Em palestra sobre corrupção na Alemanha, juiz federal diz que operação não é influenciada pelo jogo político. Moro chama de "infeliz" foto em que aparece rindo com Aécio Neves, mas ressalta que senador não é investigado.
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Moro diz que foto com Aécio foi "infeliz"
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Entre aplausos e vaias, o juiz federal Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato na primeira instância, afirmou em palestra em Heidelberg nesta sexta-feira (09/12) que as investigações sobre desvios de recursos da Petrobras são imparciais e não sofrem influência de interesses políticos.
Perguntado pela DW Brasil sobre a criticada foto em que aparece rindo ao lado do senador Aécio Neves (PSDB-MG) durante a premiação "Brasileiros do Ano de 2016", da revista IstoÉ, Moro afirmou que o político não é alvo Lava Jato.
"Foi um evento público, e o senador não está sob investigação da Justiça Federal de Curitiba. Foi uma foto infeliz, mas não há nenhum caso envolvendo ele", disse. Aécio Neves, um dos políticos mais citados nas recentes delações de executivos da Odebrecht e de funcionários da Andrade Gutierrez, teria recebido propina de Furnas, estatal do setor elétrico.
Moro destacou que as investigações estão focadas na Petrobras e, por isso, é natural que políticos da oposição não apareçam. "Se o crime é provado, haverá consequências. O PTB, o Solidariedade, PP e PT aparecem nas investigações, então não posso ver onde está a parcialidade na condução das investigações", disse. Ele evitou comentar a notícia de que a Odebrecht teria pago caixa 2 ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), nas campanhas eleitorais de 2010 e 2014. "Casos envolvendo políticos são encaminhados ao Supremo", argumentou.
O juiz disse discordar "totalmente" das críticas de que o processo legal não tem sido cumprido na Lava Jato. "A operação não é uma caçada às bruxas”, justificou ao dizer que não "joga com a política". "Nenhuma prisão aconteceu com base em opiniões políticas, mas em evidências de que crimes foram cometidos."
Para Moro, a Lava Jato dá ao Brasil a oportunidade de superar a "prática vergonhosa" de pagamento de propinas. "Há uma profunda erosão na confiança na democracia", afirmou. "A Lava Jato revela que muito pode ser feito para combater a corrupção sistêmica."
O juiz federal declarou que o Executivo e Legislativo precisam implementar políticas para combater a corrupção. Ao setor privado cabe implementar meios de controle interno para acabar com a "regra do jogo" do setor público, guiada pelo pagamento de propinas.
Protestos
Um grupo de cerca de 30 juristas e acadêmicos enviou uma carta à Universidade de Heidelberg argumentando que Moro não tem credibilidade para discursar sobre combate à corrupção no Brasil, por ser "parcial" em favor de partidos como PSDB e PMDB.
"O juiz federal Sérgio Moro incorreu em posturas as quais foram determinantes para o clima político de derrubada de um governo legítimo servindo, desta forma, aos piores interesses antidemocráticos", diz o texto, em referência ao vazamento de uma escuta telefônica entre a então presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no período de crise pré-impeachment.
Na plateia, brasileiros levantaram cartazes com dizeres "Moro na cadeia" e "parcialidade fere a democracia". Outros gritavam "Moro, meu herói". Os grupos trocaram insultos.
Perguntado por uma pessoa na plateia por que divulgou os áudios de escutas telefônicas de Dilma, Moro afirmou que as pessoas têm o direito de saber o que seus governantes fazem.
"É estranho que numa democracia as pessoas reclamem de uma revelação como essa. Desde o início das investigações decidimos que não iríamos esconder nenhuma informação do público", declarou ao ressaltar que a atitude "não foi uma exceção à regra".
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
Foto: imago/Fotoarena
As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/H. Alves
As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.