México dobra aposta em militarização contra narcotráfico
Sandra Weiss
9 de julho de 2025
País aprovou leis que fortalecem atuação dos militares na segurança pública e enfraquecem controles civis. Especialistas falam em "retrocesso" para democracia e direitos humanos.
Reforma militarizou a Guarda Nacional e ampliou seu poder para acessar dados de inteligência e de comunicações privadasFoto: picture-alliance/dpa/M. Ugarte
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O Congresso do México aprovou, no intervalo de uma semana, um pacote de leis que amplia a atuação dos militares na segurança pública do país, sob críticas de especialistas e organizações que defendem vítimas de abuso policial.
A reforma foi aprovada na virada do mês, em um contexto de pressão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que classificou seis cartéis mexicanos como grupos terroristas.
O pacote na prática militariza a Guarda Nacional, a polícia federal mexicana, amplia seu poder para acessar dados de inteligência e de comunicações privadas e abre mais caminho para que militares ocupem cargos civis na gestão da segurança pública.
Com a iniciativa, a presidente Claudia Sheinbaum se distancia de seu mentor e antecessor, Andrés Manuel López Obrador, que no seu governo adotou uma estratégia de menor confrontação, apelidada pelo próprio como "abraços, não balas" – que não trouxe a prometida pacificação de um país que enfrenta há duas décadas taxas alarmantes de violência.
Ela defendeu as mudanças e afirmou que, graças ao fortalecimento da Guarda Nacional, houve uma redução de 25% no número de homicídios dolosos em seis meses.
No entanto, a atuação dos militares na segurança pública do México é controversa e enfrenta acusações de execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados e uso desproporcional da força.
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Fim da polícia civil nacional
As implicações das novas leis vão muito além da arquitetura de segurança interna do México, e levantam preocupações sobre transparência, prestação de contas e proteção dos direitos humanos, e ameaçam corroer a separação entre o poder civil e o militar, segundo especialistas ouvidos pela DW.
"O México ficou sem uma polícia civil nacional, atribuindo em nível federal toda a função de segurança pública a quatro corporações militares", resume Lisa Sánchez, diretora-geral da organização México Unido Contra a Delinquência (MUCD). "Apenas um artigo diz que a Guarda Nacional deve responder à Presidência, mas isso não foi confirmado em outras leis e pode dar origem a confusões."
O Alto Comissariado para os Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas também soou o alarme. "Além de consolidar sua natureza militar indevida, a nova Lei da Guarda Nacional concederia a seus membros amplos poderes de investigação e inteligência, sem os controles e mecanismos de prestação de contas adequados", declarou o escritório no México via X.
Mais poder a uma força com "resultados péssimos"
Ernesto López Portillo, coordenador do Programa de Segurança Cidadã da Universidade Iberoamericana, avalia que a reforma legal aprofunda o caminho de militarização da segurança pública no país, que ele considera equivocado.
"As atribuições da autoridade militar aumentam, os mecanismos de prestação de contas enfraquecem, os ministérios públicos não são reformados e tudo isso em um contexto em que o Poder Judiciário se enfraquece", resume.
"De 2006 até hoje, o envio de militares para tarefas policiais se multiplicou mais de cinco vezes. Ao mesmo tempo, passamos de 9 para 30 homicídios a cada 100 mil habitantes", afirma.
Novos poderes de investigação para a Guarda Nacional despertam receio de uso indevido e espionagem políticaFoto: Artur Widak/NurPhoto/picture alliance
Além disso, as reformas têm um desenho confuso, sem metas claras nem controles e avaliações independentes, aponta. Em sua opinião, isso é grave porque "vamos dar mais poder a uma Guarda Nacional que tem péssimos resultados".
Como exemplo, ele menciona um estudo da Universidade Iberoamericana que revela que cada membro da Guarda Nacional prende 0,071 pessoas por ano, em comparação com 1,6 prisão por cada membro da Polícia Preventiva, extinta em 2019 após a criação da Guarda Nacional.
"E isso piora se falarmos da qualidade da formação das pessoas", ressalta. "Temos muitos testemunhos de que os militares pedem aos civis para preencher os relatórios porque não se sentem capazes ou não querem se comprometer juridicamente."
