Na Academia Barenboim-Said, na capital alemã, jovens músicos israelenses e árabes estudam juntos. Os ataques do Hamas a Israel ocorreram pouco antes do início do semestre letivo. Como eles reagiram?
Anúncio
"A primeira coisa que pensei foi: como nossos alunos vão reagir? Como eles vão lidar com isso? Como vai evoluir?", conta Michael Barenboim, reitor da Academia Barenboim-Said, escola de música em Berlim.
Ele estava em Viena quando o Hamas atacou Israel em 7 de outubro. No dia seguinte, retornou à instituição, sabendo que a evolução dos acontecimentos afetaria diretamente seus estudantes – muitos dos quais são israelenses e palestinos.
"Dava para sentir a tensão no ar", relembra ele sobre as primeiras impressões ao retornar à escola de música. O semestre letivo estava prestes a começar, dez dias após os ataques. Os novos alunos já haviam chegado para uma semana de recepção. Eles agora teriam que se orientar de duas formas ao mesmo tempo: descobrir o que estava acontecendo em casa, enquanto se adaptavam ao novo ambiente em Berlim.
Cerca de duas semanas depois, em 23 de outubro, a jovem orquestra da academia já apresentaria seu primeiro concerto do semestre, na sala de concertos Pierre Boulez.
Reunindo jovens músicos árabes e israelenses
A Academia Barenboim-Said é diferente de qualquer outra instituição no mundo. Inaugurada em 2015 pelo pai de Michael Barenboim, o famoso maestro e pianista Daniel Barenboim, ela foi concebida como uma continuação da missão que ele havia desenvolvido com o falecido teórico literário palestino-americano Edward Said na sua orquestra West-Eastern Divan, composta por jovens músicos árabes e israelenses.
O currículo da academia de música também inclui o estudo de ciências humanas. Além do treinamento musical, os alunos aprendem filosofia e história, inspirados pela crença de Said de que "o humanismo é a única – eu inclusive diria a última – resistência que temos contra as práticas desumanas e as injustiças que desfiguram a história humana".
Atualmente, a academia de música reúne israelenses e palestinos, bem como jovens músicos do Irã, Líbano e Síria. De 20% a 25% dos 80 alunos são de fora do Oriente Médio, formando um grupo de jovens talentos "de 27 nações", diz a diretora da academia, Regula Rapp.
Anúncio
Criando um espaço seguro
Enquanto iniciavam o semestre letivo, os alunos perceberam que precisavam ir além das aulas para discutir o que estava acontecendo. "Há muitas emoções. Há tristeza e raiva. Há muito medo" – medo por suas famílias e amigos, por suas casas, por seus futuros, afirma Rapp. "Tudo isso está evoluindo dia após dia."
Os alunos rapidamente organizaram reuniões para que pudessem compartilhar suas opiniões regularmente. A escola também criou um apoio psicológico especial, com terapeutas oferecendo sessões em hebraico e árabe.
Os estudantes judeus israelenses estão preocupados com o crescente antissemitismo em Berlim, diz Michael Barenboim.
Ao mesmo tempo, os palestinos também enfrentam uma situação particular na Alemanha, onde "têm a sensação de que não podem se expressar, de que não podem se reunir", referindo-se à proibição de manifestações em apoio aos palestinos isolados em Gaza. As autoridades da capital alemã temem que qualquer manifestação inclua slogans antissemitas e agitação anti-Israel.
É por isso que a academia quer garantir que "quando eles vierem para cá, possam se sentir seguros, possam se expressar com confiança e liberdade – que é também o que estão fazendo – e que tenham um lugar onde possam estar juntos".
O grêmio estudantil e a direção da academia concordaram que a escola deveria servir como um espaço seguro para os alunos, afirmam Rapp e Barenboim. Para garantir isso, decidiram que a mídia não deveria estar envolvida nessas reuniões e que os alunos deveriam evitar dar entrevistas à imprensa.
Em meio ao trauma, unidos pela música e por um ideal
Em relação à interpretação dos eventos pelos alunos, Barenboim observa que os estudantes palestinos tendem a ver o 7 de outubro como parte de um contexto histórico maior, enquanto que para os israelenses os ataques terroristas do Hamas mudaram tudo. Esse é apenas um exemplo que mostra como as perspectivas sobre os mesmos eventos podem ser diferentes, diz. "E, no entanto, acho que todos concordamos que queremos ficar aqui."
