Após reunião com Erdogan, presidente francês diz que acontecimentos recentes na Turquia não permitem avanços em negociações com União Europeia e propõe cooperação. Líder turco afirma que Ancara cansou de esperar.
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O presidente da França, Emmanuel Macron, afirmou nesta sexta-feira (05/01) que não há chances das negociações entre a Turquia e a União Europeia (UE) para a adesão do país ao bloco avançarem neste momento.
"Os recentes acontecimentos na Turquia não permitem nenhum avanço", afirmou Macron numa tensa entrevista coletiva, após receber o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, em Paris. "A UE nem sempre agiu bem com a Turquia, porque a deixou achar que havia coisas possíveis quando não o eram, cansou a gente que era pró-europeia e alimentou o cinismo", disse Macron.
O presidente francês destacou ainda que as recentes mudanças no contexto turco não foram no sentido de abrir novos capítulos para a negociação. Em contrapartida, o líder sugeriu uma cooperação entre Ancara e o bloco.
"Mentiria se dissesse que vamos abrir novos capítulos. Prefiro concentrar-me na relação bilateral, ganharíamos com um discurso de sinceridade. É preciso pensar se não vale a pena abrir um processo, não de integração, mas de cooperação ou associação, para preservar a ancoragem da Turquia na Europa e nos seus valores", ressaltou Macron.
Erdogan, por sua vez, disse que a Turquia está cansada de esperar uma eventual adesão ao bloco europeu. O chefe do Estado turco reconheceu ainda a "fadiga" que reina em seu país após passar "desgraçadamente 54 anos na antessala da UE" e pela ausência de respostas do bloco.
"Isso nos leva talvez a ter que tomar uma decisão, pois não podemos implorar permanentemente para sermos aceitos na UE", frisou Erdogan.
O presidente turco também criticou os países do bloco pela ausência da ajuda econômica prometida para enfrentar a crise dos refugiados procedentes da Síria, que se limita até o momento a pouco mais de um bilhão de dóllares, enquanto a Turquia gastou, segundo sua versão, mais de 30 bilhões de dólares.
Onda de repressão
Em Paris, Erdogan esperava uma aproximação com a Europa após o estremecimento das relações, mas a repressão que tomou conta da Turquia após a tentativa de golpe frustrada em 2016 foi uma mais uma divergência na conversa entre os líderes.
Macron reconheceu que houve "desacordos" entre ambos sobre os direitos individuais, embora tenha defendido o bom entendimento bilateral em aspectos como a luta contra o terrorismo. O presidente acrescentou que é missão do Estado deter quem atente contra a nação, mas que expressar uma opinião "deve ser livre" se não for um convite ao crime ou à destruição do próximo.
"A liberdade de expressão e de consciência é um bloco, não se divide nem se desfaz. Implica responsabilidades, porque essas são as exigências da vida democrática", salientou Macron, que entregou a Erdogan uma lista de ativistas e jornalistas encarcerados, fornecida pela organização Repórteres sem Fronteiras (RSF). O líder turco se comprometeu a entregá-la ao seu ministro de Justiça para análise dos casos.
Erdogan ressaltou, no entanto, que, a Turquia é um Estado de direito. "O Ocidente sempre diz que a Justiça é independente. Na Turquia também o é, e a Justiça toma suas próprias decisões. Mas o terror não se cria sozinho. Há jardineiros do terrorismo, pessoas que são consideradas pensadores, que escrevem em jornais. São os ideólogos que levam a água a esse moinho", opinou.
Erdogan viajou a Paris para se reunir com Macron, na sua primeira viagem à França desde a intensa repressão desencadeada por Ancara sobre diversos setores da oposição na sequência do fracassado golpe militar de julho de 2016.
Desde então, mais 140 mil turcos foram afastados de seus empregos e mais de 55 mil foram presos, acusados de envolvimento no golpe fracassado. Entre os detidos estão agentes das forças de segurança, juízes, professores, jornalistas, políticos, ativistas e funcionários públicos.
CN/efe/lusa/afp/rtr
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Hagia Sophia na disputa das religiões
A Basílica de Santa Sofia, ou Hagia Sophia, em Istambul, é objeto de uma disputa. Nacionalistas turcos querem transformar atual museu em mesquita; enquanto o patriarca dos cristãos ortodoxos quer que volte a ser igreja.
Foto: picture-alliance/Marius Becker
Marco arquitetônico
No ano de 532, o imperador romano Justiniano 1º, que residia em Constantinopla, ordenou a construção de uma imponente igreja, "como não existe desde a época de Adão e nunca existirá novamente". Mais de 10 mil operários trabalharam nela. Dentro de apenas 15 anos, a estrutura externa era inaugurada. Durante um milênio a basílica foi o maior templo do cristianismo.
Foto: imago/blickwinkel
Palco de representação estatal
Consta que Justiniano 1º investiu quase 150 toneladas de ouro na construção da Hagia Sophia ("Sagrada Sabedoria" em grego). Mas em breve ela precisou ser reformada: projetada com uma forma plana demais, sua cúpula desabou durante um terremoto. Em breve a basílica passou a ser utilizada como igreja do Estado. Desde meados do século 7º, quase todos os soberanos bizantinos foram coroados nela.
Foto: Getty Images
De igreja a mesquita
O domínio bizantino sobre Constantinopla teve fim em 1453, quando o sultão otomano Mehmet 2º conquistou a cidade e transformou a Hagia Sophia em mesquita. Cruzes cederam lugar à lua crescente, sinos e altar foram destruídos ou desmontados, mosaicos e pinturas murais foram caiados por cima. Com a construção do primeiro minarete, o prédio sacro ganhou aparência muçulmana também por fora.
Foto: public domain
De mesquita a museu
Em 1934, o fundador da República da Turquia, Mustafa Kemal Atatürk (foto), transformou em museu a "Ayasofya", como é denominada em turco, na atual metrópole de Istambul. A secularização acarretou minuciosos trabalhos de restauração. Os antigos mosaicos bizantinos foram revelados, porém cuidou-se também para não destruir os posteriores acréscimos muçulmanos.
Foto: AP
Islã e cristianismo lado a lado
A agitada história da Hagia Sophia se apresenta a cada passo aos visitantes atuais: nesta foto, os nomes "Maomé" (esq.) e "Alá" (dir.) ladeiam Nossa Senhora com Jesus no colo (ao fundo). Notáveis são também as 40 janelas da grande cúpula: além de deixar entrar a luz, elas impedem que rachaduras se expandam, destruindo a estrutura cupular.
Foto: Bulent Kilic/AFP/Getty Images
Ícones bizantinos
O mosaico mais imponente da Basílica de Santa Sofia (como também é conhecida no mundo cristão) é uma imagem do século 14, na parede da galeria sul. Mesmo não estando completamente preservado, os rostos ainda estão bem visíveis: no meio aparece Jesus, como senhor do mundo, Maria está à sua esquerda e João, à direita.
Foto: STR/AFP/Getty Images
Proibido rezar
Hoje em dia é proibido orar na Hagia Sophia. Bento 16 também obedeceu essa determinação durante a visita que fez ao local, em 2006, a qual transcorreu sob forte esquema de segurança, devido aos protestos dos nacionalistas contra a presença do papa. Recentemente a associação nacionalista-conservadora Juventude Anatólia reuniu 15 milhões de assinaturas, para que o museu volte a ser mesquita.
Foto: Mustafa Ozer/AFP/Getty Images
Alto valor simbólico
Não faltam construções sacras muçulmanas nas cercanias da Hagia Sophia. Logo ao lado erguem-se os minaretes da Mesquita do Sultão Ahmed, também conhecida como Mesquita Azul (dir.). Os nacionalistas exigem a transformação da basílica em mesquita: ela simbolizaria a tomada de Constantinopla pelos otomanos, constituindo, portanto, um legado islâmico que precisa ser preservado.
Foto: picture-alliance/Arco
Reivindicações ortodoxas
O patriarca de Constantinopla Bartolomeu 1º também reivindica a Hagia Sophia. Há anos o líder honorífico de todos os cristãos ortodoxos apela para que a basílica seja reaberta à liturgia. "A Hagia Sophia foi construída para ser testemunha da fé cristã", argumenta o bispo ortodoxo.
Foto: picture-alliance/dpa
Destino em aberto
O futuro da Hagia Sophia é incerto. Até agora, somente o partido nacionalista MHP reivindica a transformação do museu em mesquita. Dois requerimentos seus já fracassaram no Parlamento. O governo turco não se manifesta sobre essa questão, aparentemente em reação a protestos internacionais. A Unesco também está preocupada: afinal, desde 1985 a Hagia Sophia é Patrimônio Cultural da Humanidade.