Linguagens da arte contemporânea árabe em Bonn
22 de setembro de 2005O Golfo Pérsico é para muitos sinônimo de petróleo e camelos. Desde o 11 de setembro, outra associação corrente é o terrorismo. O fato de que os países da região produzem uma arte contemporânea de qualidade não é, via de regra, do conhecimento do europeus.
Este foi um dos motivos que levaram a curadora Karin Adrian von Roques e o diretor do Kunstmuseum (Museu de Arte) de Bonn, Dieter Ronte, a trazer exemplares da arte contemporânea árabe para ser exposta ao público alemão. Em cooperação com o Instituto do Mundo Árabe, em Paris, foi organizada a mostra intitulada Linguagens do Deserto, que depois de Bonn segue para a capital francesa e para várias outras cidades européias.
Beuys do Golfo
O fato de muitos artistas presentes usarem materiais e mídias semelhantes aos usados por artistas contemporâneos de países europeus – Hassan Sharif, de Dubai, é chamado pela curadora até mesmo de "o Beuys do Golfo" – vem causando impacto em boa parte dos visitantes.
A caligrafia árabe, que serve de referência em algumas obras, tem sido outro ponto que desperta o interesse especial do visitante. Silêncio do Deserto, pintura de Khaled Al Saai (Emirados Árabes), serve como exemplo de uma obra que não pode ser decifrada pelo olhar ocidental, mas que mesmo assim (ou exatamente por isso) impressiona o observador.
Também Ali Hassan, do Catar, trabalha há 16 anos sobre um único signo: a letra Noun ou N. Se as premissas conceituais de Hassan poderiam sem problema algum terem sido criadas por um artista ocidental, o fato de sua obra girar em torno de uma letra do alfabeto árabe a diferencia da produção convencional ocidental.
Imagem x palavra
Outro aspecto que não escapa à exposição é a tradição islâmica de proibição da imagem e, por isso, a estreita ligação da cultura árabe com a literatura. Entre as pinturas expostas em Bonn, não há exemplos de obras figurativas.
O mesmo não acontece, porém, em relação à fotografia. Vários artistas trabalham com novas mídias, reconstruindo, através destas, a beleza do deserto. E provocando no visitante uma sensação de proximidade e estranhamento ao mesmo tempo.
Fugindo dos clichês
A curadora Karin Adrian von Roques acentua que pretende, com a mostra, apresentar ao olhar europeu uma imagem da arte produzida nos países árabes que se distingue daquela que se conhece sob o selo de "islâmica", ou seja, daquela encontrada há milênios nas mesquitas em diversas regiões.
Ao visitar ateliês de artistas no mundo árabe, a curadora descobriu a existência de um intenso circuito de arte. Um circuito que ainda é, no entanto, completamente desconhecido na Europa e nos EUA.
Perspectiva feminina
As artistas presentes na mostra não priorizam, como poderia se esperar, a violência contra a mulher em seus trabalhos. Ao contrário, elas voltam o olhar para detalhes do cotidiano e usam a imagem do deserto como metáfora. A presença de uma artista da Arábia Saudita – Shadia Alem – provocou na Alemanha até mesmo um certo espanto.
"Minha liberdade vem do fato de que não tenho medo de experimentar", explica a artista. A arte no mundo árabe, sob a perspectiva feminina, é também o tema de um debate com diversas artistas e galeristas no Kunstmuseum de Bonn.
Cores e identidade
O título da exposição – Linguagens do Deserto – é uma apropriação dos curadores de uma série do artista Youssef Ahmed, do Catar. Em sua obra, Ahmed se deixa inspirar pela riqueza de cores da areia do deserto. Cores estas que, no decorrer de um único dia, mudam incontáveis vezes, de acordo com a intensidade do sol.
Já Tarek el Ghasin comenta a representação dos palestinos como terroristas na mídia ocidental. Além disso, o artista tematiza a questão da identidade, reproduzindo através de uma série de auto-retratos, sua nostalgia por uma terra natal. Uma terra onde o artista palestino, nascido no Kwait e que vive nos Emirados Árabes, na verdade, nunca viveu.