México avança e tira espaço da China como produtor de manufaturados
19 de fevereiro de 2013Quando, em meados de 2011, a americana Meco Corporation constatou que os custos de fabricação na China haviam dobrado em quatro anos, não pensou duas vezes. Mudou-se para o México e passou a produzir ali suas churrasqueiras e cadeiras dobráveis. Por motivo similar, a fábrica de produtos de cozinha Casabella Holdings, baseada em Nova York, decidiu tirar parte de suas instalações de território chinês, onde estava desde 2003, e seguir igual caminho. Ao reavaliar seus números, a Coach Inc, famosa pelos luxuosos artigos de couro, tomou a mesma decisão no ano passado.
Pela primeira vez em quase 20 anos, o México é encarado como um sério concorrente à China, maior exportador mundial de manufaturas. Nesta segunda década do século 21, a saída para sobreviver no mercado não precisa mais necessariamente seguir os passos de Marco Polo – do Oriente para o Ocidente. A solução pode estar mais perto, sobretudo para os Estados Unidos, maiores importadores do planeta.
Segundo relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) de novembro passado, cerca de 40% do crescimento dos produtos manufaturados mexicanos se deve à perda de terreno pela China. Hoje, o México responde por mais de 14% das importações dos Estados Unidos – três pontos percentuais a mais que em 2005. A China, apesar de continuar absoluta como maior exportadora, viu sua fatia cair de 29% em 2009 para 26,4% em 2012.
"Não é que a China vá, de uma hora para outra, ser substituída pelo México como fonte de importação. Mas o México é hoje um legítimo concorrente para a China e é mais atraente para a produção de uma série de itens. Pela proximidade, pela facilidade de comunicação, pelo respeito à propriedade intelectual e pela mão de obra cada vez mais qualificada", diz o professor de economia da Universidade de San Diego James Gerber, especialista em relações EUA-México.
Profissionais mais qualificados
A inflação reajustou os custos de mão de obra na China, que quase triplicaram na última década. Hoje, um operário chinês custa em média 6 dólares a hora, quase os 6,4 dólares necessários para se manter um no México.
Ao mesmo tempo, a oferta de trabalhadores mexicanos está ficando cada vez mais qualificada. Segundo a Unesco, a média de engenheiros, arquitetos e outros profissionais relacionados à manufatura formados por universidades mexicanas passou de 0,4 a cada mil habitantes em 1999 para 0,8 no ano passado. Como comparação, a proporção nos EUA ficou em 0,6 para cada mil pessoas no período.
Profissionais bem qualificados têm feito do México um ambiente atrativo para empresas de tecnologia. Recentemente, o país se tornou, por exemplo, o terceiro maior produtor de computadores e telefones celulares do mundo. E, em 2009, deixou China e Coreia do Sul para trás para se transformar no maior fabricante de TVs de tela plana.
No ano passado, a japonesa Honda anunciou que, até 2014, passaria a produzir sua linha FIT no México. A alemã Audi já tornou público que, dentro de dois anos, iniciaria produção no país. E, após investimento de meio bilhão de dólares, a Chrysler começou a usar o México como base para produzir seus Fiat 500 a serem vendidos para a China. Na inauguração da fábrica, em 2010, o então presidente Felipe Calderón brincou: "Acho que é a primeira vez que um carro mexicano, pelo menos recentemente, será exportado para a China. Nós sempre achamos que seria o contrário."
Mais perto dos EUA
Executivos sempre questionaram as burocracias e os riscos à propriedade intelectual na China, mas acabavam colocando isso em segundo plano diante dos baixos custos dos salários e do transporte no país – recurso fundamental para reduzir os gastos e sobreviver à concorrência.
Hoje, entre as principais vantagens de se fabricar no México, sobretudo para empresas americanas, está a distância. Carregamentos da China para os EUA costumam durar entre 20 dias e dois meses. Do México, podem demorar até uma semana, mas em geral não duram mais que dois dias.
Ao fabricar no México, empresas podem também fazer mudanças na linha de produção de forma mais dinâmica. E não precisam realizar grandes encomendas para fazer uma compra valer a pena. Como fatores secundários, entram a desvalorização do peso em relação ao yuan e a noção de que o Estado de Direito no México é mais sólido do que na China.
"No fim da década passada, a China viu uma elevação do poder aquisitivo de sua população com o aumento dos salários. Antes, a diferença (para o Ocidente) era abismal, o que atraiu muita produção para a China, aumentou enormemente sua exportação aos EUA e tirou mercado do México. Agora os motivos para se produzir na China diminuíram, já que outros custos, como transporte e logística, são mais baratos no México", explica o analista econômico mexicano Jonathan Heath.
Infraestrutura ainda deficiente
Para se consolidar como uma ameaça real à China, a segunda maior economia da América Latina, que exporta mais produtos manufaturados que todos os países latino-americanos juntos, ainda tem desafios. Diversificar ainda mais seus parceiros, para além dos EUA, é um deles, apesar de já contar com uma rede de 12 Tratados de Livre Comércio, com 44 países – quatro vezes mais que o Brasil, por exemplo.
A violência e a guerra contra o narcotráfico são um fator que preocupa, mas não há registros de multinacionais que tenham deixado de investir no país por conta disso. O principal desafio para o governo do presidente Enrique Peña Nieto, dizem especialistas, ainda são os altos custos com energia e comunicação. É consenso ainda que a malha ferroviária e rodoviária não estão à altura do progresso do país, assim como os portos, o que pode dificultar a saída de produtos.
Se o México poderá um dia ser a nova China, como especula-se, não há como prever. Mas é improvável que o país asiático deixe de ser, pelo menos a médio prazo, a primeira opção mundial para a produção de manufaturas. Mas os mexicanos, afirmam especialistas, parecem cada vez mais preparados para agarrar sua fatia de mercado e não soltar mais. No México, o dragão chinês não assusta mais como na década passada.
"A ascensão da China, na primeira década do século, deixou o México um pouco para trás. Mas agora o México está reconquistando a força que tinha antes", diz Gerber.
Autor: Rafael Plaisant Roldão
Revisão: Alexandre Schossler