente em registrar sua nova candidatura ao Planalto em 2018. Fato que ajudou Bolsonaro a assumir a liderança nas pesquisas.
Foto: Silvia Izquierdo/picture- alliance/AP Photo
Marcos Pontes
Astronauta que chegou a ser cotado para vice da chapa do PSL, Marcos Pontes chefiará o Ministério da Ciência Tecnologia. Formado em engenharia aeronáutica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica, Pontes se tornou o primeiro astronauta brasileiro da história e foi enviado ao espaço pela Missão Centenário, em 2006, durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele é filiado ao PSL.
A deputada federal Tereza Cristina (DEM) comandará o Ministério da Agricultura. Engenharia agrônoma e empresária, Tereza Cristina foi presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária e indicada pela bancada ruralista para o cargo. Ela defende a aprovação do projeto lei que flexibiliza as regras para a fiscalização e aplicação de agrotóxicos no país.
Foto: imago/Fotoarena/A. Mauricio
Ernesto Araújo
Diplomata de carreira, Ernesto Araújo assumirá o Ministério das Relações Exteriores. Discípulo de Olavo de Carvalho, ele atuou no Itamaraty em várias áreas, porém, nunca chefiou uma embaixada. Araújo mantinha um blog no qual fez campanha para Bolsonaro, chamou o PT de "Partido Terrorista" e disse querer libertar o mundo da "ideologia globalista". Admira Donald Trump e nega o aquecimento global.
Foto: Getty Images/AFP/S. Lima
Luiz Henrique Mandetta
Deputado federal do DEM (MS), Luiz Henrique Mandetta ficou com o comando do Ministério da Saúde. Médico ortopedista e ligado a Lorenzoni, ele era crítico do Programa Mais Médicos. Entre 2005 e 2010, Mandetta foi secretário municipal de saúde de Campo Grande. A passagem pelo cargo lhe rendeu um inquérito por suspeita de fraude em licitação, tráfico de influência e caixa dois.
Foto: Agência Brasil
Fernando Azevedo e Silva
O general da reserva Fernando Azevedo e Silva foi escolhido para o Ministério da Defesa. Natural do Rio, ele deixou o Alto Comando do Exército em 2018 e passou a assessorar o presidente do STF, Dias Toffoli. Azevedo e Silva foi chefe do Estado-Maior do Exército e comandante da Brigada Paraquedista, onde serviu ao lado de Bolsonaro. Chefiou ainda operações na Missão de Paz da ONU no Haiti.
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Ricardo Vélez Rodríguez
Escolha do colombiano antipetista Ricardo Vélez Rodríguez para assumir o Ministério da Educação foi indicação de Olavo de Carvalho. Nascido em Bogotá e naturalizado brasileiro, Vélez Rodríguez é formado em filosofia e mostrou apoiar várias das bandeiras defendidas por Bolsonaro, como a expansão de escolas militares no país e o combate a uma suposta predominância de ideias esquerdistas no ensino.
Foto: Agência Brasil
Tarcísio Gomes de Freitas
O ex-diretor do Dnit Tarcísio Gomes de Freitas chefiará o novo Ministério da Infraestrutura, que deve englobar a atual pasta de Transportes, Portos e Aviação Civil. No governo Temer, Freitas foi secretário de Coordenação de Projetos do Programa de Parceria em Investimentos e consultor legislativo da Câmara dos Deputados. O engenheiro civil iniciou a carreira no Exército e atuou no Haiti.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Gustavo Canuto
Servidor efetivo do Ministério do Planejamento, Gustavo Henrique Rigodanzo Canuto comandará o novo Ministério do Desenvolvimento Regional. Servidor sem filiação partidária, Canuto é formado em engenharia da computação e direito e já atuou na Secretaria Geral da Presidência da República, na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e na Secretaria de Aviação Civil.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Osmar Terra
Ex-ministro do governo Temer, Osmar Terra assumiu o novo Ministério da Cidadania e Ação Social. Médico, Terra é deputado federal pelo MDB desde 2001. Já foi prefeito de Santa Rosa (RS) e secretário de Saúde do RS. Terra poderá ser um dos ministros que trará dor de cabeça a Bolsonaro. O deputado apareceu na superplanilha da Odebrecht, que indicaria propinas pagas a políticos.
Foto: Viola Jr/Camara dos Deputados
Marcelo Álvaro Antônio
Deputado do PSL Marcelo Álvaro Antônio assumirá o Ministério do Turismo. Integrante da frente parlamentar evangélica, ele foi o candidato mais votado em Minas Gerais, reeleito para o segundo mandato neste ano. Antes de ser deputado, Antônio foi vereador de Belo Horizonte. Antônio é o segundo filiado do PSL escolhido por Bolsonaro para integrar seu governo.
Foto: Agência Brasil/Valter Campanato
Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior
O almirante Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior chefiará o Ministério de Minas e Energia. Ele atuou como diretor-geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha, foi observador do Brasil na Força de Paz das Nações Unidas em Sarajevo, na Bósnia-Herzegovina, e comandante de submarinos.
Foto: Getty Images/AFP/H. Retamal
Damares Alves
Pastora evangélica e assessora do senador Magno Malta (PR), Damares Alves foi escolhida para chefiar o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. A advogada trabalha há mais de 20 anos no Congresso. Ela já declarou que a mulher nasceu para ser mãe, se posicionou contra o feminismo e políticas voltadas a diminuir a discriminação de homossexuais. É contra a legalização do aborto e das drogas.
Foto: Agência Brasil/V. Campanato
Ricardo de Aquino Salles
Advogado e criador do Endireita Brasil, Ricardo de Aquino Salles será o ministro do Meio Ambiente. Salles foi secretário estadual do Meio Ambiente no governo de Geraldo Alckmin. É réu por improbidade administrativa, acusado de esconder alterações em mapas do zoneamento ambiental do rio Tietê, numa ação que teria favorecido mineradoras. Foi ainda diretor da Sociedade Rural Brasileira.
Foto: Imago/Fotoarena
Ministérios dentro do Planalto
Além da Casa Civil, outros três ministérios funcionam dentro do Planalto. Ex-presidente do PSL e aliado próximo de Bolsonaro, Gustavo Bebianno será o chefe da Secretaria-Geral. O general reformado que comandou a Missão ONU para a Estabilização no Haiti Augusto Heleno ficou com o Gabinete de Segurança Institucional. Já o general Carlos Alberto dos Santos Cruz ficará com a Secretaria de Governo.
Foto: Getty Images/AFP/M. Pimentel
AGU e CGU
A Advocacia-Geral da União (AGU) ficará sob o comando do advogado André Luiz de Almeida Mendonça, que, ao longo da carreira, atuou em áreas de transparência e combate à corrupção. O Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) continuará a ser chefiado por Wagner Rosário (foto). O servidor de carreira ocupa o cargo desde junho de 2017, indicado pelo ex-presidente Michel Temer.
Foto: Agência Brasil/Marcelo Camargo
Roberto Campos Neto
O chefia do Banco Central ficou com o economista Roberto Campos Neto, neto do ex-ministro do Planejamento Roberto Campos, que comandou a pasta entre 1964 e 1967, durante a ditadura militar. Próximo de Paulo Guedes, já atuou no banco Santader, no banco Bonzano Simonsen e na gestora de fundos Claritas.