Liberdade de expressão ganha destaque na Feira de Frankfurt
14 de outubro de 2015
Maior evento literário do mundo tem a Indonésia como país homenageado neste ano, e Salman Rushdie, como convidado. Dois anos após reunir comitiva com 70 integrantes, Brasil é representado por apenas seis autores.
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A 67ª edição da Feira do Livro de Frankfurt abriu as portas nesta quarta-feira (14/10). Neste ano, o maior evento literário do mundo conta com a presença de mais de 7 mil expositores e tem a Indonésia como país homenageado.
Com o lema "17.000 ilhas da imaginação", cerca de 70 autores devem representar o a Indonésia em Frankfurt. Quase 90% da população seguem o islã, fazendo da Indonésia o maior país muçulmano do mundo. Além da religião, a liberdade de expressão desempenha um papel central na Feira do Livro deste ano.
Para a ministra alemã da Cultura, Monika Grütters, a história da Indonésia aguça a esperança "de que forças democráticas continuem sendo mais fortes que as forças do fundamentalismo islâmico". O país é uma prova de que "um islã esclarecido e liberal é possível", disse a ministra na cerimônia de abertura da feira, na noite de terça-feira.
Na coletiva de imprensa que antecedeu a abertura da feira, o escritor indo-britânico Salman Rushdie defendeu a liberdade de expressão, que estaria sendo ameaçada não apenas pela intolerância religiosa, mas também por uma compreensão equivocada do liberalismo. "A liberdade da palavra é um direito universal da humanidade. Sem essa liberdade, todas as outras liberdades devem fracassar", disse Rushdie.
Na semana passada, o Irã anunciou que boicotaria a Feira de Frankfurt devido à presença de Rushdie, orador convidado do evento. Em 1989, a República Islâmica emitiu uma fatwa (decreto estabelecido por autoridade muçulmana) pedindo o assassinato do escritor, que sempre exerceu forte crítica sobre o papel da religião na sociedade.
O diretor da feira, Jürgen Boos, justificou o convite a Rushdie afirmando que "sua biografia e suas obras literárias fazem dele uma voz influente no debate mundial sobre a liberdade de expressão".
Outros assuntos que devem ter destaque na feira deste ano são literatura no Twitter, tendências dos livros de gastronomia e refugiados. O projeto "Weltempfang" ("Recepção mundial"), uma parceria entre a Feira de Frankfurt e o Ministério do Exterior alemão, promoverá discussões e leituras sobre o tema migração. Além disso, refugiados têm direito a ingressos gratuitos para o evento.
Nos primeiros três dias, a feira é aberta apenas para o mercado livreiro e a jornalistas. No fim de semana, o público em geral tem acesso aos pavilhões, que neste ano devem receber 300 mil visitantes, estimam os organizadores. Em 2014, foram 270 mil.
Três deles – André Sant'Anna, Márcio Souza e Mauricio Negro – foram convidados pela Diretoria do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca do Ministério da Cultura brasileiro.
Sant'Anna – escritor, roteirista, publicitário, músico e filho do escritor Sérgio Sant'Anna – participa do debate "A Cidade e seus personagens" nesta quinta-feira. Nó sábado, é a vez de Negro – escritor, ilustrador e designer – apresentar o tema "Diversidade cultural brasileira na ilustração", e de Souza falar sobre "Amazônia na literatura".
Os três autores se juntam a Fernando Bonassi, Ricardo Lísias e Noemi Jaffe, convidados pelo governo alemão. O convite foi feito após uma comitiva do Ministério do Exterior alemão, acompanhada do presidente da Feira de Frankfurt, visitar a América Latina no início deste ano.
O governo alemão também convidou os tradutores Luis Krausz, Kristina Michahelles e os editores Cide Piquet, da Editora 34, William Oliveira, da Apicuri, e Raquel Menezes, da Oficina de Raquel. "Para as editoras independentes participar da Feira do Livro de Frankfurt significa avançar em seu propósito de cada vez mais se fazer presente no mercado editorial", defendeu Menezes ao site Publishnews.
Neste ano, apenas 36 editoras representarão o país no estande do projeto Brazilian Publishers, uma parceria entre a Câmara Brasileira do Livro (CBL) e a Apex-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), que visa fomentar a exportação de conteúdo editorial. No ano passado, o país havia sido representado por 65 editoras em Frankfurt, 41 delas reunidas pelo Brazilian Publishers. Em 2013, o projeto reuniu 180 editoras.
Há dois anos, o programa de apoio à tradução e publicação de autores brasileiros no exterior, promovido pela Biblioteca Nacional e do Ministério da Cultura, ganhou destaque por ocasião da homenagem ao Brasil. Um estande dedicado à iniciativa exibiu em Frankfurt cerca de 200 obras brasileiras traduzidas.
Desde a feira de 2013, 251 bolsas de tradução foram concedidas, segundo o coordenador do programa, Fábio Lima. Tendo em vista a homenagem em Frankfurt, a iniciativa havia sido reestruturada em 2010, fazendo com que mais de 420 bolsas fossem distribuídas em três anos. Desde que foi criado, em 1991, o programa promoveu 853 traduções de obras brasileiras.
LPF/dpa/kna/rtr/ots
Grandes nomes da literatura brasileira
Com influência multicultural, autores abordam de temas político-sociais a intimistas e autobiográficos. Nomes como Clarice Lispector, comparada a Kafka, e Paulo Coelho com sua busca espiritual, exemplificam diversidade.
Foto: Getty Images
Mestre do realismo
Vindo de família simples, Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro, em 1839. Começou a carreira literária colaborando com jornais e revistas. Sua obra inclui os clássicos "Memórias Póstumas de Brás Cubas" e "Dom Casmurro", romances marcados pelo realismo. Machado de Assis foi o primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL) e é considerado o maior escritor brasileiro.
