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Madonna em Copacabana: investimento ou gasto irresponsável?

Philipp Lichterbeck
Philipp Lichterbeck
2 de maio de 2024

Publicidade municipal é um fenômeno já tradicional. Mas cabe perguntar: quando a municipalidade investe milhões do contribuinte no show de uma estrela pop, o que sobra para os habitantes do Rio?

Show na praia do Rio deixará lembranças como 'The Celebration Tour' em Londres?Foto: Kevin Mazur/WireImage for Live Nation/empics/picture alliance

Quando se perguntou aos moradores do Complexo do Alemão e do Morro da Providência quais eram as necessidades mais urgentes de suas comunidades, eles responderam: esgotos, saúde, educação. Eles não pensavam em teleférico.

Mesmo assim, o governo do Rio de Janeiro construiu, a custos milionários, um teleférico que funcionou durante a Copa e os Jogos Olímpicos, mas desde 2016 está parado, se deteriorando. Testemunha muda da corrupção, do mau planejamento e húbris dos poderosos da cidade, que queriam aparecer diante de um público internacional, mas não davam a menor bola para as preocupações reais dos cariocas.

Agora a Madonna se apresenta em Copacabana, por acaso no mesmo ano em que é eleito um novo prefeito. Eduardo Paes combina perfeitamente com o Rio: ele é mais do que prefeito, é um mestre festeiro, que mantém a cidade animada. Parafraseando a tirada do ex-prefeito de Berlim Klaus Wowereit sobre a capital alemã – "pobre, mas sexy" – pode-se dizer do Rio: imunda, criminosa, cara, mas mesmo assim divertida.

Polimento de imagem caro

A ideia do marketing municipal data do fim do século 19, quando as cidades passaram a fazer campanhas de imagem. Paralelamente à ascensão do turismo como fenômeno de massa, na década de 1920, os centros urbanos americanos se apresentavam como destinações atraentes, concorrendo entre si por visitantes.

Hoje, o marketing é empregado por cidades do mundo inteiro, a fim de se venderem como destinações imperdíveis, não só para turistas, mas também para investidores e talentos. Pode ser publicidade clássica, mas também um evento, um programa cultural ou um investimento em infraestrutura pública. Nos melhores dos casos, não se trata apenas de promover a imagem da localidade, mas também de elevar a qualidade de vida de seus habitantes e dar a partida a um desenvolvimento duradouro.

Esses dois últimos aspectos são o que, mais uma vez, saem perdendo no Rio. Neste 4 de maio, são esperados 1,5 milhão de espectadores para o show de duas horas da estrela pop em Copacabana. Porém, como costuma acontecer na cidade: grandes expectativas, show incrível, muita purpurina, mas pouco efeito palpável, no fim das contas.

Ainda por cima, é preciso ter presente que a cidade e o estado do Rio de Janeiro estão pagando R$ 10 milhões, cada um, aos produtores do show – os quais, além disso, ainda fecharam contratos de patrocínio.

Quem lucra com o show da Madonna?

Cabe então perguntar se não teria sido possível realizar o evento sem dinheiro dos contribuintes e apenas com patrocínio privado. Aos cofres públicos caberá, ainda, arcar tanto com os custos da posterior coleta de diversas toneladas de lixo, quanto de um enorme aparato de segurança.

As administrações do prefeito Eduardo Paes e do governador Cláudio Castro justificam os gastos antecipando as arrecadações com os quase R$ 300 milhões que, calcula-se, os turistas dispenderão em voos, hotéis, comida e transporte.

A conta não está errada: além do aumento do faturamento para a economia local, o show da Madonna vai também irradiar eco midiático internacional, colocando o Rio no noticiário; vai criar memórias inolvidáveis como o show dos Rolling Stones em Copacabana em 2006.

Mesmo assim, são os investimentos públicos que permitem lucros privados. A Globo, por exemplo, vai embolsar R$ 50 milhões em publicidade. E o valor estimado que Madonna, dona de um patrimônio multimilionário, deve embolsar com a apresentação é de 9,2 milhões de dólares.

Portanto cabe perguntar quem sai lucrando com o megaevento financiado com verbas públicas, e o que fica para o bem comum. Os milhões de reais do contribuinte são mesmo um investimento na cidade, gerando valor agregado, ou só uma despesa com um luxo para os poderosos da cidade se enfeitarem sem ter que encarar os problemas mais profundos da coletividade?

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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha, Suíça e Áustria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

 

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Cartas do Rio

Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio de Janeiro, em 2012. Na coluna Cartas do Rio, ele faz reflexões sobre os rumos da sociedade brasileira.