Retomada do colegiado era promessa de campanha do presidente e vinha sendo cobrada por familiares de vítimas da ditadura militar.
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu recriar a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), extinta por seus próprios membros em dezembro de 2021, ao final do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, um apologista da ditadura militar (1964-1985). O decreto de reinstalação do colegiado responsável por identificar e reconhecer a morte de vítimas da ditadura foi publicado no Diário Oficial da União desta quinta-feira (04/07).
O decreto restabelece a comissão nos mesmos moldes previstos de quando foi criada, em 1995, e é uma demanda de familiares de vítimas da ditadura desde o início do terceiro mandato de Lula. Em março deste ano, o Ministério Público Federal chegou a recomendar a retomada das atividades do órgão dentro do prazo de 60 dias, o que não foi cumprido.
O despacho assinado pelo presidente também destituiu quatro membros do grupo que foram indicados por Bolsonaro e designou, para a presidência, a procuradora regional da República Eugênia Augusta Gonzaga, que já havia ocupado a mesma cadeira até 2019.
A professora Maria Cecília de Oliveira Adão assume a vaga de representante da Sociedade Civil, o advogado da União Rafaelo Abritta representará o Ministério da Defesa e a deputada Natália Bastos Bonavides (PT-RN) ocupa a cadeira reservada à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Outros três membros que completavam a comissão vão continuar os trabalhos a partir de agora.
A Comissão
Criada em 1995 pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a comissão atravessou quase oito mandatos presidenciais, sempre com foco em reconhecer denúncias sobre mortes com motivação política causadas pelo Estado durante a ditadura no Brasil. Foi a primeira Comissão de Estado instalada para tratar das mortes deixadas pela ditadura.
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O colegiado podia, por exemplo, solicitar documentos e perícias que levassem à localização dos restos mortais de desaparecidos, além de reconhecer os desaparecidos e realizar reparação aos familiares. Diversas famílias receberam o atestado de óbito das vítimas em decorrência destas atividades.
Em 2019, porém, Bolsonaro alterou a composição de quatro das sete cadeiras da CEMDP, apenas uma semana depois de a comissão emitir documento reconhecendo que a morte "violenta" de Fernando Santa Cruz, ativista de esquerda desaparecido durante a ditadura, foi causada pelo Estado.
A nova gestão chegou a revogar algumas decisões da comissão e, em 2021, a maioria aliada ao ex-presidente votou pela extinção dos trabalhos, com o aval de Bolsonaro e à revelia de recomendações do Ministério Público Federal.
Na ocasião, apenas três membros votaram contra o fim da comissão, entre eles a representante dos familiares desaparecidos, Diva Santana, que estava prestes a obter certidões de óbito corrigidas da irmã e do cunhado quando o processo foi interrompido.
Até 2008, o grupo já havia reconhecido formalmente e aprovado reparação indenizatório de 221 desaparecidos políticos, além de outros 136 cujo assassinato já havia sido reconhecido em lei, segundo relatório da Comissão. Um dos trabalhos mais emblemáticos foi a identificação de mortos encontrados na vala clandestina de Perus, em São Paulo, onde foram encontradas ossadas de vítimas da repressão militar.
A ditadura brasileira (1964-1985)
Regime militar que sufocou a democracia se estendeu por 21 anos. Período foi marcado por perseguições, tortura, censura, crescimento e derrocada econômica.
Foto: Arquivo Nacional
A perseguição política
A perseguição de adversários se concentrou nos meses após o golpe de 1964 e entre o final da década de 60 e início dos anos 70. Mais de 5 mil pessoas foram alvo de punições como demissões, cassações e suspensão de direitos políticos. Ao todo, 166 deputados foram cassados. O regime também perseguiu membros em suas fileiras. Pelo menos 6.951 militares foram presos, desligados e presos.
Foto: Arquivo Nacional
Assassinatos e desaparecimentos
Assim como a perseguição política, os assassinatos de opositores promovidos pelo regime se concentraram em algumas fases da ditadura. Mas todos os generais-presidentes foram tolerantes com a prática. A Comissão Nacional da Verdade (CNV) apontou a responsabilidade do regime militar pela morte de 224 pessoas e pelo desaparecimento de 210 – 228 delas morreram durante o governo Médici (1969-1974).
