Livros revelam histórias de crianças que fugiram do nazismo
Gaby Reucher
12 de janeiro de 2021
Descobertos num porão em Modena, na Itália, em 2002, obras recém restauradas eram parte do acervo da mansão Villa Emma, que abrigou crianças judias entre 1942 e 1943.
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Sobre a mesa e envoltos numa capa cinza, como presentes, estão os livros restaurados das crianças da mansão Villa Emma di Nonantola, na Itália, uma antiga residência de verão de um comendador construída em 1890 que serviu de abrigo para crianças judias que fugiram da perseguição nazista na Alemanha e Áustria em 1942 e 1943.
Os 96 livros usados pelas crianças foram descobertos em 2002 em duas caixas de madeira que estavam num porão na cidade vizinha de Modena. Em alemão, em sua maioria, mas também em inglês, italiano e hebraico, a coleção incluiu livros escolares, religiosos e sociais, além de romances e obras de autores como Heinrich Heine, Stefan Zweig e Thomas Mann, cujos livros foram proibidos pelos nazistas como "não-alemães" na primavera de 1933. Na época, 102 títulos foram queimados em mais de 90 cidades alemães.
Santuário para crianças judias
As edições antigas da Villa Emma possuem o carimbo da chamada Delasem, a Delegação para Apoio de Emigrantes Judeus – uma organização de ajuda ítalo-judaica. Essa marcação ajudou os pesquisadores a rastrear a origem da coleção encontrada em Modena.
Em julho de 1942, a mansão foi alugada pela Delasem. Um grupo de 41 crianças e jovens judeus da Alemanha e da Áustria foi acomodado ali. Inicialmente, a judia berlinense Recha Freier levara as crianças, na maioria órfãs, para Zagreb. Da Croácia, eles fugiram para Nonantola, na Itália, passando pela Eslovênia. Em 1943, mais órfãos chegaram à Villa Emma.
Bem recebidos pela população local
Apesar das leis nazistas racistas, os refugiados foram calorosamente recebidos pela população local. "Quando eles nos viam, eles diziam: ‘que criança bonita você é'. Eles nos davam maçãs recém-colhidas e outras frutas", lembrou uma testemunha no documentário As crianças da Villa Emma, da emissora pública alemã ARD.
Na mansão, as crianças tinham aulas, aprendiam agricultura e tinham contato próximo com os residentes de Nonatola. Quando tropas alemãs invadiram a Itália em setembro de 1943, os moradores do vilarejo esconderam as 73 crianças e os 13 cuidadores.
Mais tarde, pela Suíça, eles conseguiram fugir para a Palestina. Alguns foram para os Estados Unidos ou voltaram para a antiga Iugoslávia. Com exceção de um menino que tinha tuberculose e que foi posteriormente deportado para o campo de extermínio de Auschwitz, todas as outras crianças da mansão sobreviveram ao Holocausto. Alguns dos cuidadores chegaram a ser presos enquanto organizavam o transporte de outros refugiados e provavelmente foram mortos em Auschwitz.
No total, a organização fundada por Freier em 1933, a Youth Aliyah, ajudou mais de 7.600 crianças e jovens judeus a fugir da Alemanha e Áustria para a Palestina.
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Histórias marcantes
A história das crianças da Villa Emma já serviu de base para várias obras, bastante populares nas escolas. Um exemplo é documentário As crianças da Villa Emma – um resgate milagroso na guerra, de Bernhard Pfletschinger e Aldo Zappala, que entrevistou testemunhas de Nonantola e alguns que fugiram de lá.
Em 2016, o historiador berlinense Klaus Voigt escreveu o livro Villa Emma: Crianças judias em fuga 1940 até 1945, para o qual ele pesquisou detalhadamente a operação de ajuda aos jovens. No mesmo ano, o diretor austríaco Nikolaus Leytner contou o drama das crianças no filme Nós estamos vivos.
Testemunho de uma era
Por meio da leitura dos livros restaurados da antiga biblioteca da Villa Emma é possível adquirir mais conhecimentos sobre esse período. Especialistas da empresa Formula Servizi passaram anos restaurando essas obras. "Seus títulos revelam uma imagem da cultura da Europa Central entre a década de 1930 e início da de 1940", diz a empresa em seu site.
Segundo a Formula Servizi, as obras testemunham um período de debates sociais, políticos e culturais, abordando tanto problemas educacionais e teorias do feminismo, quanto conceitos de pátria e nação, assim como a Palestina como local de saudade judaico. "É um tesouro da nossa história, que será um pedaço significativo da memória de uma comunidade e sua solidariedade".
