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SaúdeChina

Lockdown total para 25 milhões gera frustração em Xangai

William Yang
8 de abril de 2022

Enquanto governo defende política de tolerância zero contra mais grave surto de covid-19 desde 2020, moradores criticam dificuldade para obter comida, hospitais sobrecarregados e separação de pais e filhos em quarentena.

A imagem aérea mostra prédios, carros e um corredor com pessoas em um bairro da cidade de Xangai, na China, que está isolada, em lockdown, devido a um surto de coronavírus.
Xangai em lockdown: autoridades têm sido criticadas pela política de tolerância zero contra o coronavírusFoto: ALY SONG/REUTERS

Enquanto as autoridades chinesas tentam controlar o mais grave surto de coronavírus no país asiático desde que o primeiro isolamento foi imposto em Wuhan, no começo de 2020, praticamente todos os cerca de 25 milhões de habitantes de Xangai foram colocados em lockdown por tempo indeterminado.

O surto atual tem pressionado o sistema de saúde e também os trabalhadores da área, na maior cidade e centro financeiro da China.

A mais recente onda de covid-19 em Xangai também levou dezenas de milhares de pessoas a serem colocadas em quarentena em locais de isolamento designados pelo governo. A cidade transformou vários hospitais, ginásios, prédios de apartamentos e outros locais em instalações para quarentena.

Para controlar as infecções, a cidade impôs um lockdown total a partir de 28 de março. Ele deveria ter terminado na última terça-feira (05/04), mas foi estendido por tempo indeterminado.

Na segunda-feira, as autoridades haviam reportado 8.581 casos assintomáticos e 425 sintomáticos de covid-19. Apesar das drásticas medidas, nesta sexta-feira foram contabilizadas 20.398 novas infecções, 824 delas sintomáticas.

Campanha para testagem em toda a cidade

Outra medida implementada na cidade, a partir da última segunda-feira, é uma campanha para realizar testes de PCR em todos os residentes, após uma campanha de autotestes promovida no domingo, por meio de testes rápidos de antígenos.

O governo enviou o Exército e milhares de profissionais de saúde para Xangai para ajudar a realizar os testes. No domingo, o Exército de Libertação do Povo enviou mais de 2 mil médicos de todo o setor militar, marinha e forças conjuntas de apoio logístico para a cidade, noticiou um jornal das Forças Armadas.

A mídia estatal chinesa reportou que cerca de 38 mil trabalhadores da área da saúde de províncias como Jiangsu, Zhejiang e a capital Pequim também foram deslocados para Xangai.

É a maior reação da saúde pública da China desde que o país enfrentou o surto inicial de covid-19 em Wuhan, onde o novo coronavírus foi detectado pela primeira vez no final de 2019.

O surto em Xangai é um teste para a estratégia chinesa de tolerância zero contra a covid-19, que busca a eliminação do vírus com base em testes, rastreamento e quarentena de todos os casos positivos e seus contatos próximos.

Apesar das crescentes dificuldades em aplicar essa rígida política, alguns especialistas dizem que a China provavelmente se manterá fiel a ela no futuro.

"As autoridades sanitárias chinesas sabem que não estão preparadas para mudar a estratégia a curto prazo, devido a uma população idosa não totalmente vacinada, infraestrutura de saúde debilitada e falta de comunicação e preparativos psicológicos", afirma Xi Chen, professor adjunto de Política de Saúde e Economia na Escola de Saúde Pública de Yale, nos Estados Unidos.

Uma das dificuldades apontadas por moradores é quanto à compra de comida e mantimentos na cidadeFoto: ALY SONG/REUTERS

Frustração nas redes sociais

Nas redes sociais, há intensas reclamações de parte da população devido à dificuldade em comprar comida, medicamentos e outros itens básicos. Na plataforma Weibo, há várias postagens e comentários com a hashtag #ComprarComidaEmXangai.

"Não podemos comprar comida. Onde estão os suprimentos de outras províncias?", questionou um usuário.

"A pandemia pode não matar as pessoas, mas não ter comida para comprar e comer pode", escreveu outro.

Outros criticaram a situação dos hospitais de campanha montados pela cidade. Num vídeo divulgado na Weibo, uma usuária em quarentena numa dessas instalações afirmou que faltava pessoal e que pacientes tinham que brigar por comida e água.

Lockdown é desafio para pacientes com outras doenças

Com o sistema de saúde de Xangai sobrecarregado, alguns moradores disseram à DW que pacientes com outras enfermidades, ao chegarem aos hospitais, têm sido mandados de volta para casa.

"Todos os médicos dos hospitais de Xangai estão sobrecarregados. O pai de uma amiga fez recentemente uma cirurgia para remover um coágulo, mas a recuperação não correu tão bem. Quando ele voltou ao mesmo hospital em busca de tratamento, o cirurgião havia sido chamado para trabalhar contra o surto de covid-19. Alguns dias após seu retorno para casa, sua condição piorou e ele teve que fazer uma amputação", conta uma mulher de sobrenome Zhang, que pediu para não revelar o nome completo por medo de represálias.

A súbita decisão do governo de impor um lockdown total também acarretou sérios problemas para algumas pessoas idosas que não têm acesso a aparelhos ou têm dificuldades para comprar mantimentos on-line.

"Embora seja improvável que a maioria das pessoas em Xangai morra de fome, alguns idosos que vivem sozinhos ou outros grupos marginalizados podem enfrentar uma situação de falta de acesso a suprimentos básicos", afirma Zhang.