Foto: Arquivo Nacional
Tortura
Na ditadura, a tortura virou uma prática de Estado. Já no governo Castelo Branco (1964-1967) foram apresentadas 363 denúncias de tortura. Na fase de Médici (1969-1974), seriam mais de 3.500. O relatório "Brasil: Nunca Mais" lista 283 formas de tortura aplicadas pelo regime, como afogamentos, choques elétricos e o pau de arara. Ao longo de 21 anos, houve mais de 6 mil denúncias de tortura.
Foto: Arquivo Nacional
A luta armada
Ao dar o golpe, os militares citaram a corrupção e o esquerdismo do governo Jango. A luta armada, às vezes apontada como razão de ser da ditadura, nem foi mencionada. Só em 1966 ocorreram as primeiras ações relevantes de grupos de esquerda, que cometeriam atentados e assaltos com o objetivo de promover uma revolução. Em 1974, todos já haviam sido aniquilados, mas a ditadura duraria mais uma década
Foto: Arquivo Nacional
Os atos institucionais
O regime militar recorreu a uma série de decretos chamados atos institucionais para manter seu poder. Entre 1964 e 1969 foram promulgados 17 atos, que estavam acima até da Constituição. Alguns promoveram a cassação de adversários (AI-1) e a extinção dos partidos políticos existentes (AI-2). O mais duro deles, o AI-5, instituiu em 1968 a censura prévia na imprensa e a suspensão do "habeas corpus".
Foto: Arquivo Nacional
A censura
Boa parte da imprensa apoiou o golpe, mas vários jornais passaram a criticar o regime, alguns mais cedo, outros mais tarde. Com o AI-5, passou a vigorar uma censura prévia em vários meios de comunicação. O regime censurava até más notícias, promovendo uma imagem fictícia da realidade do país. Epidemias, desastres e atentados eram temas vetados. Músicas, filmes e novelas também foram censurados.
Foto: Arquivo Nacional
Colaboração com outras ditaduras
Junto com os regimes da Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai, a ditadura brasileira integrou a Operação Condor, uma aliança para perseguir opositores no Cone Sul. O regime também ajudou a treinar oficiais chilenos em técnicas de tortura. Um dos casos mais notórios de colaboração foi o sequestro em 1978 de dois ativistas uruguaios em Porto Alegre, que foram entregues ao país vizinho.
Foto: Biblioteca da Presidência da República
O milagre econômico...
Após três anos de ajustes, os militares promoveram a partir de 1967 investimentos e oferta de crédito. A fórmula deu resultados. Entre 1967 e 1973, a expansão do PIB brasileiro foi de 10,2% ao ano. O país passou a ser a décima economia do mundo. O crescimento aumentou a popularidade do regime durante a fase mais repressiva da ditadura. Mas o "milagre brasileiro" duraria pouco.
Foto: Arquivo Nacional
... e a derrocada econômica
A conta do "milagre" chegou após os dois choques do petróleo e uma série de decisões desastradas para manter a economia aquecida. Ao fim da ditadura, o país acumulava dívida externa 30 vezes maior que a de 1964 e inflação de 225,9% ao ano. Quase 50% da população estava abaixo da linha de pobreza. Os militares pegaram um país com graves problemas econômicos e entregaram um quebrado.
Foto: Biblioteca da Presidência da República
Corrupção
A censura e a falta de transparência favoreceram a corrupção. O período foi marcado por vários casos, como o Coroa-Brastel, Delfin, Lutfalla e a explosão de gastos em obras. O regime promoveu e protegeu figuras como Paulo Maluf e Antônio Carlos Magalhães, que já nos anos 70 eram suspeitos em casos de corrupção. Também abafou casos, como a compra superfaturada de fragatas do Reno Unido nos anos 70.
Foto: Biblioteca da Presidência da República
Grandes obras
A ditadura promoveu obras faraônicas, divulgadas com propaganda ufanista, como Itaipu e a ponte Rio-Niterói. Algumas foram marcadas por desperdícios e erros, como a Transamazônica e as usinas de Angra. Em 1969, o regime criou uma reserva de mercado para as empreiteiras nacionais ao proibir a atuação de estrangeiras. É nessa época que empresas como a Odebrecht passam a dominar as obras no país.
Foto: Arquivo Nacional
Anistia e falta de punições
Em 1979, seis anos antes do fim da ditadura, foi promulgada a Lei da Anistia, perdoando crimes cometidos por motivação política. Mas ela tinha mão dupla: garantiu também a impunidade para agentes responsáveis por mortes e torturas. No Chile e na Argentina, dezenas de agentes foram condenados por violações de direitos humanos após a volta da democracia. No Brasil, ninguém foi punido.