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Livro revela relação de Kennedy com a Alemanha

Marc von Lüpke-Schwarz (av)26 de junho de 2013

Há exatos 50 anos, Kennedy fazia seu famoso discurso em Berlim. Mas poucos sabem que ele havia estado antes na Alemanha, exatas três vezes entre 1937 e 1945. E mostrado fascinação pelo regime de Hitler.

Foto: picture alliance / dpa Fotografen

"Ich bin ein Berliner!" – "Sou um berlinense!" Essas palavras foram recebidas com júbilo em 26 de junho de 1963: quem as pronunciava era o então presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy, em discurso diante da subprefeitura do bairro de Schöneberg, onde mais de 1 milhão de pessoas haviam se reunido para escutá-lo.

Berlim Ocidental era como uma ilha de liberdade em meio à Alemanha Oriental, e seus habitantes esperavam do chefe de Estado norte-americano um compromisso inequívoco de solidariedade. E Kennedy não os decepcionou. "Todos os homens livres, onde quer que vivam, são cidadãos de Berlim. Por isso, como homem livre, tenho orgulho das palavras "Ich bin ein Berliner!".

De conversível pela Europa

O que muita gente não sabe é que, antes de seu discurso em 1963, Kennedy já estivera na Alemanha. Em 1937, 1939 e 1945, o futuro presidente dos EUA se deparara com um país bem diferente, primeiro como ditadura nazista, mais tarde como nação derrotada.

Livro traz impressões de John Kennedy "em meio aos alemães", entre 1937 e 1945

As cartas e anotações feitas por Kennedy na época acabam de ser publicadas, pela primeira vez, em idioma alemão, sob o título Unter Deutschen. Reisetagebücher und Briefe 1937-1945 (Em meio aos alemães. Diários de viagem e cartas 1937-1945).

O editor responsável, Oliver Lubrich, que leciona germanística e literatura comparada na Universidade de Zurique, comenta esse lapso tão prolongado: "É espantoso que durante muito tempo ninguém tenha se interessado em como John F. Kennedy via a Alemanha, antes de sua famosa visita de 1963".

Agora, as anotações revelam aos leitores alemães a curiosidade com que o futuro presidente desbravou a "Velha Europa". Mas também como até ele se deixara seduzir pelo sucesso do ditador Adolf Hitler.

Em meio aos alemães

Em agosto de 1937, quatro anos depois da ascensão dos nazistas ao poder, dois dinâmicos norte-americanos atravessavam a fronteira alemã. John F. Kennedy, então com 20 anos de idade, e seu amigo Kirk LeMoyne Billings tinham completado seu primeiro ano de estudos universitários. Agora, no Ford conversível de Kennedy, que fora transportado de navio, ambos viajavam pela Europa.

"Hitler parece ser tão apreciado aqui quanto Mussolini na Itália, embora a propaganda seja possivelmente sua arma mais possante", registrava Kennedy após a chegada em Munique.

Lubrich resume essas primeiras anotações: "Por um lado, Kennedy relata casos com mulheres, idas a bares e coisas semelhantes. De vez em quando, no entanto, apresenta reflexões sobre a propaganda nacional-socialista e o apoio da população aos nazistas".

Logo, o jovem reconheceu a solidez das posições de Hitler na Alemanha e de Mussolini na Itália. "Não há dúvida que, devido a sua propaganda eficaz, esses ditadores são mais apreciados em seus próprios países do que no exterior."

Por outro lado, o rapaz de 20 anos ainda não fazia qualquer consideração sobre aonde poderia levar a submissão dos alemães – por exemplo, desembocando numa guerra. Acima de tudo, era a eficácia da propaganda que o fascinava, ele não tematizava o fato de que a ditadura hitleriana também vinha se consolidando através do terror contra seus opositores.

"Os alemães são mesmo bons demais..."

Além disso, 1937 era "um ano tranquilo": o regime nazista acabara de impressionar o mundo com os Jogos Olímpicos de 1936, demonstrando seu suposto espírito pacífico. Kennedy se mostra entusiasmado com os alemães e seu país. Em especial as autoestradas alemãs inspiram elogios do apreciador dos carros conversíveis. "Estas são as melhores estradas do mundo", comenta.

Em 21 de agosto, o futuro estadista anotava, arrebatado: "Os alemães são realmente bons demais, por isso os outros se unem contra eles, para se defenderem". Durante seu trajeto, ele muitas vezes procura conversar com os locais. Kennedy e Billings dão caronas a estudantes, soldados – e, claro, a moças bonitas.

