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Câncer de Lugo

16 de agosto de 2010

O presidente paraguaio poderá até governar o país do hospital, mas não deverá realizar as reformas que prometeu ao assumir o poder há dois anos, avalia o especialista alemão Thomas Otter em entrevista à Deutsche Welle.

Na foto, Lugo deixa o hospital pouco antes de o governo anunciar sua doença em agostoFoto: AP

Ao assumir a presidência do Paraguai em 15 de agosto de 2008, provavelmente Fernando Lugo constatou com assombro que, em menos de cinco anos, não apenas desafiara o Vaticano – primeiro, ao pregar a Teologia da Libertação como bispo da diocese de São Pedro e depois ao deixar o hábito para dedicar-se integralmente à política em 2006 – mas também o Partido Colorado (Associação Nacional Republicana), que governara o país durante seis décadas.

A ironia é que, apenas em segundo ano de governo, quando o país parece necessitar de sua atenção com mais urgência, o presidente paraguaio vê-se simultaneamente frente a dois novos desafios: lutar contra um câncer linfático em estado avançado, diagnosticado no início de agosto deste ano, e enfrentar as duras críticas de quem esperava muito mais de sua administração como chefe de Estado.

A esse respeito, a Deutsche Welle entrevistou o alemão Thomas Otter, doutor em Ciências Econômicas e pesquisador da Universidade Georg August de Göttingen, no estado da Baixa Saxônia.

O especialista alemão teve uma de suas análises sobre o "fenômeno Lugo" – escrita em coautoria com o Dr. Marcello Lachi, politólogo da Universidade de Siena, na Itália – publicada pelo Instituto Alemão para Assuntos Globais e Regionais (Giga) em julho de 2008, apenas dois meses depois da vitória nas eleições presidenciais paraguaias.

Lugo contou com o apoio de uma aliança nunca antes vista, formada por adversários do Partido Colorado de centro e esquerda, sindicatos e representantes de diferentes movimentos políticos, sociais e culturais do país.

Lugo está sendo tratado no Hospital Sírio-Libanês, em São PauloFoto: AP


Deutsche Welle: Em sua análise Fernando Lugo: cambio político e continuidade en Paraguay, o senhor e o Dr. Lachi tentaram determinar em que medida a vitória eleitoral do ex-bispo refletia uma autêntica transformação no cenário político paraguaio e até que ponto seu governo poderia realizar as reformas necessárias sem alienar os elementos conservadores que o apoiavam. Qual é hoje o balanço que o senhor faz da administração de Lugo no Paraguai?

Dr. Thomas Otter: Nos dois últimos anos, não houve a mudança política esperada. A participação social continua acentuando-se e abrindo espaço, porém o governo Lugo não está fazendo nada para estimular, consolidar ou aproveitar essa participação. As forças sociais estão aí e as pessoas participam como querem, mas essa energia não esta sendo bem canalizada.

Quando Lugo e a Aliança Patriótica para a Mudança venceram o Partido Colorado – no poder desde 1947 – nas eleições presidenciais, tudo parecia indicar que estava a caminho uma grande transformação. Mas, passados dois anos, a situação é muito diferente disso.

A mudança de governo no Paraguai não foi impulsionada de maneira predominante pelo vigor político de uma nova coalizão partidária, mas pelo ímpeto de novas forças sociais que haviam emergido. Estou me referindo à geração que chegou à maioridade duas décadas depois do fim da ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989). Um grupo com ideias políticas e formas de atuar socialmente distintas das de seus predecessores.

A única coisa que Lugo e seus partidários fizeram ao perceber que boa parte do eleitorado não estava disposta a continuar votando no Partido Colorado foi entrar na batalha eleitoral.

Esperava-se – em vão – dos partidos tradicionais que colaborassem com Lugo para pôr um ponto final à crise social do país, precisamente porque esses partidos continuam domindo o Parlamente paraguaio a partir da oposição. Por outro lado, o apoio de uma coalizão de partidos, que era vista como o mais importante capital político de Lugo, parece não tê-lo ajudado muito. É de estranhar que as reformas mais ambiciosas ainda não tenham sido realizadas?

A grande reforma agrária, a reforma tributária, as reformas de ordem política e de toda a estrutura burocrática... Nenhuma dessas reformas saiu do papel porque o governo Lugo carece da maioria no Parlamento.

Por outro lado, o presidente Fernando Lugo está em confronto direto com quem um dia foi seu aliado, o Partido Liberal; sobretudo com seu vice-presidente, Federico Franco, que não tem força política dentro de seu próprio partido, um grupo bastante dividido. Há três semanas, houve um comício interno para eleger o presidente dos liberais e Franco ficou em terceiro lugar, com menos de 20% dos votos.

Com esse pano de fundo, não se pode esperar que o governo promova uma mudança política considerável. Nos últimos anos, foram feitas coisas muito bonitas, porém não muito relevantes. Depois do triunfo de Lugo, o Instituto de Previdência Social conseguiu que o número de novos assegurados aumentasse para 60 mil em 2009 mediante a regularização de empresas. Uma verdadeira façanha em tempos de crise econômica.

Isso não contribuiu muito para colocar um fim ao grave problema da exclusão social, mas é algo que os governos anteriores nunca conseguiram.

Esforços de Lugo 'não significam uma mudança política considerável e nem têm um grande alcance'Foto: AP


O Ministério da Saúde está funcionando melhor que antes e o Ministério da Justiça e Trabalho conseguiu simplificar os mecanismos de contratação com carteira assinada, em comparação com as administrações anteriores.

Ainda sim, insisto que, por mais que o governo de Lugo se esforce em oferecer bem-estar à população, o que foi conquistado até agora não significa uma mudança política considerável e nem tem um grande alcance.

Fernando Lugo deu início às primeiras sessões de quimioterapia no Brasil para combater seu câncer linfático, o que está gerando uma crescente especulação sobre a real gravidade de sua doença. O que uma renúncia antecipada de Lugo implicaria para um país que quer deixar para trás sua história de instabilidade política?

À exceção dos meios de comunicação, que estão mais contra que a favor do presidente, neste momento ninguém acredita que Lugo vá morrer por complicações de saúde ou que vá renunciar ao cargo de presidente. E mesmo que seu estado de saúde seja pior do que muitos acreditam, posso imaginá-lo governando do hospital até seu último suspiro.

Claro que sua morte desestabilizaria o atual governo paraguaio. Mas o que é impensável para mim neste momento é que Lugo abandone a presidência prematuramente e passe o cargo a seu vice-presidente, Federico Franco. Afinal, se os liberais não querem ter Franco como presidente, o que dizer do resto dos paraguaios?

Autor: Evan Romero-Castillo (la)
Revisão: Rodrigo Rimon

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