A Villa Emma hoje
Atualmente, a mansão Villa Emma é um espaço que recebe eventos culturais e conferências. Durante muito tempo, a história de resgate do local havia caído no esquecimento. Em 2004, apoiada por autoridades locais e religiosas, foi criada a Fundação Villa Emma para as Crianças Judias Salvas, que visa desenvolver "novas formas de convivência e confronto" contra o racismo e violações de direitos humanos.
O foco do trabalho está em crianças que sofrem com guerras, perseguição e fugas. O destino das crianças refugiadas da Villa Emma está documentado em uma exposição permanente. A fundação organiza cursos de formação profissional, conversas com testemunhas e encontros interculturais.
Já amizade entre as antigas crianças da Villa Emma e moradores de Nonantola persiste até hoje.
Cronologia da Segunda Guerra Mundial
Em 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia, sob ordens de Hitler. A guerra que então começava duraria até 8 de maio de 1945, deixando um saldo até hoje sem paralelo de morte e destruição.
Foto: U.S. Army Air Forces/AP/picture alliance
1939
No dia 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia sob ordens de Adolf Hitler – supostamente em represália a atentados poloneses, embora isso tenha sido uma mentira de guerra. No dia 3 de setembro, França e Reino Unido, que eram aliadas da Polônia, declararam guerra à Alemanha, mas não intervieram logo no conflito.
1939
A Polônia mal pôde oferecer resistência às bem equipadas tropas alemãs – em cinco semanas, os soldados poloneses foram derrotados. No dia 17 de setembro, o Exército Vermelho ocupou o leste da Polônia – em conformidade com um acordo secreto fechado entre o Império Alemão e a União Soviética apenas uma semana antes da invasão.
Foto: AP
1940
Em abril de 1940, a Alemanha invadiu a Dinamarca e usou o país como base até a Noruega. De lá vinham as matérias-primas vitais para a indústria bélica alemã. No intuito de interromper o fornecimento desses produtos, o Reino Unido enviou soldados ao território norueguês. Porém, em junho, os aliados capitularam na Noruega. Nesse meio tempo, a Campanha Ocidental já havia começado.
1940
Durante oito meses, soldados alemães e franceses se enfrentaram no oeste, protegidos por trincheiras. Até que, em 10 de maio, a Alemanha atacou Holanda, Luxemburgo e Bélgica, que estavam neutros. Esses territórios foram ocupados em poucos dias e, assim, os alemães contornaram a defesa francesa.
Foto: picture alliance/akg-images
1940
Os alemães pegaram as tropas francesas de surpresa e avançaram rapidamente até Paris, que foi ocupada em meados de junho. No dia 22, a França se rendeu e foi dividida: uma parte ocupada pela Alemanha de Hitler e a outra, a "França de Vichy", administrada por um governo fantoche de influência nazista e sob a liderança do general Pétain.
Foto: ullstein bild/SZ Photo
1940
Hitler decide voltar suas ambições para o Reino Unido. Seus bombardeios transformaram cidades como Coventry em cinzas e ruínas. Ao mesmo tempo, aviões de caça travavam uma batalha aérea sobre o Canal da Mancha, entre o norte da França e o sul da Inglaterra. Os britânicos venceram e, na primavera europeia de 1941, a ofensiva alemã estava consideravelmente enfraquecida.
Foto: Getty Images
1941
Após a derrota na "Batalha aérea pela Inglaterra", Hitler se voltou para o sul e posteriormente para o leste. Ele mandou invadir o norte da África, os Bálcãs e a União Soviética. Enquanto isso, outros Estados entravam na liga das Potências do Eixo, formada por Alemanha, Itália e Japão.
1941
Na primavera europeia, depois de ter abandonado novamente o Pacto Tripartite, Hitler mandou invadir a Iugoslávia. Nem a Grécia, onde unidades inglesas estavam estacionadas, foi poupada pelas Forças Armadas alemãs. Até então, uma das maiores operações aeroterrestres tinha sido o ataque de paraquedistas alemães a Creta em maio de 1941.
Foto: picture-alliance/akg-images
1941
O ataque dos alemães à União Soviética no dia 22 de junho de 1941 ficou conhecido como Operação Barbarossa. Nas palavras da propaganda alemã, o objetivo da campanha de invasão da União Soviética era uma "ampliação do espaço vital no Oriente". Na verdade, tratava-se de uma campanha de extermínio, na qual os soldados alemães cometeram uma série de crimes de guerra.
