Grampos, condução coercitiva, ação na ONU: interrogatório abre novo capítulo na queda de braço entre juiz símbolo da Lava Jato e ex-presidente, figuras mais polarizadoras no atual debate público brasileiro.
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O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficará nesta quarta-feira (10/5) pela primeira vez frente a frente com o juiz Sérgio Moro. Formalmente, trata-se de um mero depoimento para a Justiça, mais uma etapa das investigações que apuram suspeitas envolvendo o petista. Simbolicamente, no entanto, o encontro é encarado como um divisor de águas da Operação Lava Jato.
Seguidores das duas figuras encaram cada um como herói ou vilão, dependendo de como enxergam os anos do PT no governo e a conduta da operação que abalou as estruturas políticas do país. Assim, o depoimento ganha contornos de embate político.
Para os apoiadores de Lula, o ex-presidente é uma vítima, e a operação não seria mais do que uma ferramenta para barrar uma nova candidatura sua à Presidência – mesmo que a Lava Jato tenha atingido vários adversários dos petistas. Na narrativa dos defensores, o juiz Sérgio Moro não é considerado um juiz isento, mas uma figura com ambições pessoais.
Do outro lado, o discurso vitimista de Lula é encarado como uma cortina de fumaça para despistar os escândalos do seu governo. E Moro é visto como um símbolo de um Brasil que não tolera mais a corrupção – e sua conduta por vezes midiática é perdoada.
Na mira da Lava Jato
Nesta semana, duas revistas de informação do país estamparam em suas capas imagens de Moro e Lula como atores de uma luta. Uma fez uma montagem do juiz e do ex-presidente como boxeadores. Outra, como atletas de luta livre mexicana. Um exagero evidente, mas Lula e Moro, de fato, já trocaram farpas e agiram diversas vezes como adversários.
Tendo surgido em março de 2014, a Lava Jato demorou mais de um ano antes de mirar o ex-presidente ou pessoas do seu círculo pessoal. Mas antes disso Lula já afirmava a interlocutores que temia ser um dos próximos alvos da operação, que era identificada cada vez mais com a figura de Moro. Em novembro de 2015, um amigo de Lula, o pecuarista José Carlos Bumlai foi preso por ordem de Moro por suspeita de intermediar um empréstimo fraudulento que beneficiou o PT. A partir daí, foram mais e mais episódios que aproximaram Lula da operação.
No depoimento desta quarta-feira, Lula deve falar sobre a ação em que é réu pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. É a famosa denúncia apresentada em um Power Point pelos procuradores da Lava Jato. A ação foi aceita por Moro em setembro. Segundo a acusação, o petista recebeu 3,7 milhões de reais em propina de uma empreiteira.
O valor não teria sido pago em espécie, mas se refere a um tríplex no Guarujá e ao aluguel de um depósito para guardar objetos que o ex-presidente recebeu durante seu governo. Esses "presentes", segundo o Ministério Público Federal, eram originários de dois contratos firmados entre a empreiteira OAS e a Petrobras. Além de Lula, o caso envolve o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto.
Histórico de farpas
Apesar de nunca terem se encontrado pessoalmente durante a Lava Jato, os dois já se falaram por meio de videoconferência. Foi em 30 de novembro, quando Lula falou a condição de testemunha de defesa do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) por meio de uma câmera na sede da Justiça Federal em São Bernardo do Campo (SP). O tom foi cordial. Antes disso, os dois estiveram envolvidos em diversas controvérsias.
A mais notória delas foi a divulgação em março de 2016 de uma série de escutas telefônicas envolvendo o ex-presidente. As ordens para registrar as conversas e retirar o sigilo do material partiram de Moro. Considerando o momento da divulgação, o que deveria ser uma simples decisão judicial acabou tendo efeitos políticos devastadores sobre o então governo Dilma Rousseff. À época, a petista havia nomeado Lula como ministro num esforço desesperado para salvar seu mandato.
A decisão de Moro, que passou por cima do Supremo Tribunal Federal (STF), incendiou o debate político. Lula foi impedido pela Justiça de assumir o cargo. A partir daí, críticas pontuais à atuação de Moro se tornaram mais comuns no meio jurídico e em alguns setores da imprensa, mas sua imagem junto à opinião pública não petista continuou bastante favorável.