Até mesmo os meios de comunicação domésticos na China noticiaram mortes ou falta de tratamento para idosos infectados em casas de repouso. Tais notícias, no entanto, foram prontamente removidas da internet.

O grupo de mídia Caixin noticiou em 2 de abril que houve pelo menos mais de uma dúzia de mortes em um asilo em Xangai, mas não ficou claro se as mortes foram causadas pelo coronavírus. Em poucas horas, a notícia também foi removida do site do Caixin.

"Muitas pessoas em Xangai não têm mais medo de serem infectadas pelo coronavírus, mas estão mais preocupadas em apresentarem outros problemas de saúde urgentes e terem o acesso aos cuidados médicos necessários negado", diz Zhang.

Indignação pública quanto à separação de pais e filhos

As autoridades de Xangai também têm sido duramente criticadas nos últimos dias por separarem à força crianças contaminadas com covid-19 de seus pais, usando regras de prevenção à pandemia  como argumento.

Vídeos não verificados de bebês e crianças pequenas nas enfermarias estatais têm sido amplamente compartilhados nas mídias sociais, com alguns deles mostrando crianças em condições de aglomeração e insalubridade.

Muitos pais e pessoas responsáveis por essas crianças têm divulgado essa informação nas mídias sociais a fim de expressarem sua raiva contra a política.

Na rede social chinesa Weibo, uma mulher chamada Zhu compartilhou o fato de que sua filha de dois anos foi levada pelas autoridades para um local de quarentena no distrito de Jinshan. "Três dias após ela ter sido levada, só recebemos mensagens dizendo que ela estava bem, mas sem imagens", escreveu Zhu.

"Depois de ver as imagens online, fiquei chocada. Minha filha estava assintomática quando foi levada para o local [de quarentena], e é muito fácil ser infectada nesse tipo de ambiente. Por favor, a enviem de volta para mim. Ela não precisa de nenhum tratamento mais sério para essa doença. Ela precisa de companhia e ser cuidada", acrescentou a mulher.

Sua publicação atraiu milhares de compartilhamentos e comentários na Weibo, e palavras-chave relevantes também viralizaram. "O que há de errado com Xangai? O que há de errado com os líderes em Xangai? Não tenho certeza se a pessoa que tomou a decisão tem filhos ou não, mas tenho certeza de que não tem mãe. Isso é ultrajante", escreveu uma pessoa.

E, 3 de abril, um dia depois que seus posts com os pedidos para se encontrar novamente com a filha viralizaram, Zhu escreveu que as autoridades concordaram em deixá-la ficar com sua filha no local de quarentena.

"O ambiente é o mesmo do das imagens compartilhadas online. Minha filha estava aparentemente muito nervosa e conseguiu adormecer somente às 4 horas da manhã. Há muitas mães com seus filhos aqui, mas por que não nos deixaram vir e fazer companhia para nossos filhos mais cedo? Eu ainda não entendo", publicou.

A maior cidade e centro financeiro da China teve lockdown estendido por tempo indeterminadoFoto: ALY SONG/REUTERS

Governo defende a política

Outros residentes de Xangai disseram à DW que os hospitais só concordaram em deixar os pais acompanharem seus filhos no local de quarentena depois que muitas crianças foram admitidas e não havia enfermeiras suficientes para cuidar delas.

"Era verdade que eles não permitiam que os pais fizessem companhia aos filhos antes da revolta se tornar pública", disse uma mulher de sobrenome Sun, que se recusou a revelar o nome completo devido a preocupações com a segurança.

"Acho que como ninguém em Xangai esperava que o surto fosse tão grave, eles foram lentos em ajustar as políticas de quarentena para crianças no início. Em vez de tentar encontrar um culpado, a população estava simplesmente tentando melhorar a situação. Somos todos de Xangai e ainda amamos esta cidade", acrescentou.

Na segunda-feira, autoridades sanitárias de Xangai defenderam a política. "Crianças menores de sete anos receberão tratamento em um centro de saúde pública. Quanto a crianças mais velhas ou adolescentes, estamos principalmente isolando-as em centros [de quarentena]", disse Wu Qianyu, um funcionário da Comissão Municipal de Saúde de Xangai, segundo informou a agência de notícias AFP.

Por quanto tempo mais a China pode manter a tolerância zero?

Apesar dos desafios, a China continua comprometida com a sua política de tolerância zero contra a covid-19, ao menos até o momento. O presidente chinês, Xi Jinping, estimulou a população a conter o surto o mais rápido possível.

No último sábado, o vice-primeiro-ministro, Sun Chunlan, que foi enviado a Xangai pelo governo, também incentivou a cidade a "tomar medidas firmes e rápidas" para conter a pandemia.

No entanto, Mei-Shang Ho, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da Academia Sinica em Taiwan, acredita que as chances de a China erradicar o vírus internamente são próximas de zero. "De uma perspectiva científica, é impossível apoiar a abordagem do governo chinês por meio de uma análise racional", disse ela à DW.

"Em vez de usar vacinas para ajudar a reduzir o índice de casos graves e mortes, a China está usando uma política de tolerância zero. É apenas uma medida temporária quando um governo espera por melhores soluções, mas ainda não está claro que melhor solução o governo chinês está esperando", acrescentou.

Xi Chen, da Escola de Saúde Pública de Yale, disse que os formuladores de políticas chinesas não parecem dispostos a suportar o enorme preço da reabertura: "Será muito problemático nos mantermos cegamente fiéis ao princípio de tolerância zero sem pensar em uma estratégia mais sustentável. Mas será igualmente problemático discutir 'conviver com o vírus' sem se preparar melhor para isso."

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