Livro "Prisão" revela lado humano do cotidiano carcerário
21 de abril de 2012![](https://static.dw.com/image/15875868_800.webp)
Ao todo, Joe Bausch passou cerca de 12 anos de sua vida atrás de grades. Não como detento, mas como médico de presídio. Hermann-Joseph Bausch-Hölterhoff é diretor-médico do governo na Penitenciária de Werl, onde atua profissionalmente há 25 anos. No entanto, ele é bem mais conhecido na Alemanha por suas aparições na televisão: ele representa o legista Dr. Joseph Roth na série criminal Tatort, de Colônia, além de ser convidado frequente em talk shows.
Com o sumário título Knast (Prisão), acaba de ser lançado na Alemanha, pela editora Ullstein, o livro de Bausch sobre o seu dia a dia profissional. Não se trata de um autobiografia, mas sim de uma documentação abrangente, trazendo pontos de vista e comentários pessoais.
Estreiteza angustiante
"Cada cela tem, mais ou menos, 3,50m de comprimento, 2m de largura e 2,50m de altura. São quatro passos, da porta à janela." Joe Bausch mede com precisão de centímetros o espaço vital dos presidiários, da cama até o sanitário. O aperto é sensível, assim como a impossibilidade de escapar dele.
Todos os sentidos são afetados. O cheiro de prisão – uma mistura de cera de assoalho, fumaça fria de cigarro, suor masculino, sabão em barra e comida queimada – fica impregnado para sempre na memória de cada detento e de cada guarda penitenciário. Através da precisão distanciada de descrição do autor, fica imediatamente compreensível por que o presídio é um lugar de agressão e depressão. Bausch vivenciou 50 suicídios, em seus 25 anos de serviço.
E as celas individuais ainda são a melhor alternativa. As numerosas celas coletivas significam a perda da possibilidade de se recolher, a perda da privacidade. Aqui entram em choque personalidades, etnias e crenças religiosas contrastantes. "As possibilidades de achicanar um companheiro de cela são numerosas, praticamente não há limites para a imaginação. Para a maioria dos penitenciários, ser colocado numa dessas celas coletivas é a própria definição do inferno na prisão."
Galeria de tipos
O que Bausch descreve ultrapassa todos os clichês. Sua função como médico penitenciário e pessoa de confiança sob juramento de sigilo lhe permite penetrar em processos normalmente ocultos. Ele fica sabendo sobre dependências de drogas, chantagens e estupros. Tudo isso é relatado sem sentimentalidade nem minimização, mas com muita empatia.
Os criminosos permanecem criminosos. Contudo, o médico legista rechaça radicalmente a noção ultrapassada de culpa e expiação, que ainda é muito difundida e nega aos autores de crimes graves todo direito a melhores condições nas penitenciárias. O pessoal também é vítima do sistema das prisões: a supervisão deficiente para os vigilantes é o outro lado da moeda da falta de possibilidades de terapia para os detentos com distúrbios de personalidade.
Com a mesma precisão com que relata o cotidiano presidiário, Bausch descreve a tipologia dos criminosos. Condenados por abuso sexual infantil chamam a atenção no presídio por tentar, a todo custo, não chamar a atenção. Assaltantes e ladrões são cuidadosos e temerosos. Violentadores geralmente têm pouca capacidade de empatia. Já os assassinos são francamente afáveis. Comparativamente, eles são os que suportam a prisão com maior facilidade, por estarem conscientes da gravidade de seu ato e por não se rebelarem contra o próprio destino.
Histórias perturbadoras
Ao lado desse catálogo de tipos humanos, Joe Bausch apresenta um bom volume de estatísticas. Nas prisões da Alemanha há 75 mil delinquentes masculinos, porém apenas 5 mil internas. As mulheres se voltam para o crime com menor frequência e de maneira diferente. Elas são menos cruéis: quando cometem homicídio, o procedimento é mais organizado, decorrente de uma decepção ou em reação a anos de humilhação. Entre as presas, 70% são viciadas em narcóticos.
O médico legista mostra quem se encontra nas prisões e como chegou lá. A maior parte desses insights é apresentado com distância sóbria. Entre eles, Bausch intercala pequenos retratos de detentos que o tocaram em especial. Ele conta sobre campeões de fugas e sobre figuras curiosas como Berti, vigarista charmoso e sedutor de mulheres, para quem a penitenciária se tornou um lar, em mais de 30 anos de pena.
Outras histórias são profundamente perturbadoras. Como a de um jovem que se torna soropositivo atrás das grades, após ser estuprado. Ou a de uma mulher saída de um lar estritamente católico, onde a sexualidade era tema tabu: totalmente desorientada por estar grávida, ela se enchia de comida para esconder seu estado, e matou o bebê logo após o parto. Ou como, após um aparente acesso de epilepsia, um negro africano revela ao médico da prisão seu passado como criança-soldado.
Sede de entender
Cada um tem a sua história individual, que demonstra: "A prisão é a realidade, um espelho da sociedade, como um todo. Quem é lançado aqui, não pertence, de forma alguma, à escória da Alemanha, à classe inferior de uma sociedade globalizada. Aqui ocorre o choque frontal de mundos que, em liberdade, jamais teriam pontos de contato".
Quando, no fim do livro, o autor cita resultados de pesquisas de neurologistas e biólogos moleculares que estudam o comportamento de delinquentes, a impressão é de algo forçado e simplesmente justaposto. Entretanto essa é também uma amostra de que o médico nascido em 1953 não se cansa de tentar entender seus pacientes e a razão última que leva um ser humano a se tornar criminoso. Bausch pleiteia uma prevenção abrangente, que inclua crianças e adolescentes. Segundo sua experiência, a melhor forma de combate ao crime é evitar que ele aconteça.
Em 284 páginas, Joe Bausch consegue penetrar fundo numa instituição cuja vida interna permanece oculta e que raramente atrai para si o interesse público. No processo, não só se aprende muito sobre a história do sistema carcerário do país, como também sobre aspectos fundamentais do desenvolvimento da personalidade e sobre a pluralidade da sociedade contemporânea.
Autoria: Günther Birkenstock (av)
Revisão: Carlos Albuquerque