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Legislação inadequada dificulta combate ao tráfico humano no Brasil

Ericka de Sá, de Brasília30 de maio de 2014

Dois terços dos inquéritos abertos pela Polícia Federal são relacionados à exploração de pessoas. Lei brasileira, porém, não contempla uma série de modalidades do crime, que acaba muitas vezes impune.

Foto: picture-alliance/dpa

Dois terços dos inquéritos instaurados pela Polícia Federal são relacionados ao tráfico de pessoas. Apesar disso, as punições são brandas – quando não inexistentes – por falta de uma legislação completa e rigorosa. A avaliação é resultado do trabalho de quase dois anos da CPI do Tráfico de Pessoas da Câmara dos Deputados, que apresentou o relatório final na última semana. A inadequação legal leva à falta de punição severa, e a sensação de impunidade acaba prevalecendo.

“De acordo com o Código Penal atual, o tráfico de pessoas é punido com penas menos graves, por exemplo, que o tráfico de drogas, como se a droga fosse mais valorizada que a pessoa, e isso deve ser revertido”, alerta o conselheiro Guilherme Calmon, presidente do Grupo de Trabalho da Cooperação Jurídica Internacional do Conselho Nacional de Justiça, em entrevista à DW.

Nacionalmente, o estado de Goiás lidera o ranking desse crime, com 18,6% dos casos nos últimos dez anos. São Paulo é o segundo colocado, com 12,8% dos casos. Os casos mais frequentes são tráfico para fins de exploração sexual (79%), seguida do trabalho forçado (18%), sendo as mulheres as maiores vítimas.

Leis mais rigorosas

Após depoimentos, análise de casos e da legislação, a CPI identificou que apenas as modalidades de tráfico para fins de prostituição e de crianças e adolescentes estão de acordo com o padrão internacional definido pelo Protocolo de Palermo (convenção internacional assinada pelo Brasil que dá diretrizes para enfrentamento do problema).

Para adequar as leis nacionais ao que define a Convenção, foi instalada na Câmara uma comissão especial que vai sistematizar as propostas do projeto de lei – já em tramitação – que pretende deixar mais severas as punições. Entre as leis que deverão sofrer alterações estão o Estatuto da Criança e do Adolescente, e a Lei de Crimes Hediondos.

“Vários textos serão alterados, dando uma abrangência maior para o conceito, reconhecendo as outras modalidades do tráfico de pessoas, que até então não são reconhecidas pela nossa legislação, e também aumentando as penas, dando a ele [a esse conceito] a gravidade que ele merece ter”, explicou a relatora da CPI, deputada Flávia Morais, em entrevista à DW.

Segundo a deputada, entre os crimes que não estão tipificados corretamente estão adoção clandestina, tráfico de órgãos e tráfico para trabalhos forçados ou em condições análogas à escravidão. Modalidades mais recentes também causam preocupação, como a situação de meninos que saem do país com promessas falsas de contratos em times de futebol no exterior.

Impunidade

Sem as leis adequadas, muitos casos caem em um vácuo de impunidade quando chegam ao Judiciário. “A legislação brasileira está desatualizada: seja em relação a modalidades do tráfico de pessoas que hoje já são praticadas e foram identificadas e não recebem ainda um tratamento adequado na legislação; seja em relação à própria penalização”, comenta Guilherme Calmon.

O conselheiro do Conselho Nacional de Justiça diz que os crimes não se enquadram no direito penal – e, portanto, não são tratados como crime – ou são enquadrados em tipos mais brandos, com penas muito baixas. “Isso acaba gerando sensação de impunidade”.

Como resultado, o país se torna um local propício à prática do crime. “É necessário um aumento razoável das penas do tráfico de pessoas para valorizar o que é mais importante na nossa sociedade, que é a pessoa humana”.

Prevenção e assistência

Além da atualização legislativa, as atualizações também devem ocorrer nas redes de assistência às vítimas. Atualmente, o Ministério da Justiça coordena o plano nacional de enfrentamento ao tráfico de pessoas que, entre outras atividades, supervisiona a atuação de núcleos de prevenção e atendimento estaduais e municipais.

“A política [de enfrentamento a esse crime] teve uma forte ênfase na estruturação de um aparato administrativo que desse conta de um serviço público novo, que até então não existia”, explicou à DW o secretário Nacional de Justiça, Paulo Abrão, ao comentar as ações implementadas desde 2013, quando o Plano Nacional iniciou a segunda fase.

Ele menciona parcerias com meios de comunicação e entidades como a CNBB – que lançou campanhas contra essa modalidade de crime este ano – como importantes ferramentas de prevenção e conscientização. No âmbito da cooperação internacional, o Brasil está em negociação com outros membros do Mercosul para nortear as políticas regionais comuns sobre o tema.

Trabalho escravo: mais rigidez

Aprovada no Senado na quarta-feira passada (27/05), a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Trabalho Escravo determina a expropriação de imóveis onde se identifique a presença desse crime.

Segundo a lei, os terrenos ou imóveis rurais e urbanos “serão expropriados e destinados à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário que foi condenado, em sentença transitada em julgado”, ou seja, quando não houver mais possibilidade de recurso.

“A possibilidade de decretar a pena da perda de bem é mais uma ferramenta [para combater o trabalho escravo]”, avaliou o procurador -geral do Trabalho, Luís Camargo, em entrevista à DW no ano passado, quando a proposta voltou à pauta do Congresso.

Alguns parlamentares, entretanto, têm demonstrado o medo de a medida ser recebida com alarde pelos setores produtivos do país. Por isso, outra lei está em processo de votação no Senado para definir o procedimento de expropriação e a definição de trabalho escravo que será usada nessas condenações.

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