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Liberdade de expressão não é direito de atacar

Nina Lemos
Nina Lemos
9 de abril de 2024

Elon Musk e seus fãs da direita radical acham que podem usar expressões nazistas, planejar golpes e "bater" em instituições e em gente como a gente.

Musk diz que não irá obedecer determinações da Justiça brasileiraFoto: Alain Jocard/AFP [M]

Se você, como eu, acha que a internet não é terra de ninguém e que seus donos, assim como todos nós, devem seguir a lei, talvez você esteja sendo acusado de defender a censura.

São tempos estranhos esses em que a gente tem que explicar que liberdade de expressão não tem nada a ver com direito à ofensa, liberdade de disseminar o ódio ou desrespeitar leis, propagar mentiras e incitação contra as instituições (como tentativa de golpe de Estado, por exemplo). Mas é nesse momento em que estamos. É preciso explicar o básico.

Essa discussão está fervendo esses dias desde que o dono do X (antigo Twitter), o bilionário Elon Musk, passou a atacar o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes na rede social e, mais sério ainda, afirmou que não cumpriria determinações da Justiça do Brasil. Ele também ameaçou fechar o escritório do X no país, caso tudo não acontecesse do jeito que ele, "o riquinho", quer.

Vamos ser didáticos: qualquer empresa precisa cumprir leis. As determinações judiciais, que Musk chama de censura e promete desobedecer, são referentes a perfis que foram tirados do ar por espalharem notícias falsas, fazerem ameaças e apologia ao golpe de Estado (a tentativa de 8 de janeiro de 2023).

Pergunto o óbvio: desde quando isso é isso é liberdade de expressão?

Direito à propaganda nazista

Curiosamente, no mesmo dia da briga com Moraes, Musk teve uma conversa pública no X com um extremista de direita alemão sobre liberdade de expressão. No fim de semana, Björn Höcke, um dos membros mais extremistas do partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) reclamou em seu perfil na rede social que estaria sendo vítima de perseguição política e anunciou que o julgamento no qual é acusado de usar slogans nazistas durante uma campanha eleitoral começaria no dia 18 de abril. Na mensagem, Höcke diz estar sendo acusado de um crime pode ter expressado "incorretamente" seu suposto patriotismo.

Logo após a mensagem, Musk reagiu e perguntou a Höcke o que ele disse. Em resposta, o extremista alemão escreveu que disse, numa campanha eleitoral em 2021, o slogan: "tudo pela nossa pátria, tudo pela Saxônia-Anhalt, tudo pela Alemanha". Musk perguntou então o motivo dessa expressão ser ilegal. Höcke posou de vítima e alegou que "todo patriota na Alemanha é difamado como nazista".

A frase Alles für Deutschland ("Tudo pela Alemanha") era o lema do movimento paramilitar nazista Sturmabteilung ("Tropas de assalto"), conhecido pela sigla SA, cujos membros se notabilizaram por atos de violência nas ruas durante o período democrático que precedeu a ditadura de Adolf Hitler.

A frase, assim como uma série de símbolos, saudações e outros slogans da era nazista, é proibida na Alemanha. Segundo a acusação da Promotoria de Halle, Höcke, um ex-professor de história, saberia muito bem ao que estava se referindo quando utilizou o antigo lema da SA. Vale lembrar que Höcke é monitorado pelo serviço inteligência interno da Alemanha desde 2020. Ele defende ainda a remoção do código penal alemão de artigos que criminalizam a incitação ao ódio racial e a negação do Holocausto.

Que liberdade é essa que a extrema direita e seus fãs querem? A liberdade de agir como nazista em paz? De tramar um golpe de Estado e não sofrer nenhuma consequência? De propagar mentiras e destruir reputações? De continuar atacando moralmente mulheres, gays, negros e minorias em geral?

Liberdade que machuca

Essa "liberdade", para quem já sofreu ataques de ódio online, é aquela que nos adoece. Sei do que falo porque fui diagnosticada com transtorno pós-traumático em 2023, depois de sofrer ataques de ódio coordenados durante todo o ano de 2022 devido ao meu trabalho como jornalista e colunista.

Não é liberdade de expressão alguém escrever coisas tão horríveis sobre a gente que não temos nem coragem de repetir.

Semana passada, a política e jornalista Manuela D'ávila, uma das maiores vítimas de ódio online no Brasil, postou no Instagram algumas mensagens de ódio e mentiras espalhadas sobre ela. Em uma delas, Manuela é acusada de ter telefonado para Adélio Bispo, preso por ter esfaqueado o ex-presidente Jair Bolsonaro em 2018. "Por que essa mulher telefonou para Adélio 18 vezes no dia do assassinato de Bolsonaro?", diz o post. Disseminar mentiras não é atestado de liberdade, minha gente. É crime de calúnia e difamação.

Não sei, realmente, como Manuela e tantas outras mulheres e outros perseguidos e atacados arranjam forças. Mas sei que isso não é brincadeira e não é coisa de "bobo" da internet.

São ataques terríveis que, repito, nos adoecem. Somos muitos os doentes. A extrema direita, com ajuda de Elon Musk, quer, na verdade, o direito de continuar "batendo" nas instituições e em gente como a gente.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.

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O estado das coisas

Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000. Desde 2015, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão em Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada.