Maioria do STF vota por aceitar denúncia contra Cunha
Jean-Philip Struck3 de março de 2016
Deputado deve se transformar no primeiro réu da Operação Lava Jato com foro especial. Para ministros, há indícios consistentes do envolvimento dele em esquema de corrupção. Julgamento será retomado nesta quinta-feira.
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A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votou no fim da tarde desta quarta-feira (02/03) pelo recebimento parcial da denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Com isso, o deputado deve se tornar réu e o STF abrirá a sua primeira ação penal envolvendo o escândalo de corrupção na Petrobras.
Antes que a sessão fosse suspensa, o placar indicava que seis dos dez ministros presentes foram favoráveis ao recebimento da denúncia. Entre eles estavam o relator, Teori Zavascki, e os ministros Marco Aurélio Mello, Luís Roberto Barroso, Luiz Fachin, Cármen Lúcia e Rosa Weber. O julgamento deve ser retomado na quinta-feira com o voto de mais quatro ministros. Luiz Fux, o 11° membro do Supremo, está fora do país e não deve votar.
A PGR denunciou o presidente da Câmara por corrupção e lavagem de dinheiro. Zavascki entendeu que a Procuradoria apresentou indícios de que Cunha e a ex-deputada Solange Almeida (PMDB-RJ), que também constava na denúncia, participaram de um esquema de pagamento de propina envolvendo contratos de navios-sonda da Petrobras.
O procurador-geral, Rodrigo Janot, acusou especificamente Cunha de ter recebido propina para "facilitar e viabilizar" a contratação de dois navios-sonda do estaleiro sul-coreano Samsung pela Petrobras, entre 2006 e 2012. O negócio envolveu 1 bilhão de dólares. A procuradoria afirma que os contratos resultaram no pagamento de 40 milhões de dólares em propinas para políticos e funcionários da Petrobras. Destes, 5 milhões teriam sido pagos ao deputado. Durante a sessão do STF, Janot caracterizou o esquema como uma "propinolândia".
Requerimentos
As acusações que pesam contra o deputado foram baseadas nas delações do lobista Julio Camargo e de Fernando Baiano, o operador do PMDB no esquema de desvios na estatal. A denúncia aponta que Cunha e Almeida usaram seus mandatos em 2011 para apresentar requerimentos à Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara, exigindo explicações do Ministério de Minas e Energia sobre os contratos.
Para Zavascki havia indícios "consistentes" de que os pedidos, efetuados por Almeida e ordenados por Cunha, eram uma forma de pressionar as empresas envolvidas no contrato a dar continuidade ao pagamento da propina, que chegou a ser suspensa quando surgiram dúvidas jurídicas envolvendo um dos contratos com a Petrobras.
A denúncia também aponta que parte dos pagamentos foi feito ao caixa da Igreja Assembleia de Deus do Rio de Janeiro, ligada ao deputado.
Durante a leitura do seu voto, Zavascki rejeitou, no entanto, parte da denúncia que acusava Cunha e Almeida de participarem do acerto inicial do esquema dos contratos dos navios, que foram elaborados entre 2006 e 2007. Os delatores já haviam afirmado que só vieram a conhecer Cunha em 2010. Com isso, diminuem algumas das imputações nos crimes apontados pela Procuradoria. Os ministros que votaram pelo recebimento acompanharam o voto do ministro.
Ao justificar seu voto, Zavascki rejeitou a ideia de que as acusações são baseadas apenas em delações premiadas. "Essas colaborações não são isoladas, elas ganham valor na medida em que são acompanhadas de elementos pelo menos indiciários muito sugestivos da veracidade", disse.
Andamento
Se nenhum ministro mudar seu voto e a denúncia for finalmente aceita, com Cunha se tornando réu, uma nova fase de investigações deve ser aberta, com novas rodadas de depoimentos e de produção de provas. O julgamento só começaria depois dessa fase.
Além da denúncia, o STF ainda deve analisar uma ação da procuradoria que pede o afastamento de Cunha da presidência da Câmara. Ainda não há previsão de quando isso vai ocorrer.
Apresentado em dezembro, o pedido elenca 11 condutas de Cunha com justificativa para seu afastamento. Entre elas está a acusação de que Cunha age para "constranger e intimidar parlamentares, réus colaboradores, advogados e agentes públicos, com o objetivo de embaraçar e retardar investigações contra si".
Apesar do desgaste causado pela denúncia e pelo pedido de afastamento, Cunha vem se mantendo no cargo. Na semana passada, ele disse que tem "total" condição de continuar a presidir a Câmara mesmo se virar réu.
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
Foto: imago/Fotoarena
As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
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Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/H. Alves
As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.