Foto: Marc Ferrez/Instituto Moreira Salles
Representante do Nordeste
Nascido na Bahia em 1912, Jorge Amado foi traduzido para 49 idiomas e publicado em mais de 50 países. Entre seus romances mais conhecidos, estão "Capitães de Areia" e "Gabriela, Cravo e Canela", que retratam a realidade social baiana, marca da obra do autor. Foi membro da ABL, recebeu o Prêmio Camões pelo conjunto de sua obra e o título de doutor honoris causa pela Universidade de Sorbonne.
Foto: Getty Images
Kafka brasileira
A ucraniana Clarice Lispector chegou ao Brasil com um ano de idade, em 1926. Após o primeiro romance, "Perto do Coração Selvagem", vieram clássicos como "A Hora da Estrela e "A Paixão Segundo G.H.", marcados pela temática existencial e psicológica. Traduzida para diversos idiomas, foi descrita como o Kafka da ficção latino-americana no "New York Times" e biografada pelo americano Benjamin Moser.
Foto: Divulgação
Uma pedra no meio do caminho
Carlos Drummond de Andrade, nascido em 1902, foi cronista, contista e tradutor, mas foi como poeta que ganhou fama. Sua poesia divide-se em fases: irônica ou gauche; social; filosófica; nominal; e das memórias. Um de seus versos mais célebres é "Tinha uma pedra no meio do caminho", do polêmico poema "No meio do caminho". O influente poeta brasileiro foi traduzido para mais de dez idiomas.
Foto: Editora Record
Repórter de guerra
O escritor, professor, sociólogo, engenheiro e repórter Euclides da Cunha nasceu em 1866. Como correspondente do jornal "O Estado de S. Paulo", cobriu a Guerra de Canudos, travada entre o Exército e sertanejos no interior da Bahia. A partir daí nasceu sua obra-prima: "Os Sertões". O livro de cunho sociológico foi traduzido para vários idiomas, entre eles alemão e inglês.
Foto: gemeinfrei
Conhecedor do sertão
Guimarães Rosa, nascido em 1908, ingressou na faculdade de Medicina com apenas 16 anos. Foi como médico que conheceu a realidade dos sertanejos, retratada em seus contos, novelas e no romance “Grande Sertão: Veredas”. Sua coletânea de contos “Sagarana” é considerada um dos volumes mais importantes da ficção brasileira do século 20. Pelo conjunto de sua obra, Rosa recebeu o Prêmio Machado de Assis.
Foto: Ed. Nova Fronteira
Ventos do sul
Nascido em 1905, Erico Verissimo desenvolveu já na infância o interesse pelos clássicos da literatura. Nos anos 1940, lecionou literatura brasileira nos EUA e começou a escrever a obra-prima "O Tempo e o Vento". A trilogia, que tem como pano de fundo a história de seu estado natal, Rio Grande do Sul, levou 15 anos para ficar pronta, virou série de televisão e foi traduzida para vários idiomas.
Foto: Companhia das Letras/Leonid Streliaev
Um brasileiro em Berlim
João Ubaldo Ribeiro nasceu na Bahia em 1941. Do nordeste brasileiro, o escritor preocupado com a identidade nacional partiria para o mundo. A carreira literária o levou aos EUA, a Portugal, à Alemanha. Dos 15 meses como bolsista do DAAD, saíram as crônicas reunidas no bem-humorado livro “Um brasileiro em Berlim“. Vários de seus livros foram publicados em alemão, incluindo “Viva o povo brasileiro“.
Foto: Bruno Veiga
Primeira presidente dos imortais
A carioca Nélida Piñon, nascida em 1937, foi a primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras. Formada em jornalismo, teve seu contos, ensaios e romances traduzidos em vários países, inclusive Alemanha, e ocupou cátedras em diversas universidades estrangeiras. Entre os prêmios recebidos, está o Jabuti, pelo livro "Vozes do Deserto", que tematiza a mulher no mundo árabe.
Foto: Divulgação/Editora Record
Versos sujos e melódicos
Ferreira Gullar nasceu no Maranhão em 1930 e vive no Rio de Janeiro. Publicou o primeiro livro de poesia aos 19 anos. Membro do Partido Comunista, foi preso na ditadura e, durante o exílio, escreveu seu livro mais conhecido: “Poema Sujo“. Marcado pelas lembranças da infância, o cotidiano da cidade e a riqueza rítmica e melódica, o livro é considerado um dos mais importantes da poesia brasileira.
Foto: José Olympio Editora/Cristina Lacerda
Entre o mundo árabe e o amazônico
Filho de libaneses, Milton Hatoum nasceu em Manaus em 1952. Formado em Arquitetura, morou em Madri, Barcelona e Paris. De volta à Amazônia, publicou o primeiro romance: "Relato de um Certo Oriente". Já doutor em teoria literária, escreveu "Dois irmãos", trama sobre uma família libanesa que vive em Manaus. Estes e os livros seguintes receberam diversos prêmios e foram publicados em 14 países.
Foto: DW
Sucesso com a busca espiritual
Paulo Coelho, nascido em 1947, iniciou a carreira literária nos anos 1980. Da peregrinação pelo Caminho de Santiago, resultou o primeiro romance de destaque: "O Diário de um Mago". A busca espiritual continuou em "O Alquimista", livro brasileiro mais vendido de todos os tempos e mais traduzido no mundo (69 idiomas). Sua literatura, alvo de polêmica, lhe rendeu dezenas de prêmios e condecorações.