Em outro episódio, também em março de 2016, Moro ordenou que Lula fosse conduzido coercitivamente pela Polícia Federal para prestar depoimento. Lula se queixou de que poderia ter sido intimado normalmente para falar, e que a condução foi motivada politicamente. A exemplo do que se espera que ocorra hoje em Curitiba, Lula acabou usando o episódio para agitar sua militância. À época, Lula disse "se quiseram matar a jararaca, não bateram na cabeça, bateram no rabo, porque a jararaca está viva".
Ainda no embate entre os dois, Lula acionou até mesmo ONU para reclamar da conduta de Moro e dizer que o juiz não tem condições de julgá-lo. Também entrou com várias queixas e pedidos em diferentes tribunais para retirar seu caso de Moro - até agora, sem sucesso. Também houve alguns bate-bocas com Moto provocados pela defesa do petista durante algumas audiências. Em março deste ano, durante o depoimento de uma testemunha de defesa de Lula, Moro vetou uma pergunta e disse que os advogados estavam tentando fazer "propaganda política" do governo Lula.
Em abril, após a defesa do ex-presidente ter listado uma quantidade enorme de testemunhas de defesa - 87 no total -, algo que indicava uma estratégia para atrasar o processo, Moro autorizou a presença de todas as pessoas, mas ordenou que Lula comparecesse a todos os depoimentos. Tanto a estratégia de Lula quanto a decisão de Moro, que soou como um tentativa de pagar na mesma moeda, foram criticadas por juristas. No final, outro tribunal decidiu que Lula não precisará comparecer a todos os depoimentos.
É com esse histórico que esses dois personagens vão se encontrar. Na segunda-feira (8/5), Moro tentou convencer o público de uma palestra em Curitiba que o processo e o depoimento são etapas perfeitamente normais, e não parte de um confronto pessoal ou um símbolo para militantes. "O processo não é uma guerra. O processo não é uma batalha, o processo não é uma arena. Em realidade as partes do processo são a acusação e a defesa. Não o juiz. O juiz não é parte no processo (...) Me preocupa um pouco esse clima de confronto, essa elevada expectativa em relação a algo que pode ser extremamente banal. E diga-se: nada de conclusivo vai sair nessa data.”
A trajetória política de Lula
Das greves no ABC à Presidência. Da condenação pela Lava Jato ao terceiro mandato. Os principais momentos políticos na vida de Luiz Inácio Lula da Silva.
Foto: Getty Images/AFP/C. Petroli
Lula e as greves do ABC
Em 1975, Lula foi eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema e ganhou projeção nacional ao liderar uma série de greves no final da década. Em 1980, foi preso e processado com base na Lei de Segurança Nacional após comandar uma paralisação que durou 41 dias. Lula ficou 31 dias no cárcere do Dops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social).
Foto: Instituto Lula
Fundação do PT
Em 10 de fevereiro de 1980, pouco antes de ser preso, Lula ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores (PT) com apoio de intelectuais e sindicalistas. Em maio do mesmo ano, ao sair do cárcere, foi eleito o primeiro presidente do partido. O pernambucano, então, ingressaria de vez na política: em 1982, concorreu ao governo de São Paulo e, em 1986, foi eleito deputado constituinte.
Foto: Getty Images/AFP/C. Petroli
A campanha de 1989
O PT lançou a candidatura de Lula nas primeiras eleições presidenciais diretas após o fim do regime militar. Com uma imagem de operário e um discurso de esquerda, Lula provocou temor em vários setores da economia, que se alinharam ao candidato Fernando Collor. O petista foi derrotado no segundo turno, depois de uma campanha que envolveu acusações de manipulação da imprensa a favor de Collor.
Foto: picture-alliance/dpa/R. Gostoli
A campanha de 1994
No embalo das primeiras denúncias de irregularidades no governo Collor, Lula lançou, em 1992, o movimento "Fora Collor" em apoio ao impeachment. Em 1994, concorreu novamente à Presidência, com Aloizio Mercadante como vice, mas foi derrotado no primeiro turno por Fernando Henrique Cardoso (PSDB), lançado como "pai do Plano Real". O PT, por outro lado, elegia seus primeiros governadores (DF e ES).
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A campanha de 1998
Em 1998, Lula sofreu uma de suas piores derrotas eleitorais. À época, o petista teve como candidato a vice o ex-governador Leonel Brizola (PDT), um dos seus rivais na eleição de 1989 e com quem disputava a hegemonia na esquerda brasileira. A fórmula não deu certo. Lula obteve só 31% dos votos, e o então presidente Fernando Henrique Cardoso foi reeleito com 53% no primeiro turno.
