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Lei antiterrorismo no Brasil é controversa

Marina Estarque, de São Paulo19 de janeiro de 2015

Especialistas divergem sobre a necessidade de uma lei específica sobre atos terroristas no Brasil. Receio é que segurança nacional seja paga à custa das liberdades individuais e da criminalização de movimentos sociais.

Foto: Fotolia/S. Duda

Após os recentes ataques terroristas na França e a prisão de jihadistas na Bélgica e na Alemanha, diversos países aumentaram o alerta contra atentados. No Brasil, o massacre no semanário satírico Charlie Hebdo contribuiu para fazer ressurgir o debate sobre a necessidade de uma lei contra o terrorismo.

Atualmente, o país não tem uma legislação específica sobre o tema, mas há vários projetos de lei com esse fim. É o caso do PL 236/2012, conhecido como Novo Código Penal, e do PLS 499/2013, ambos em tramitação no Senado.

As propostas receberam especial atenção após as manifestações de junho de 2013, diante da expectativa da realização da Copa do Mundo de 2014. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) confirma que o alerta de ataques terroristas aumentou desde que o país começou a receber grandes eventos, como a Rio+20, e deve permanecer alto até as Olimpíadas, em 2016.

Para alguns especialistas, é fundamental e urgente a aprovação de leis contra o terrorismo, como uma forma de proteger o país. "Explodir uma bomba é diferente de um crime comum, tem consequências maiores para a sociedade e o sistema político, por isso, requer penas mais duras", defende Leandro Piquet Carneiro, professor do Instituto de Relações Internacionais da USP.

Entretanto, os projetos de lei são extremamente polêmicos, porque têm descrições bastante vagas sobre o que seria o terrorismo. As propostas foram consideradas por muitos, dentro do contexto das manifestações de 2013, como uma forma de criminalizar os movimentos sociais.

Margem para repressão

Especialistas alertam para risco de manifestações legítimas serem consideradas atos de terrorismoFoto: AFP/Getty Images

No caso do Novo Código Penal, o projeto define o fenômeno como "causar terror na população" mediante diversas condutas, que são descritas em seguida com maior detalhe. Entre elas, "incendiar, depredar, saquear, explodir ou invadir qualquer bem público ou privado".

"De acordo com esses projetos, ocupar a sede do Ministério da Educação, por exemplo, em um protesto sobre o aumento de salário de professores seria terrorismo. É algo muito diferente colocar uma bomba em um restaurante e invadir um espaço ou depredar o patrimônio", afirma o assessor de direitos humanos da Anistia Internacional Brasil, Mauricio Santoro.

Da mesma forma, o coordenador Programa de Justiça da ONG Conectas Direitos Humanos, Rafael Custódio, defende que todos os crimes já estão previstos no código penal brasileiro. "Se o ataque ao jornal Charlie Hebdo ocorresse no Brasil, os autores seriam processados pelos crimes de homicídio, formação de quadrilha, disparo de arma de fogo, porte ilegal de arma, lesão corporal, entre outros. E certamente teriam penas altíssimas".

Para Custódio, leis contra o terrorismo só serviriam para restringir liberdades individuais e coletivas. "Acreditamos que não precisamos criar qualquer disposição nova sobre o tema, mas investir em inteligência e nas carreiras do sistema de Justiça", afirma.

Já Carneiro acredita que é possível resguardar os movimentos sociais, mesmo com os projetos de lei específicos sobre o combate ao terrorismo. "Os Black Blocs ou o MST podem recorrer a formas violentas de protesto, mas isso não são atos terroristas. A tipificação tem que ser clara o suficiente para se distinguir da violência política", aponta.

Definição de terrorismo é vaga

Definição de terrorismo é vaga mesmo na ONUFoto: picture-alliance/dpa/Daniel Bockwoldt

Entretanto, não existe uma definição consensual e clara de terrorismo nem mesmo no âmbito das Nações Unidas. "Na América Latina, em geral, há uma dificuldade com esse conceito, que foi usado pelas ditaduras para se classificar uma série de movimentos pacíficos que contestavam o regime. Não é exclusividade do Brasil", diz Santoro.

De origem alemã, o professor do Instituto de Relações Internacionais da USP, Kai Enno Lehmann, questiona as noções de terrorismo criadas pela União Europeia após os atentados em 2011. "O que nós do Ocidente consideramos terrorismo muda com o tempo, basta ver o caso de Kadafi, na Líbia, que passou de terrorista a homem de Estado, depois para terrorista novamente, em poucos anos."

Carneiro argumenta que sempre vai haver uma "certa ambiguidade" com o termo, o que não impede a criação de leis. "Para isso temos um sistema judicial, para julgar o que se enquadra ou não como terrorismo", afirma.

Ele alerta que o país pode acabar gerando problemas para a comunidade internacional. "O Brasil é pouco propenso a ser alvo, mas o que nos torna vulneráveis são as redes transnacionais do crime, que podem servir de financiamento aos terroristas. Especialmente na tríplice fronteira".

Apesar de ter assinado e ratificado uma convenção das Nações Unidas contra o financiamento do terrorismo, o Brasil não tem uma lei específica para coibir a prática.

Ainda assim, Lehmann defende que o país não corre o risco de ser visto de forma negativa pela comunidade internacional. "É natural que o Brasil não tenha leis antiterrorismo, porque não é um problema brasileiro". Segundo o estudioso alemão, o país demonstrou que pode receber grandes eventos com segurança, sem a necessidade de novas medidas.

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