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HistóriaBrasil

Livro retrata legado da imigração alemã no Brasil

Natália Manczyk21 de outubro de 2014

Do idioma alemão à paixão pelas flores: o livro de fotografia "Minha pequena Alemanha" revela traços marcantes e sutis deixados no Brasil pela leva de imigrantes alemães chegada ao país a partir de 1824.

Paulo Volles (centro) é tataraneto de alemães e carpinteiro de casas em enxaimel em BlumenauFoto: Valdemir Cunha

Um construtor de casas em estilo enxaimel, um criador de galinhas que as chama para perto com um alto "Komm, komm" ("Vem, vem" em alemão) e uma garota ruiva que pretende concorrer com as loiras ao título de rainha da Oktoberfest.

Os três seriam pessoas bem comuns na Alemanha, mas são brasileiros, moradores dos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Descendentes de imigrantes alemães, são só alguns dos personagens retratados no livro Minha pequena Alemanha – Mein kleines Deutschland, lançado em maio deste ano para homenagear os 190 anos da imigração alemã no Brasil.

Garoto de Pomerode, onde as crianças entram na escola sem saber português. Por isso, desde 2008 há escolas bilinguesFoto: Valdemir Cunha

As fotos são de Valdemir Cunha, um dos grandes nomes da fotografia documental no Brasil, e mostram muito além das moças loiras de olhos azuis que habitam o sul do país. São retratos de gente como o Sr. Nilo Volkmann, que tem na garagem 18 carroças, e leva os moradores da cidade de Pomerode (SC) a passear para cima e para baixo em uma delas, importada da Alemanha em 1943 pelo pai. Ou como o artista Paulo von Poser, que vive em São Paulo e herdou das avós, filhas de alemães, o gosto pelas rosas, flores que viraram a marca de seu desenho.

São sutilezas assim que tornam o livro um mosaico do legado deixado pelos alemães emigrados para o Brasil no século 19. As fotos, ora em cor, ora em preto e branco, são acompanhadas de sensíveis textos bilíngues do jornalista Xavier Bartaburu, que revelam como os antepassados da Alemanha influenciaram de alguma forma o cotidiano de cada um desses descendentes – seja na preferência por livros alemães, como no caso da escritora Lya Luft, seja na cozinha, como para a garota Hellen Müller Jordão, a quem a avó, bisneta de alemães, transferiu o gosto pelo preparo de conservas de pepino, salada de batata e biscoitos com enfeites coloridos para o Natal.

Tradições resguardadas

Essa a segunda de uma série de publicações em que Valdemir Cunha pretende mostrar a formação do povo brasileiro. A primeira, Brasil invisível, busca resgatar a origem da população brasileira, e, para isso, ele foi buscar em rincões do país pessoas oriundas da mistura do negro vindo da África, do índio e do europeu – principalmente o português e o espanhol.

"Minha pequena Alemanha é a publicação que segue Brasil invisível, porque a imigração alemã que se iniciou formalmente a partir de 1824 é a primeira grande imigração organizada para o Brasil. Antes dos alemães, somente os portugueses haviam chegado em grande número", explica Cunha.

O livro sobre a Alemanha envolveu um ano de trabalho só para a pesquisa e formatação do projeto, outros seis meses para a execução. De setembro de 2013 a fevereiro de 2014, o fotógrafo e o jornalista Bartaburu rodaram pelos estados de São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Ilberto Manke trabalha desde os 14 anos na fábrica de gaitas alemãs que chegou ao Brasil em 1923Foto: Valdemir Cunha

Nessas andanças, encontraram lugarejos onde a tradição alemã é mais aparente, como as áreas rurais de Pomerode e Blumenau, em Santa Catarina, e cidades no Vale do Rio dos Sinos (RS), como Picada Café, Santa Maria do Herval e Dois Irmãos. "Quanto mais a gente se embrenhava na zona rural, mais nos aproximávamos do modo de vida dos imigrantes do passado", conta Cunha.

Conhecer as tradições nesses vilarejos foi, para ele, como ter entrado numa máquina do tempo e voltar ao fim do século 19 e início do século 20. "Claro que a modernidade estava aparente na energia elétrica e nos aparelhos domésticos, mas no dia a dia de lida com a terra, os costumes pareciam estar inalterados."

O clima do passado se acentuava pelo fato de o alemão ser praticamente a língua oficial nessas pequenas cidades do sul – tanto o alemão padrão quanto os diversos dialetos. Por esse motivo, Cunha e Bartaburu tiveram a companhia de um tradutor nas viagens pela região. Só assim eles conseguiram conversar, por exemplo, com Anna Ottilia Hoffmann, moradora de Picada Café de quem o jornalista se lembra com carinho. "Ela é brasileira, tataraneta de alemães, e ainda assim não fala português. Nem alemão. Só um dialeto. E ela tem 90 anos."

Muito além da cerveja

A ideia do livro, entretanto, era englobar não só as comunidades fechadas que falam apenas o alemão e as festas populares alemãs no Brasil, como também as influências que a produção alemã deixou na sociedade brasileira.

Marcas alemãs que fazem parte do dia a dia dos brasileiros também estão representadas no livro, como a Volkswagen e seu popular FuscaFoto: Valdemir Cunha

Assim, todo um capítulo da publicação é dedicado às marcas alemãs que fazem parte do dia a dia do Brasil, como a Hering, Siemens, Volkswagen, Mercedes, Nivea, Faber-Castell e Bayer. Nos textos, junto a belas fotos dos produtos e a propagandas antigas, o leitor descobre a história e curiosidades de como essas empresas chegaram ao Brasil.

"Foi uma surpresa perceber que a influência alemã está presente no nosso cotidiano muito mais do que imaginamos. Na camiseta que vestimos, no carro que dirigimos, no telefone que usamos, nos lápis de cor com que nossos filhos pintam e nos remédios que tomamos. Isso é muito mais forte do que alguns traços culturais como a gastronomia e a cerveja", analisa Valdemir Cunha.