Os alunos têm algo que os une: a música. As peças que estão treinando oferecem "algo em que eles podem se concentrar, algo em que podem trabalhar juntos; portanto, acho que nosso trabalho diário levou a um tipo de coesão", diz Rapp.
Eles também são guiados pela utopia que levou à criação da academia. Como os alunos disseram em uma declaração compartilhada no programa de seu concerto de 23 de outubro, iniciado com um minuto de silêncio: "É muito difícil para muitos de nós apresentar um concerto neste momento. Mas, mesmo nesta hora mais sombria, ainda seguiremos os passos de nossos fundadores, Daniel Barenboim e Edward Said."
Para o próprio Daniel Barenboim, esses ideais devem ser perseguidos agora mais do que nunca. "Nossa mensagem de paz deve ter o volume mais alto do que nunca. O maior perigo é que todas as pessoas que desejam tão ardentemente a paz sejam abafadas pelos extremistas e pela violência", escreveu ele em uma declaração antes do concerto. "Ambos os lados devem reconhecer seus inimigos como seres humanos e tentar empatizar com seu ponto de vista, sua dor e suas dificuldades. Os israelenses também devem aceitar que a ocupação da Palestina é incompatível com isso."
Como Michael Barenboim salienta, há poucos lugares no mundo, e também particularmente em Berlim ou na Alemanha, onde palestinos e israelenses trabalham tão intimamente juntos como na Academia Barenboim-Said. "É claro que esse concerto não trará paz, não é isso que achamos", diz. "Mas é uma forma alternativa de pensar em como as pessoas podem viver juntas em uma região, com uma abordagem que não envolve bombas e armas, mas sim cooperação e diálogo, e ouvir uns aos outros."
Afinal, conclui: "Na música, ouvir uns aos outros é a coisa mais importante."
A longa história do processo de paz no Oriente Médio
Por mais de meio século, disputas entre israelenses e palestinos envolvendo terras, refugiados e locais sagrados permanecem sem solução. Veja um breve histórico sobre o conflito.
Foto: PATRICK BAZ/AFP/Getty Images
1967: Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU
A Resolução 242 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, aprovada em 22 de novembro de 1967, sugeria a troca de terras pela paz. Desde então, muitas das tentativas de estabelecer a paz na região referiram-se a ela. A determinação foi escrita de acordo com o Capítulo 6 da Carta da ONU, segundo o qual as resoluções são apenas recomendações e não ordens.
Foto: Getty Images/Keystone
1978: Acordos de Camp David
Em 1973, uma coalizão de Estados árabes liderada pelo Egito e pela Síria lutou contra Israel no Yom Kippur ou Guerra de Outubro. O conflito levou a negociações de paz secretas que renderam dois acordos 12 dias depois. Esta foto de 1979 mostra o então presidente egípcio Anwar Sadat, seu homólogo americano Jimmy Carter e o premiê israelense Menachem Begin após assinarem os acordos em Washington.
Foto: picture-alliance/AP Photo/B. Daugherty
1991: Conferência de Madri
Os EUA e a ex-União Soviética organizaram uma conferência na capital espanhola. As discussões envolveram Israel, Jordânia, Líbano, Síria e os palestinos – mas não da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) –, que se reuniam com negociadores israelenses pela primeira vez. Embora a conferência tenha alcançado pouco, ela criou a estrutura para negociações futuras mais produtivas.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Hollander
1993: Primeiro Acordo de Oslo
Negociações na Noruega entre Israel e a OLP, o primeiro encontro direto entre as duas partes, resultaram no Acordo de Oslo. Assinado nos EUA em setembro de 1993, ele exigia que as tropas israelenses se retirassem da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e que uma autoridade palestina autônoma e interina fosse estabelecida por um período de transição de cinco anos. Um segundo acordo foi firmado em 1995.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Sachs
2000: Cúpula de Camp David
Com o objetivo de discutir fronteiras, segurança, assentamentos, refugiados e Jerusalém, o então presidente dos EUA, Bill Clinton, convidou o premiê israelense Ehud Barak e o presidente da OLP Yasser Arafat para a base militar americana em julho de 2000. No entanto, o fracasso em chegar a um consenso em Camp David foi seguido por um novo levante palestino, a Segunda Intifada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/R. Edmonds
2002: Iniciativa de Paz Árabe
Após Camp David, seguiram-se encontros em Washington e depois no Cairo e Taba, no Egito – todos sem resultados. Mais tarde, em março de 2002, a Liga Árabe propôs a Iniciativa de Paz Árabe, convocando Israel a se retirar para as fronteiras anteriores a 1967 para que um Estado palestino fosse estabelecido na Cisjordânia e em Gaza. Em troca, os países árabes concordariam em reconhecer Israel.
