Em carta, 50 juízes e desembargadores federais argumentam que modelo garante a "imparcialidade" e a "legalidade" do processo. Ministro da Justiça, Sergio Moro, foi contra mudança incluída no pacote anticrime.
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Um grupo de 50 juízes e desembargadores federais divulgou nesta quinta-feira (02/01) uma carta em defesa da criação do juiz de garantias, estabelecido no projeto de lei conhecido como pacote anticrime, sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro no fim de dezembro. Os signatários do documento argumentam que essa nova atribuição garante a "imparcialidade do juiz de julgamento".
Na carta, os magistrados afirmam que as atribuições do juiz de garantias são "controlar a legalidade da investigação criminal" e "garantir direitos individuais". "Trata-se de figura indispensável à densificação da estrutura acusatória de processo penal (imparcialidade do juiz e separação das funções dos sujeitos processuais) e à concretização de direitos humanos", destaca o texto.
O grupo reconhece que há dificuldades para a implementação dessa nova função nos tribunais, mas argumenta que os impasses podem ser resolvidos com regras de distribuição de processos e com recursos tecnológicos, sem a necessidade da criação de um órgão específico ou nova instância.
"Mesmo em uma vara única em que atuem dois juízes, por exemplo, basta determinar que, no processo em que um deles atue como juiz de garantias, o outro jurisdicione como juiz de processo e vice versa", diz a carta. "Há divisão funcional de competência."
Os magistrados ressaltam que o juiz de garantias evita a confusão da figura do juiz com "a do investigador/acusador" e garante a imparcialidade do julgamento, destacando que, com a separação, aquele que decidirá sobre o caso "não participa da investigação criminal, não produz prova por iniciativa própria e tampouco fundamenta condenação com elementos de convicção obtidos sem contraditório judicial".
A carta cita exemplos de países que adotaram o modelo na América Latina e reforça os argumentos dos signatários com citações de livros de direito. "Repudiamos o papel de juiz que se mostra 'de braços dados com a acusação, em uma cruzada pelo clamor público e pelos valores morais e absorvendo todo o discurso moralista do senso comum'", argumentam os magistrados. "A ideia de um juiz combatente 'nos faz abandonar a construção moderna de um Poder Judiciário independente, imparcial e afirmativo dos direitos fundamentais'", completa o texto.
A proposta do juiz de garantias foi incluída por parlamentares no pacote anticrime enviado ao Congresso pelo ministro da Justiça, Sergio Moro. O ex-juiz se posicionou contra o modelo e chegou a afirmar que proporia a Bolsonaro o veto à medida. O presidente, no entanto, não vetou esse item no texto.
A medida foi encarada como reação à própria atuação de Moro à frente da Lava Jato. Pelo texto, o juiz que cuidar do andamento do processo criminal não será responsável pela sentença final.
Entre os signatários da carta, estão magistrados que atuaram em casos derivados da Operação Lava Jato. Um deles, Flávio Antônio da Cruz, chegou a ser auxiliar de Moro na Justiça Federal de Curitiba.
Até antes da mudança, o juiz que tomava decisões na fase investigatória também proferia a decisão final no caso. Agora, o juiz de garantias passará a ser "responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais", segundo o projeto. A análise da denúncia e a sentença ficarão a cargo de outro magistrado.
Além de Moro, também criticaram o modelo alguns setores do Ministério Público Federal, do Judiciário e parlamentares. Os críticos alegam faltarem magistrados para a criação do juiz de garantias, além de implicar um aumento das despesas do Judiciário.
História do país é marcada por episódios de corrupção. Uma seleção com alguns dos mais emblemáticos.
Foto: Reuters/P. Whitaker
As origens
A colonização do Brasil foi baseada na concessão de cargos, caracterizada pelo patrimonialismo (ausência de distinção entre o bem público e privado) e o clientelismo (favorecimento de indivíduos com base nos laços familiares e de amizade). Apesar de mudanças no sistema político, essas características se perpetuaram ao longo dos séculos.
Foto: Gemeinfrei
Roubo das joias da Coroa
Em março de 1882, todas as joias da Imperatriz Teresa Cristina e da Princesa Isabel foram roubadas do Palácio de São Cristóvão. O roubo levou a oposição a acusar o governo imperial de omissão, pois as joias eram patrimônio público. O principal suspeito, Manuel de Paiva, funcionário e alcoviteiro de Dom Pedro 2º, escapou da punição com a proteção do imperador. O caso ajudou na queda da monarquia.
Foto: Gemeinfrei
A República e o voto do cabresto
Em 1881 foi introduzido no país o voto direto, porém, a maioria da população era privada desse direito. Na época, podiam votar apenas homens com determinada renda mínima e alfabetizados. Durante a Primeira República (1889 – 1930), institucionaliza-se no Brasil o voto do cabresto, ou seja, o controle do voto por coronéis que determinavam o candidato que seria eleito pela população.
Foto: Gemeinfrei
Mar de lama
Até década de 1930, a corrupção era percebida comu um vício do sistema. A partir de 1945, a corrupção individual aparece como problema. Várias denúncias de corrupção surgiram no segundo governo de Getúlio Vargas. O presidente foi acusado de ter criado um mar de lama no Catete.
Foto: Imago/United Archives International
Rouba mas faz
Engana-se quem pensa que Paulo Maluf é o criador do bordão "rouba mas faz". A expressão foi atribuída pela primeira vez a Adhemar de Barros (de bigode, atrás de Getúlio), governador de São Paulo por dois mandatos nas décadas de 1940 e 1960. O político ganhou fama por realizar grandes obras públicas, e nem mesmo as acusações constantes de corrupção contra ele lhe impediram de ganhar eleições.
Foto: Wikipedia/Gemeinfrei/DIP
Varrer a corrupção
Em 1960, o candidato à presidência da República Jânio Quadros conquistou a maior votação já obtida no país para o cargo desde a proclamação da República. O combate à corrupção foi a maior arma do político na campanha eleitoral, simbolizado pela vassoura. Com a promessa de varrer a corrupção da administração pública, Jânio fez sucesso entre os eleitores.
Foto: Imago/United Archives International
Ditadura e empreiteiras
Acabar com a corrupção foi um dos motivos usados pelos militares para justificar o golpe de 1964. Ao assumir o poder, porém, o novo regime consolidou o pagamento de propinas por empreiteiras na realização de obras públicas. Modelo que se perpetuou até os dias atuais e é um dos alvos da Operação Lava Jato.
Foto: picture-alliance/AP
Caça a marajás
Mais uma vez um presidente que partia em campanha eleitoral prometendo combater a corrupção foi aclamado com o voto da população. Fernando Collor de Mello, que ficou conhecido como "caçador de marajás", por combater funcionários públicos que ganhavam salários altíssimos, renunciou ao cargo em 1992, em meio a um processo de impeachment no qual pesavam contra ele acusações que ele prometeu combater.
Foto: Imago/S. Simon
Mensalão
Em 2005, veio à tona o esquema de compra de votos de parlamentares aplicado durante o primeiro governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, que ficou conhecido como mensalão. O envolvimento no escândalo de corrupção levou diversos políticos do alto escalão para a prisão, entre eles, o ex-ministro José Dirceu e o ex-presidente do PT José Genoino.
Foto: picture-alliance/robertharding/I. Trower
Lava Jato
A operação que começou um inquérito local contra uma quadrilha formada por doleiros tonou-se a maior investigação de combate à corrupção da história do país. A Lava Jato revelou uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, empreiteiras e políticos. O pagamento de propinas por construtoras, descoberto na operação, provocou investigações em 40 países.