"Chego à conclusão que o fascismo é o regime adequado para a Alemanha e a Itália", registrara o jovem Kennedy em seu diário, antes mesmo de colocar o pé na Europa. Porém é justo ver nele um admirador do regime nacional-socialista?

A opinião de Oliver Lubrich é firme: "Isso é obviamente besteira. É preciso considerar que se trata de anotações pessoais, que refletem o processo de conscientização de Kennedy, sem qualquer perspectiva de serem publicadas!".

Kennedy expressa admiração pelo grau de perfeição da propaganda nazista, assim como tantos visitantes estrangeiros nessa época. Muitos deles ignoravam o lado obscuro do regime – consciente ou inconscientemente – ou só testemunhavam as encenações perfeitamente coreografadas pela máquina de propaganda.

Tempestade que se anuncia

Em 1939, Kennedy visitou a Alemanha uma segunda vez. Trabalhando como secretário de seu pai, embaixador dos EUA em Londres, ele percorre o "Terceiro Reich". E, nessa nova posição, conversa com "os líderes nazistas e todos os cônsules" na cidade-livre de Danzig (atual Gdansk), foco do grave conflito teuto-polonês que se anunciava.

Durante essa nova incursão ao país, outras questões ocupam o jovem Kennedy: "Como evitar uma guerra? Os alemães ainda podem recuar?", resume o editor Lubrich.

Jovem John F. Kennedy (dir.) e seu pai JosephFoto: picture-alliance/dpa

Mas nem mesmo a ameaça de conflito consegue estragar o bom humor do americano bon vivant: "Fora a política, eu me divirto fantasticamente". Em 20 de agosto de 1939, ele escreve a seu antigo companheiro de viagem Billings: "Ainda não acho que vá haver guerra".

Tratava-se de um erro de julgamento crasso: em 1º de setembro a Alemanha atacava a Polônia. Como tantos políticos e intelectuais – entre os quais o filósofo francês Jean-Paul Sartre – Kennedy subestimara inteiramente o ímpeto bélico de Hitler e a agressividade germânica.

Fã de Hitler?

John F. Kennedy só retornaria ao país quase seis anos mais tarde, em julho de 1945, acompanhando o ministro norte-americano da Marinha em visita à Alemanha derrotada. "Tudo está destruído", escreve sobre a capital Berlim.

E faz também considerações sobre o Führer morto. Após conhecer a residência de Hitler em Obersalzberg, Kennedy comenta: "Quem visitou estes dois locais pode perfeitamente imaginar que, apesar do ódio que o cerca hoje, em alguns anos Hitler despontará como uma das personalidades mais significativas que já existiram".

Kennedy, um admirador do ditador nazista? Mais uma vez, Lubrich é taxativo: "É possível fascinar-se esteticamente, sem aprovar o conteúdo dessa ditadura. Eu não diria que Kennedy admirava Hitler politicamente. Mas ele também era suscetível à propaganda".

No entanto, como interpretar a frase de Kennedy, em face dos crimes do nazismo contra a humanidade? "É, de fato, peculiar que ele aparentemente não tenha mostrado mais interesse pela questão. Parece que, aqui, Kennedy reflete antes de forma abstrata sobre o mito Hitler", justifica o germanista.

Desfile triunfal do presidente democrata pelas ruas de Berlim, 1963Foto: picture-alliance/dpa

Os alemães e a democracia

Em 1945, o político norte-americano também fez considerações sobre os princípios de funcionamento da ditadura hitleriana. Ao visitar o estaleiro de submarinos em Bremen, ele constatava: "A conformidade dos funcionários públicos alemães mostra quão fácil seria tomar o poder na Alemanha".

Em suas anotações sobre os alemães, o futuro líder parece estar sempre dividido entre a admiração e a perplexidade. E desconfiado deles. "Em 1945, Kennedy era muito pessimista, afirmando que seria preciso seguir exercendo controle sobre os alemães, pois eles não esqueceriam a derrota na guerra", aponta Lubrich.

Entretanto, ao pronunciar, em 26 de junho de 1963, as palavras "Eu sou um berlinense", o júbilo da multidão foi frenético – e o alívio de Kennedy, grande. Agora, os alemães (ao menos os ocidentais) aclamavam a ele, um político democrata. Ao que tudo indicava, o processo de democratização tivera êxito.

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