Lula se torna réu acusado de lavagem de dinheiro e corrupção
21 de setembro de 2016
Juiz Sergio Moro aceita denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal referente ao caso do tríplex no Guarujá. Esta é a segunda vez que o ex-presidente se torna réu em processos envolvendo a Operação Lava Jato.
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Lula reage à nova decisão que o torna réu da Lava Jato
01:17
A Justiça Federal do Paraná aceitou nesta terça-feira (20/09) a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do tríplex no Guarujá, no litoral paulista. Lula é acusado de lavagem de dinheiro e corrupção passiva.
A Justiça aceitou também as denúncias apresentadas contra a esposa do ex-presidente, Marisa Letícia, e mais seis pessoas. Com a decisão, todos viram réus no processo e serão julgados pelo juiz Sergio Moro, responsável pelas ações judiciais da Operação Lava Jato que não envolvam pessoas com foro privilegiado.
Moro afirmou que a decisão não representa um "juízo conclusivo" quanto à culpa dos acusados. No despacho em que acatou a denúncia, o juiz afirmou que neste momento a sustentação das acusações deve ser avaliada (para ler a íntegra do despacho, vá até o final do artigo).
"Tais fatos e provas são suficientes para a admissibilidade da denúncia e sem prejuízo do contraditório e ampla discussão, durante o processo judicial, no qual os acusados, inclusive o ex-presidente, terão todas as oportunidades de defesa", disse Moro.
Além de Lula e Marisa, o juiz aceitou as denúncias contra o diretor do Instituto Lula, Paulo Okamotto, e os executivos da construtora OAS Leo Pinheiro, Agenor Franklin Medeiros, Paulo Gordilho, Fábio Hori Yonamine e Roberto Moreira Ferreira.
Defesa acusa Moro de perder imparcialidade
Em nota, a defesa de Lula afirmou não estar surpresa com a decisão, diante do que chamou de "histórico de perseguição e violação de direitos fundamentais" de Moro em relação ao ex-presidente.
"Nem mesmo os defeitos formais da peça acusatória e a ausência de uma prova contra Lula, como amplamente reconhecido pela comunidade jurídica, impediu que o referido juiz levasse adiante o que há muito havia deixado claro que faria: impor a Lula um crime que jamais praticou", diz a nota enviada pelos advogados Cristiano Zanin Martins e Roberto Teixeira.
A defesa afirmou ainda que Moro perdeu a imparcialidade para julgar a ação. "Esperamos que a Justiça brasileira, através dos órgãos competentes, reconheça que o juiz de Curitiba perdeu sua imparcialidade para julgar Lula, após ter praticado diversos atos que violaram as garantias fundamentais do ex-presidente", concluiu a nota.
Pagamento de propina
A denúncia, apresentada na semana passada, afirma que o ex-presidente teria recebido 3,7 milhões de reais em vantagens indevidas da construtora OAS. Parte do montante está relacionada ao apartamento de luxo no Guarujá.
De acordo com os procuradores do MPF, 1,1 milhão de reais teriam sido usados para a compra do tríplex, 926 mil reais para uma reforma na propriedade e 350 mil reais para a instalação de equipamentos de cozinha. A empresa ainda teria pago 1,3 milhão de reais para armazenar bens de Lula num depósito depois que ele deixou a Presidência.
As investigações fizeram parte da 22ª fase da Lava Jato, deflagrada em janeiro. Os investigadores suspeitam que a OAS tenha oferecido apartamentos do empreendimento no Condomínio Solaris como suborno em troca de contratos com a Petrobras e que Lula é o verdadeiro dono de um dos imóveis.
Segundo a acusação, os apartamentos teriam sido registrados no nome de empresas de fachada. Na época, Lula negou ter comprado um apartamento no condomínio, mas admitiu que sua esposa adquiriu, em 2009, uma participação visando uma possível aquisição. Ele disse que, como as obras atrasaram, a OAS ofereceu devolver o dinheiro de quem ainda não tinha confirmado a compra.
Essa foi a primeira vez que Lula foi acusado de envolvimento no esquema da Petrobras. A defesa do ex-presidente nega as acusações e afirma que o processo tem motivação política.
O resultado do julgamento poderá impedir uma possível candidatura de Lula nas eleições presidenciais de 2018. Se o ex-presidente for considerado culpado e condenado por Moro, e em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal (TRF), ele ficará inelegível pela Lei da Ficha Limpa.
No dia seguinte à denúncia, Lula fez um pronunciamento criticando a falta de provas e alegou estar sendo perseguido. "Provem uma corrupção minha que irei a pé até a delegacia", declarou o petista.
Réu pela segunda vez
Esta é a segunda vez que Lula se torna réu em um processo envolvendo a Lava Jato, mas é a primeira vez que o processo corre sob comando do juíz Sergio Moro. Em julho, a Justiça Federal aceitou a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal do Distrito Federal (MPF-DF) contra o ex-presidente, o ex-senador Delcídio do Amaral e mais cinco pessoas acusadas do crime de obstrução das investigações da operação.
Os envolvidos teriam tentado impedir o ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró de assinar acordo de delação premiada com a força-tarefa da Lava Jato, o que acabou se concretizando mais tarde. Eles teriam tentado comprar o silêncio de Cerveró por 250 mil reais.
Lula é alvo de dois outros inquéritos na Lava Jato, que investigam se ele é o proprietário de um sítio em Atibaia e se as palestras dadas após deixar a Presidência da República foram pagas com dinheiro oriundo de corrupção.
CN/efe/lusa/abr/ots
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
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As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/H. Alves
As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.