Foto: picture alliance/AP Photo/R. Gostoli
A posse de Lula
O eterno candidato do PT finalmente assumiu a Presidência em janeiro de 2003, após oito anos de governo do PSDB. Lula foi eleito com 61% dos votos válidos no segundo turno. A vitória foi alcançada após uma campanha que vendeu uma imagem mais moderada do petista – simbolizada no slogan "Lulinha paz e amor" – com o objetivo de acalmar os mercados e ampliar o eleitorado do partido.
Foto: O. Kissner/AFP/Getty Images
Economia em alta
Após as turbulências no final do governo Fernando Henrique Cardoso, a economia brasileira voltou a crescer com Lula, embalada sobretudo pelo boom das commodities. Foi o período da descoberta do pré-sal e investimentos em grandes obras de infraestrutura. O crescimento médio do PIB no segundo mandato chegou a 4,6%. O bom momento catapultou a popularidade de Lula, que chegou a 87% no final de 2010.
Foto: AP
Queda na desigualdade
Os programas sociais lançados por Lula, como Minha Casa, Minha Vida e ProUni, também contribuíram para a popularidade do presidente. O Bolsa Família, criado em 2004 a partir da unificação de outros programas de transferência de renda, se tornaria o carro-chefe. Quase 28 milhões de brasileiros saíram da zona de pobreza nos oito anos do governo Lula, afirmou um balanço em 2010.
Foto: Vanderlei Almeida/AFP/Getty Images
O escândalo do mensalão
Em 2005, o governo Lula foi atingido em cheio pelo escândalo de compra de votos de deputados, o mensalão. Apesar do desgaste, Lula sobreviveu à crise. Outros, como o ministro José Dirceu, uma das figuras fortes do governo, caíram em desgraça. No início, Lula afirmou que assessores o haviam "apunhalado", mas depois mudou o discurso e disse que o caso era uma invenção da oposição e da imprensa.
Foto: picture alliance / dpa / picture-alliance
A eleição de Dilma
Em 2007, logo após ser reeleito com mais de 60% dos votos, Lula começou a preparar o terreno para a sua sucessão. Como sucessora, ele escolheu a sua então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, uma tecnocrata sem experiência nas urnas. Nos três anos seguintes, Lula promoveu a imagem de Dilma junto aos brasileiros. A estratégia funcionou, e ela foi eleita em 2010.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/EBC
Prestígio mundial
Durante a Presidência, Lula gozou de prestígio mundial e se reuniu com os mais importantes chefes de Estado do planeta. Em abril de 2009, em um encontro do G20, o presidente dos EUA na época, Barack Obama, cumprimentou o colega e disse: "Adoro esse cara! O político mais popular da Terra". No mesmo ano, Lula apareceu em 33º lugar na lista das pessoas mais poderosas do mundo da revista Forbes.
Foto: AP
Luta contra o câncer
Em outubro de 2011, Lula foi diagnosticado com câncer na laringe, sendo submetido a um agressivo tratamento – pela primeira vez desde 1979, ele aparecia sem a barba. Exames apontaram a remissão completa do tumor cerca de cinco meses depois, e Lula voltou a se engajar nas campanhas do PT. Uma das grandes vitórias eleitorais de 2012 foi a de Fernando Haddad na Prefeitura de São Paulo.
Foto: AFP/Getty Images
Lula e a Lava Jato
Em março de 2016, Lula foi alvo de um mandado de condução coercitiva na Operação Lava Jato, que investigou escândalos de corrupção na Petrobras. O ex-presidente foi levado para depor sobre um sítio em Atibaia, um triplex no Guarujá e sua relação com empreiteiras investigadas na Lava Jato. No mesmo dia, a PF cumpriu mandados em residências do petista e de sua família, além do Instituto Lula.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Réu em diferentes processos
Nos meses seguintes, Lula foi denunciado por uma série de crimes, como corrupção passiva, lavagem de dinheiro, obstrução da Justiça e tráfico de influência, tornando-se réu em cinco processos diferentes. O petista sempre desmentiu as acusações, negou a prática de crimes e disse ser vítima de perseguição política. Ele também negou ser proprietário dos imóveis investigados.
Foto: picture-alliance/abaca
Morre Marisa Letícia
Em fevereiro de 2017, morreu a ex-primeira-dama Marisa Letícia. Lula e Marisa se conheceram em 1973, no Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo. Ela esteve ao lado do marido durante a sua ascensão política, desde os tempos do sindicato, quando liderou passeata em apoio a sindicalistas presos, passando pela fundação do PT, costurando a primeira bandeira do partido, até a Presidência.