Foto: Getty Images/C. Kealy
2003: Mapa da Paz
Com o objetivo de desenvolver um roteiro para a paz, EUA, UE, Rússia e ONU trabalharam juntos como o Quarteto do Oriente Médio. O então primeiro-ministro palestino Mahmoud Abbas aceitou o texto, mas seu homólogo israelense Ariel Sharon teve mais reservas. O cronograma previa um acordo final sobre uma solução de dois estados a ser alcançada em 2005. Infelizmente, ele nunca foi implementado.
Foto: Getty Iamges/AFP/J. Aruri
2007: Conferência de Annapolis
Em 2007, o então presidente dos EUA George W. Bush organizou uma conferência em Annapolis, Maryland, para relançar o processo de paz. O premiê israelense Ehud Olmert e o presidente da ANP Mahmoud Abbas participaram de conversas com autoridades do Quarteto e de outros Estados árabes. Ficou acordado que novas negociações seriam realizadas para se chegar a um acordo de paz até o final de 2008.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Thew
2010: Washington
Em 2010, o enviado dos EUA para o Oriente Médio, George Mitchell, convenceu o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, a implementar uma moratória de 10 meses para assentamentos em territórios disputados. Mais tarde, Netanyahu e Abbas concordaram em relançar as negociações diretas para resolver todas as questões. Iniciadas em setembro de 2010, as negociações chegaram a um impasse dentro de semanas.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Milner
Ciclo de violência e cessar-fogo
Uma nova rodada de violência estourou dentro e ao redor de Gaza no final de 2012. Um cessar-fogo foi alcançado entre Israel e os que dominavam a Faixa de Gaza, mas quebrado em junho de 2014, quando o sequestro e assassinato de três adolescentes em mais violência. O conflito terminou com um novo cessar-fogo em 26 de agosto de 2014.
Foto: picture-alliance/dpa
2017: Conferência de Paris
A fim de discutir o conflito entre israelenses e palestinos, enviados de mais de 70 países se reuniram em Paris. Netanyahu, porém, viu as negociações como uma armadilha contra seu país. Tampouco representantes israelenses ou palestinos compareceram à cúpula. "Uma solução de dois Estados é a única possível", disse o ministro francês das Relações Exteriores Jean-Marc Ayrault, na abertura do evento.
Foto: Reuters/T. Samson
2017: Deterioração das relações
Apesar de começar otimista, o ano de 2017 trouxe ainda mais estagnação no processo de paz. No verão do hemisfério norte, um ataque contra a polícia israelense no Monte do Templo, um local sagrado para judeus e muçulmanos, gerou confrontos mortais. Em seguida, o plano do então presidente dos EUA, Donald Trump, de transferir a embaixada americana para Jerusalém minou ainda mais os esforços de paz.
Foto: Reuters/A. Awad
2020: Tiro de Trump sai pela culatra
Trump apresentou um plano de paz que paralisava a construção de assentamentos israelenses, mas mantinha o controle de Israel sobre a maioria do que já havia construído ilegalmente. O plano dobrava o território controlado pelos palestinos, mas exigia a aceitação dos assentamentos construídos anteriormente na Cisjordânia como território israelense. Os palestinos rejeitaram a proposta.
Foto: Reuters/M. Salem
2021: Conflito eclode novamente
Planos de despejar quatro famílias palestinas e dar suas casas em Jerusalém Oriental a colonos judeus levaram a uma escalada da violência em maio de 2021. O Hamas disparou foguetes contra Israel, enquanto ataques aéreos militares israelenses destruíram prédios na Faixa de Gaza. A comunidade internacional pediu o fim da violência e que ambos os lados voltem à mesa de negociações.
Foto: Mahmud Hams/AFP
2023: Terrorismo do Hamas e retaliações de Israel
No início da manhã de 7 de outubro, terroristas do grupo radical islâmico Hamas romperam barreiras em alguns pontos da Faixa de Gaza, na fronteira com Israel, e, em território israelense, feriram e mataram centenas de pessoas, além de sequestrarem mais de uma centena. Devido a isso, Israel declarou "estado de guerra" e iniciou uma série de bombardeios, deixando partes da Cidade de Gaza em ruínas.