Luta contra homofobia ainda tem longo caminho no Brasil
24 de maio de 2019Homofobia e transfobia se enquadram na lei brasileira antirracismo, sendo, portanto, puníveis; os agressores passam a estar sujeitos a penas de um a três anos de prisão. Essa foi a conclusão do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira (23/05).
Em fevereiro, quatro dos 11 juízes já haviam se pronunciado nesse sentido, e agora mais dois se uniram a eles. Deste modo, antes mesmo de o processo ter prosseguimento em 5 de junho, já há no STF uma maioria inabalável de seis votos a favor da ampliação da lei antirracismo.
"Foi uma votação importante, num momento grave, mas que não vai nos ajudar muito. Desperta a discussão sim, dá uma intimidada, mas não deixa de acontecer", avaliou Claudia Regina dos Santos Garcia, presidente da Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo (APOGLBT SP), falando à DW. "Se o país não tem uma mentalidade construída contra a homofobia, ter a lei não resolve."
Diante dos cortes maciços nos setores educacional e cultural, impostos pelo governo Jair Bolsonaro, Garcia teme que não vão ocorrer mudanças fundamentais na sociedade, apesar da nova penalização. Ela lembra também a atual dificuldade de realizar discussões sobre questões de gênero nas escolas e universidades, como consequência da guinada para a direita por que o Brasil vem passando.
"O governo está mexendo na estrutura do país, tirando dinheiro da educação e da cultura. Então justamente nos lugares onde você forma uma mentalidade, onde prepara a juventude para a diversidade, eles estão pegando. Se você não debater esse tema, se não ensina às pessoas a questão do respeito, não adianta botar apenas a lei."
O projeto da Lei de Homofobia esteve quase duas décadas engavetado no Congresso. Sua autora foi Marta Suplicy, ex-prefeita de São Paulo e então senadora, além de pioneira da equiparação LGBTI no Brasil. Diante dos 18 anos de omissão do Legislativo, tanto o Partido Popular Socialista (PPS) quanto a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT) pressionou o STF por uma decisão.
Poucas horas antes da sessão da quinta-feira, contudo, o Congresso tomou realmente iniciativa, e a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou a toque de caixa seu próprio projeto de lei, que no entanto exclui expressamente locais religiosos, como igrejas, sob a justificativa de que a exibição pública de homossexualidade pode ferir os sentimentos religiosos de alguns.
No fim das contas, criaram-se assim espaços em que a LGBTI-fobia pode continuar sendo difundida, sob a capa da "liberdade de religião", aponta Claudia Garcia, da APOGLBT SP. É questionável se o projeto apoiado pela Bancada Evangélica terá chances de sobreviver à futura votação no Senado e na Câmara dos Deputados.
Na opinião do sociólogo Acioli Neto, coordenador geral da ONG de direitos humanos e ambientalismo Instituto Boa Vista, do Recife, a decisão do STF, em contrapartida, foi um "passo grande". O veredicto confirmaria uma noção já consolidada dentro da sociedade: "Algumas pessoas, principalmente aquelas sem muita informação, já consideravam que homofobia era crime. Então, o STF legaliza agora algo que na mente de muita gente já era crime."
No entanto, isso não é garantia de um futuro tranquilo, ressalva. Afinal, o Brasil é conhecido por nem sempre obedecer a todas as leis. "Por outro lado, essa decisão jurídica dá respaldo para entrar na Justiça, para buscar seus direitos. Mas a gente sabe que a sociedade só muda aos poucos. É um caminho lento a seguir."
Após os progressos na aceitação da cena LGBTI, alcançados nas presidências de Lula e Dilma Rousseff, Acioli Neto observa agora um aumento de violência e hostilidades no espaço público. Em parte, afirma, os agressores se sentem respaldados pelas declarações do presidente Bolsonaro, críticas e até mesmo atos hostis aos LGBTI.
"As pessoas estão mais tranquilas para expor suas homofobias. Não só por causa do presidente Bolsonaro, também por causa das redes sociais. Elas se escondem atrás do computador para poder expor sua homofobia, seu preconceito. Antes não era assim, agora piorou."
Não é só no espaço público que os LGBTI seguem sofrendo preconceitos, rejeição ou mesmo violência, prossegue o sociólogo: "Existe violência aberta, como também violência velada. A violência não se coloca necessariamente como uma agressão ou morte, ela também está na ausência de empregabilidade, nas descriminações sutis nos estabelecimentos comerciais. Há violências explícitas e implícitas, e as implícitas podem até ser mais dolorosas."
Diante da guinada conservadora na sociedade brasileira, o movimento LGBTI se encontra atualmente diante de grandes desafios. Segundo Neto, recuaram significativamente tanto as verbas públicas quanto as doações empresariais para eventos como a Parada Gay. Claudia Garcia, da APOGLBT, já conta com cerca de 30% menos recursos financeiros para a Parada de São Paulo.
"Então não é um caminho fácil, não é que com essa decisão tudo vai ficar um mar de rosas", frisa Acioli Neto. "Mas é um passo."
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