Foto: Getty Images
1942
No começo, o Exército Vermelho apresentou pouca resistência. Aos poucos, no entanto, o avanço das tropas alemãs chegou a um impasse na Rússia. Fortes perdas e rotas inseguras de abastecimento enfraqueceram o ataque alemão. Hitler dominava quase toda a Europa, parte do norte da África e da União Soviética. Mas no ano de 1942 houve uma virada.
1942
A Itália havia entrado na guerra em junho de 1940, como aliada da Alemanha, e atacado tropas britânicas no norte da África. Na primavera de 1941, Hitler enviou o Afrikakorps como reforço. Por muito tempo, os britânicos recuaram – até a segunda Batalha de El Alamein, no outono de 1942. Ali a situação mudou, e os alemães bateram em retirada. O Afrikakorps se rendeu no dia 13 de maio de 1943.
Foto: Getty Images
1942
Atrás do fronte leste, o regime de Hitler construiu campos de extermínio, como Auschwitz-Birkenau. Mais de seis milhões de pessoas foram vítimas do fanatismo racial dos nazistas. Elas foram fuziladas, mortas com gás, morreram de fome ou de doenças. Milhares de soldados alemães e da SS estiveram envolvidos nestes crimes contra a humanidade.
Foto: Yad Vashem Photo Archives
1943
Já em seu quarto ano, a guerra sofreu uma virada. No leste, o Exército Vermelho partiu para o contra-ataque. Vindos do sul, os aliados desembarcaram na Itália. A Alemanha e seus parceiros do Eixo começaram a perder terreno.
1943
Stalingrado virou o símbolo da virada. Desde julho de 1942, o Sexto Exército alemão tentava capturar a cidade russa. Em fevereiro, quando os comandantes desistiram da luta inútil, cerca de 700 mil pessoas já haviam morrido nesta única batalha – na maioria soldados do Exército Vermelho. Essa derrota abalou a moral de muitos alemães.
Foto: picture-alliance/dpa
1943
Após a rendição das tropas alemãs e italianas na África, o caminho ficou livre para que os Aliados lutassem contra as potências do Eixo no continente europeu. No dia 10 de julho, aconteceu o desembarque na Sicília. No grupo dos Aliados estavam também os Estados Unidos, a quem Hitler havia declarado guerra em 1941.
Foto: picture alliance/akg
1943
Em setembro, os Aliados desembarcaram na Península Itálica. O governo em Roma acertou um armistício com os Aliados, o que levou Hitler a ocupar a Itália. Enquanto os Aliados travavam uma lenta batalha no sul, as tropas de Hitler espalhavam medo pelo resto do país.
No leste, o Exército Vermelho expulsou os invasores cada vez mais para longe da Alemanha. Iugoslávia, Romênia, Bulgária, Polônia... uma nação após a outra caía nas mãos dos soviéticos. Os Aliados ocidentais intensificaram a ofensiva e desembarcaram na França, primeiramente no norte e logo em seguida no sul.
1944
Nas primeiras horas da manhã do dia 6 de junho, as tropas de Estados Unidos,Reino Unido, Canadá e outros países desembarcaram nas praias da Normandia, no norte da França. A liderança militar alemã tinha previsto que haveria um desembarque – mas um pouco mais a leste. Os Aliados ocidentais puderam expandir a penetração nas fileiras inimigas e forçar a rendição de Hitler a partir do oeste.
Foto: Getty Images
1944
No dia 15 de agosto, os Aliados deram início a mais um contra-ataque no sul da França e desembarcaram na Provença. As tropas no norte e no sul avançaram rapidamente e, no dia 25 de agosto, Paris foi libertada da ocupação alemã. No final de outubro, Aachen se tornou a primeira grande cidade alemã a ser ocupada pelos Aliados.
Foto: Getty Images
1944
No inverno europeu de 1944/45, as Forças Armadas alemãs reuniram suas tropas no oeste e passaram para a contra-ofensiva em Ardenne. Mas, após contratempos no oeste, os Aliados puderam vencer a resistência e avançar inexoravelmente até o "Grande Império Alemão" – a partir do leste e do oeste.
Foto: imago/United Archives
1945
No dia 8 de maio de 1945, os nazistas se renderam incondicionalmente. Para escapar da captura, Hitler se suicidou com um tiro no dia 30 de abril. Após seis anos de guerra, grande parte da Europa estava sob entulhos. Quase 50 milhões de pessoas morreram no continente durante a Segunda Guerra Mundial. Em maio de 1945, o marechal de campo Wilhelm Keitel assinava a ratificação da rendição em Berlim.