Tramitação apressada e sem consulta
Ambos os especialistas lamentam que a reforma tenha sido votada às pressas, sem consultar especialistas. A organização México Unido Contra a Delinquência, por exemplo, teve acesso às quase mil páginas dos projetos de lei algumas semanas antes do início das sessões no Congresso.
"O diagnóstico pareceu ser irrelevante e o escrutínio social é visto como um obstáculo", afirma López Portillo. "Propusemos um órgão supervisor de especialistas ao Secretariado de Segurança Pública, enviamos uma proposta ao Morena (o partido de Sheinbaum), mas nunca nos responderam."
Outro ponto obscuro são as consequências que as reformas podem ter sobre a perda de privacidade dos cidadãos.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos manifestou sua preocupação com "os poderes que seriam concedidos ao Exército para processar informações de inteligência, bem como outras disposições que, sem as salvaguardas adequadas, colocariam em risco o direito à privacidade".
O pano de fundo é um histórico de espionagem por parte das Forças Armadas. O último escândalo eclodiu em 2019, com o vazamento de relatórios do sistema Pegasus, nome do software israelense com o qual o Ministério da Defesa Nacional e o Centro Militar de Inteligência vigiaram mais de 400 ativistas, jornalistas e defensores dos direitos humanos e do meio ambiente. Até o momento, ninguém foi condenado pelo uso ilegal do software espião.
Filmes sobre a fronteira entre EUA e México
Em seu segundo mandato, Donald Trump está seguindo adiante com o projeto de construir um muro ao longo de toda a fronteira entre os dois países. Muito antes disso, ela já foi tema de diversos filmes.
Foto: picture-alliance/United Archives/TBM
John Wayne em guerra
Em meados do século 19, EUA e México entraram em guerra sobre o estado do Texas, que pertencia aos mexicanos, mas foi anexado pelos americanos. A longa disputa foi muitas vezes retratada por Hollywood nos faroestes que detalhavam os violentos conflitos entre colonos americanos e o Exército mexicano. Entre os mais espetaculares está "Álamo" (1960), estrelado por John Wayne e Richard Widmark.
Foto: picture-alliance/United Archives/TBM
Dietrich e a fronteira
Em 1958, Marlene Dietrich fez uma breve aparição no brilhante suspense "A marca da maldade". O diretor Orson Welles, que teve o papel principal no filme, fez da região fronteiriça entre México e EUA o cenário para falar sobre corrupção, tráfico de drogas e outros crimes.
Foto: picture-alliance/United Archives/IFTN
"Rio Bravo"
Quando John Wayne apareceu em "Álamo", a grande era do faroeste americano estava quase no fim. Mas, quando o gênero cresceu na década de 1950, muitos faroestes se passaram na fronteira entre Texas, Novo México e Arizona de um lado, e o México, do outro. Um marco simbólico era o rio Grande que, localizado nesta fronteira, rendeu o título do legendário filme do diretor John Ford, de 1950.
Foto: picture-alliance/Mary Evans Picture Library
A fronteira em faroestes posteriores
No entanto, a fronteira entre os dois países conseguiu manter sua importância em numerosos faroestes lançados posteriormente. A região desempenhou um papel de destaque em "Meu ódio será tua herança" (1969), do diretor Sam Peckinpah, um épico do faroeste selvagem com muito sangue e que enfoca a ilegalidade em uma terra esquecida.
Foto: Imago/Entertainment Pictures
Variações modernas
O diretor americano Robert Anthony Rodriguez tem uma paixão pela região de fronteira, o que talvez se deva às suas raízes mexicanas. Muitos de seus filmes reproduzem o choque de culturas nesta região fronteiriça. Seu filme "Um drink no inferno", de 1996, viu Quentin Tarantino e George Clooney encenando irmãos que roubam bancos e que tentam fugir para o México.
Foto: picture-alliance/United Archives
Não há lugar para envelhecer
Ganhador de vários Oscars em 2008, entre eles o de melhor filme e direção, "Onde os fracos não têm vez" foi dirigido pelos irmãos Joel e Ethan Coen. A produção aborda as drogas, máfia, assassinatos e fraudes. O filme se passa na fronteira entre EUA e México – um lugar perigoso, onde a morte é comum e poucos envelhecem.
