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"Lua de mel com o mercado não será eterna"

Fernando Caulyt
9 de outubro de 2018

Confirmação do favoritismo de Bolsonaro no primeiro turno faz Bolsa operar em forte alta e dólar cair. Para economista, quem for eleito à Presidência terá alguns meses para demonstrar capacidade de avançar com reformas.

Bolsa de Valores
Bolsa subiu mais de 4% após primeiro turno, no qual Bolsonaro obteve 46% dos votosFoto: Getty Images/Y.Chiba

A confirmação do favoritismo de Jair Bolsonaro (PSL) no primeiro turno das eleições fez a Bolsa de Valores operar em forte alta, subindo mais de 4%, e o dólar cair mais de 2% nesta segunda-feira (08/10), para R$ 3,76. 

Para o economista Silvio Campos, da Tendências Consultoria, a eventual vitória do ex-capitão agrada ao mercado devido à perspectiva da continuidade de uma agenda reformista, com foco no ajuste fiscal e possibilidade de avanço das privatizações e reformas.

"Os mercados irão naturalmente refletir também, claro, se houver alguma mudança apontada por pesquisas eleitorais que indiquem uma virada em prol do [candidato do PT, Fernando] Haddad", frisou Campos. "É bastante claro que o primeiro temor do mercado é a volta do PT."

Na visão do economista, ambos os programas econômicos propostos pelos candidatos – o liberalismo sem dar suporte à agenda social de Bolsonaro e a agenda de retomada bastante intervencionista e desenvolvimentista de Haddad – teriam que ser ajustados, e a lua de mel com o mercado não deve ser eterna.

DW: A Bolsa disparou após o resultado do primeiro turno, e o dólar caiu. Antes, o mercado considerava que a vitória de Bolsonaro oferecia mais riscos à agenda econômica, e agora, não mais. O que mudou?

Silvio Campos: A melhora mostra a visão do mercado de que uma eventual vitória de Bolsonaro abre a perspectiva de uma continuidade de pelo menos algo próximo do que tivemos nesses últimos dois anos: uma agenda reformista, com ortodoxia na condução da parte macroeconômica, com foco no ajuste fiscal e com a possibilidade de avanço nas privatizações e reformas. Claro que é uma agenda de muitos riscos em vários aspectos: a questão da governabilidade e de que tudo isso está baseado na permanência de um assessor econômico [Paulo Guedes]. O outro lado [Haddad] apresenta um cenário de fácil antecipação porque é uma agenda econômica já conhecida: mais desenvolvimentista, com menor foco no equilíbrio econômico, com baixa probabilidade de avanço de privatizações e reformas. Então, o mercado precifica de forma pior o cenário de volta do PT à Presidência.

Essa lua de mel atual do mercado com Bolsonaro deverá continuar nos próximos dias?

É bem possível que esse cenário continue ao longo do mês de outubro. Os mercados irão naturalmente refletir também, claro, se houver alguma mudança apontada por pesquisas eleitorais que indiquem alguma virada em prol de Haddad. Caso contrário, continua esse cenário de uma precificação mais positiva de ativos. Depois das eleições, confirmado o resultado, os mercados vão querer saber naturalmente o que virá de concreto em termos de medidas, capacidade de aprovar reformas e, assim, o tempo de lua de mel não será tão longo. Serão alguns meses para que o novo governo realmente dê uma demonstração mais consistente e firme da capacidade de avançar com a agenda necessária.

O mercado apostava em Geraldo Alckmin (PSDB) para ir ao segundo turno...

Se o Geraldo Alckmin fosse para o segundo turno no lugar de Bolsonaro, não há dúvida de que a situação do mercado seria totalmente diferente: a Bolsa estaria muito acima do que está no primeiro dia útil depois do primeiro turno, e o dólar, com valor mais baixo. Na verdade, o que mudou foi o nome do antipetista. É bastante claro que o principal temor do mercado é a volta do PT. Já a segunda preocupação é quem será o concorrente. Bastou pelo menos ter a indicação de que o grupo político [de Bolsonaro] permitirá uma linha econômica mais próxima da mantida pelo governo Michel Temer, isso já foi suficiente pelo menos para dar uma acalmada nos ânimos. Quem vencer as eleições terá um tempo de lua de mel com o mercado que não vai ser eterno. O novo governo terá um período de alguns meses para encaminhar essa agenda econômica e conseguir aprovar principalmente a reforma da Previdência. Se não conseguir, o mercado naturalmente irá piorar.

Como você avalia a polarização entre Bolsonaro e Haddad? O segundo turno será a eleição do candidato com a menor rejeição?

Sim. São dois lados bastante polarizados e com níveis de rejeição bastante elevados. A questão ao longo dessas três semanas é verificar como os candidatos vão apontar os defeitos dos outro e vender isso para a população. Será eleito o candidato que assustar menos. De um lado está a volta do PT, que tem em seu histórico tanto a gestão econômica mais recente quanto problemas com a Lava Jato. Do outro, está Bolsonaro, que é uma incógnita completa e que também gera algumas preocupações em parte da sociedade. Então, no fundo, o menos rejeitado vai acabar sendo o vencedor.

As propostas econômicas dos dois candidatos parecem ser controversas. Bolsonaro se apresenta como liberal e, Haddad, intervencionista. Os dois modelos são viáveis? Por quê?

Nas condições atuais da economia brasileira, nenhum dos dois programas conseguiriam ser levados adiante de uma forma extrema. De um lado, é inviável apenas o liberalismo sem dar suporte à agenda social. Isso porque há questões constitucionais e programas consolidados junto à população que o novo governo não reverteria. Do outro lado, se implementarem uma agenda de retomada bastante intervencionista e desenvolvimentista com o uso do Tesouro para forçar o crescimento econômico, o país iria para uma insolvência rápida, e os mercados iriam antecipar isso de forma imediata. Como consequência, o governo não conseguiria sequer avançar, dado os estragos que isso causaria na economia por causa da reação do mercado. Esses dois modelos terão que caminhar um pouco numa direção diferente.

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