Foto: Reuters/N. Doce
Caravana pelo país
Visando uma nova candidatura à Presidência no ano seguinte, Lula começou em 2017 uma caravana pelo Brasil que reuniu milhares de pessoas. Em junho de 2018, o PT confirmou sua pré-candidatura, mesmo com ele já preso. Em agosto, o Tribunal Superior Eleitoral impediu que ele concorresse. Como sucessor, Lula escolheu Fernando Haddad, que chegou ao segundo turno, mas foi derrotado por Jair Bolsonaro.
Foto: Ricardo Stukert /Instituto Lula
Lula é condenado
Lula foi condenado pela primeira vez em 12 de julho de 2017. A sentença do juiz Sergio Moro determinou 9 anos e 6 meses de prisão pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva, ligados ao triplex no Guarujá. O TRF-4 confirmou a condenação em segunda instância, além de aumentar a pena para 12 anos e um mês de prisão. Foi a primeira condenação de um ex-presidente por corrupção no Brasil.
Foto: Abr
Derrota no STF
Por 6 votos a 5, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) negaram, em 4 de abril de 2018, um pedido de habeas corpus preventivo apresentado pela defesa de Lula para evitar uma eventual prisão após o fim dos recursos na segunda instância da Justiça Federal. Manifestantes contrários e a favor de Lula foram às ruas por ocasião do julgamento.
Foto: picture alliance/AP Photo/S. Izquierdo
Lula se entrega à PF
Em 7 de abril de 2018, Lula se entregou à Polícia Federal, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, após ordem de prisão expedida por Sergio Moro. Antes de se entregar, Lula fez um discurso acalorado aos apoiadores. De Congonhas, Lula partiu de avião para Curitiba, onde começou a cumprir sua pena.
Foto: Paulo Pinto/Instituto Lula
Vigília em frente à PF em Curitiba
Depois da prisão de Lula, apoiadores do ex-presidente revezaram-se em um acampamento em frente à Polícia Federal de Curitiba, onde ele permaneceu preso. O local recebeu constantes visitas de políticos e de artistas, do Brasil e do exterior. Apoiadores também realizaram caravanas pelo país, com o slogan "Lula Livre". Em fevereiro de 2019, Lula também foi condenado no caso do sítio em Atibaia.
Foto: Ricardo Stuckert
Solto após 19 meses na prisão
Lula deixou a prisão em 8 de novembro de 2019, depois de passar um ano e sete meses na sede da Polícia Federal em Curitiba. A soltura ocorreu após o STF derrubar uma decisão que autorizava a prisão em segunda instância, beneficiando diretamente o petista, que passou a recorrer em liberdade. Após deixar a prisão, Lula fez um discurso para apoiadores repleto de críticas à Lava Jato.
Foto: picture-alliance/AP Photo/L. Correa
Supremo anula condenações
Após o fim da prisão, a campanha "Lula Livre" focou na anulação de suas condenações. Os advogados do petista recorreram até o Supremo, alegando que ele era vítima de perseguição judicial. Em abril de 2021, o plenário do Supremo concluiu que Moro não era o juiz competente para atuar nos processos do petista, e dois meses depois decidiu que Moro era parcial. As condenações de Lula foram anuladas.
Foto: Alexandre Schneider/Getty Images
Uma aliança inesperada
A preparação da sexta campanha presidencial de Lula envolveu uma costura política inusitada. O petista e aliados articularam para ter como vice o ex-governador paulista Geraldo Alckmin, que foi filiado ao PSDB por 33 anos e era seu antigo adversário. A aproximação teve o objetivo de atrair o voto conservador e vingou: em abril de 2022, o PSB, novo partido de Alckmin, confirmou sua indicação.
Foto: Ricardo Stuckert/AFP
Em busca do voto anti-Bolsonaro
Lula lançou sua pré-candidatura em maio de 2022, defendendo a união de pessoas de orientações políticas variadas contra a reeleição do presidente Jair Bolsonaro. No evento, Alckmin prometeu lealdade, disse que o futuro do Brasil "está em jogo" e foi aplaudido pelos petistas.
Foto: NELSON ALMEIDA/AFP
Triunfo na busca por terceiro mandato
Após uma das campanhas mais tensas da história brasileira, Lula conquistou novamente a Presidência. Com apoio de uma frente ampla que reuniu forças de centro e antigos adversários, o petista impôs uma derrota inconteste sobre o extremista de direita Jair Bolsonaro. Aos 77 anos, Lula se tornou o político mais velho a conquistar o Planalto.