Foto: picture-alliance/dpa/Paramount Pictures
Ao sul de Albuquerque
Albuquerque, no Novo México, é o cenário da extremamente popular série de televisão "Breaking Bad", que foi produzida entre 2008 e 2013. Ela enfoca histórias na região envolvendo drogas. Ao sul de Albuquerque, fica a lendária fronteira entre Estados Unidos e México.
Foto: Frank Ockenfels 3/Sony Pitures
O lado obscuro do comércio
No filme "Desaparecidos" (2007), o diretor alemão Marco Kreuzpaintner escolheu contar a história de crianças mexicanas que atravessam a fronteira para os Estados Unidos como parte do tráfico de escravos sexuais. A estrela de Hollywood Kevin Kline desempenhou o papel principal.
Foto: picture-alliance/kpa
Guerra de drogas na fronteira
"Sicario: terra de ninguém" examina o impacto das guerras do narcotráfico na área de fronteira entre Arizona e México. O cineasta canadense Denis Villeneuve fez o agitado suspense em 2015, tendo Benicio del Toro no papel principal. A obra foi filmada no sul do Arizona.
Foto: picture-alliance/AP Photo/Lionsgate/Richard Foreman Jr.
Filmes sobre drogas
A questão do narcotráfico parece atrair diretores de forma mágica. Em 2013, o cineasta britânico Ridley Scott filmou um suspense também nesta região fronteiriça. "O conselheiro do crime", estrelado por Brad Pitt e Michael Fassbender, foi filmado em El Paso, no Texas, e na Espanha.
Foto: picture-alliance/dpa
Crime e política
Há 17 anos, o diretor Steven Soderbergh lançou o renascimento dos filmes sobre a guerra das drogas. Em "Traffic", ele retrata a complexa relação entre polícia, traficantes e políticos – cujos laços uns com os outros estão indissociavelmente interligados para além das fronteiras geográficas.
Foto: picture-alliance/United Archives
Histórias de detetive
Além de faroestes e suspenses sobre drogas, inúmeras histórias de detetives e assassinatos misteriosos decorrem na fronteira entre EUA e México. Um clássico do gênero é o filme "O perigoso adeus" (1973), de Robert Altman, baseado em um romance de Raymond Chandler. O filme foi gravado na Califórnia, mas também em Tepoztlán, no México.
Foto: picture-alliance/United Archives/Impress
A fronteira em tempos de globalização
Em 2006, o diretor mexicano Alejandro González Iñárritu filmou o drama narrativo múltiplo "Babel". A obra traça os destinos entrelaçados de várias pessoas de diferentes regiões do mundo, e é uma parábola cinematográfica sobre a questão do significado da fronteira para as pessoas em tempos de globalização.
Foto: picture alliance/kpa
Comédia de fronteira
Não há muito o que rir quando se trata de uma fronteira. A maior parte dos filmes que lida com os laços entre EUA e México tendem à seriedade. Mas, em 2004, James L. Brooks fez a comédia "Espanglês" sobre um encontro com muito clichê entre um americano rico (Adam Sandler) e uma faxineira mexicana (Paz Vega).
Foto: picture-alliance/United Archives
Drama sobre imigração
Nos últimos anos, mais e mais filmes foram produzidos sobre imigração e pobreza na região. No ano passado, a coprodução Alemanha-França-México "Soy Nero" estreou na Berlinale. O diretor Rafi Pitts, com raízes iranianas, conta a história de um jovem mexicano que atravessa a fronteira para os EUA em busca de uma vida melhor.
Foto: picture-alliance/dpa/Neue Visionen
Um clássico moderno
Talvez o filme mais impressionante sobre a imigração do Sul para o Norte tenha sido feito por Cary Fukunaga, em 2009. "Sem identidade" retrata o destino de vários jovens do México que estão tentando chegar aos EUA. Enquanto alguns estão tentando escapar de bandos criminosos de suas cidades, outros procuram o paraíso na Terra.