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"Luto encenado encobre realidades do Irã", diz analista

Nastassja Shtrauchler md
7 de janeiro de 2020

Milhares de iranianos choram a morte do general Soleimani, assassinado pelos EUA. Em entrevista à DW, cientista político afirma que parte das manifestações são encenadas pelo regime para mostrar suposta unidade nacional.

Mulher coberta de preto segura retrato do general Qassim Soleiman
"Imagem de herói de Soleiman tem impacto mesmo sobre quem normalmente não é partidário do regime", diz analistaFoto: Reuters/WANA/N. Tabatabaee

O cientista político iraniano Ali Fathollah-Nejad é desde 2017 pesquisador convidado do think tank Brookings Institution, em Doha, e especialista em Irã do Conselho Alemão de Relações Exteriores (DGAP). Em entrevista à Deutsche Welle, ele afirma que os funerais do general Soleimani são, em sua maioria, encenações estatais para demonstrar unidade não só internamente mas, acima de tudo, externamente.

"Dentro de um sistema altamente autoritário como o iraniano, não existem protestos e manifestações livres", lembra. Segundo o politólogo, as imagens de multidões homenageando o militar morto não devem necessariamente ser interpretadas como um sinal de que a população do país apoie ferrenhamente o governo.

"O assassinato de Soleimani não muda nada na miséria socioeconômica e nas críticas do povo iraniano a um regime repressivo, ao qual obviamente Soleimani também pertencia."

DW: A televisão estatal iraniana diz que "vários milhões" se despediram do comandante da Força Quds da Guarda Revolucionária iraniana, general Qassim Soleimani, em Teerã e em outras cidades iranianas. A mídia estrangeira fala de pelo menos centenas de milhares. Esse nível de simpatia é normal para um líder militar no Irã?

Ali Fathollah-Nejad: Quando se trata de manifestações públicas ou reuniões de pessoas no Irã, você sempre deve ter em mente que isso não é possível em circunstâncias normais. No passado, foi visto em várias aglomerações que o regime pode ser extremamente brutal, principalmente quando se trata de protestos.

Cientista político Ali Fathollah-Nejad Foto: DW

No que diz respeito a suas próprias manifestações, no entanto, o governo tem certas táticas para torná-las tão grandes quanto as atuais. Isso inclui, por exemplo, incentivar funcionários do governo, crianças em idade escolar, estudantes e forças de segurança a comparecerem; caso contrário podem receber punições. E os habitantes dos povoados vizinhos e cidades menores são transportados para essas manifestações fúnebres. Em sua maioria pobres, eles contam com a promessa de receber alimentação. Todas essas medidas são familiares a todos os iranianos, só que não a quem está no exterior.

No caso dos funerais de Soleimani, há um segundo fator a ser considerado: a maneira como esse general foi retratado na propaganda estatal nos últimos anos, como um líder primordialmente nacionalista, essencial para garantir a segurança nacional do Irã, e que combateu com sucesso a ameaça do "Estado Islâmico" (EI). No entanto, foi suprimido o fato de o Irã ter estado ativo na Síria dois anos antes do surgimento do EI e de que a política de Teerã influenciou o crescimento do EI na Síria e no Iraque. E o general Soleimani esteve ativamente envolvido nisso. Esse retrato de um herói fundamentalmente patriota tem, claro, um impacto sobre quem normalmente não é partidário do regime. E isso explica sua relativa popularidade em comparação a outros representantes do regime.

Então, se poderia falar de luto prescrito pelo Estado?

Com certeza. Muitos iranianos criticam o fato não ter havido funerais após a brutal repressão dos protestos de novembro, com várias centenas de mortes. Isso mostra a gritante dupla moral.

Multidão no sepultamento de Soleimani em Kerman. Quem se recusa a participar de manifestações estatais pode ser punidoFoto: Getty Images/AFP/A. Kenare

No Irã, o luto pela morte de Soleimani é grande. Como as notícias foram recebidas em outros países do Oriente Médio?

Fora das fronteiras do Irã, especialmente nos países em que as tropas iranianas estiveram ativas sob a liderança de Soleimani, o assassinato do general é avaliado de forma totalmente oposta: registraram-se cenas de alegria nas ruas do Iraque, Síria e dos territórios palestinos.

Qassim Soleimani era visto como o rosto e o arquiteto da política regional iraniana, como alguém com mãos ensanguentadas – seja através do apoio ao regime de Assad na Síria ou do controle de milicianos iraquianos vinculados ao Irã e que recentemente desempenharam um papel importante na repressão brutal aos protestos ocorridos no Iraque desde o início de outubro. Essa repressão foi ordenada por Soleimani, e essas pessoas consideram o assassinato dele uma libertação.

Até algumas semanas atrás, muitos saíram às ruas do Irã, protestando contra as condições de vida precárias. Nada disso se vê no luto aparentemente coletivo. Como uma coisa combina com a outra?

Isso realmente tem a ver com o fato de os funerais serem principalmente encenações estatais, em que se deve demonstrar unidade internamente, mas, acima de tudo, externamente. Dentro de um sistema altamente autoritário como o iraniano, não existem protestos e manifestações livres.

Mas, em vista dessas imagens, não se deve concluir que todos os iranianos apoiem monoliticamente sua liderança. O assassinato de Soleimani não muda nada na miséria socioeconômica e nas críticas do povo iraniano a um regime repressivo, ao qual Soleimani obviamente também pertencia. Em momentos como este, eles apenas se contêm e não saem às ruas, o que normalmente já é muito perigoso, mas agora mais perigoso ainda. O episódio de Soleimani e a orgia de manifestações estatais sob um controle bastante efetivo encobrem muitas realidades no Irã que continuam fervendo sob a superfície.

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